O início deste século XXI está marcado pela pluralidade das sociedades. Isso se deu basicamente com a modernização. Compreendemos modernização a aplicação da tecnologia e do conhecimento científico nos processos de produção, a mudança dos padrões

 

 

O início deste século XXI está marcado pela pluralidade

das sociedades. Isso se deu basicamente com a modernização.

Compreendemos modernização a aplicação da tecnologia e do

conhecimento científico nos processos de produção, a mudança

dos padrões tradicionais de trabalho. Com ela veio também

desigualdades sociais, sendo ampliado cada vez mais, pois os

benefícios da tecnologia não chegam igualmente a todos os

grupos da sociedade.

 

O multiculturalismo surge neste contexto com o intuito

de articular a educação com a diversidade cultural presente nas

sociedades contemporâneas, sociedades que não possuem

mais a característica monocultural do passado, mas multicultural.

Histórico

 

Nos Estados Unidos, a preocupação multicultural surge

com a luta pelos direitos civis, ocorrida na década de 1960. A luta pelos direitos civis foi organizado pelo movimento negro norteamericano (estadunidense) 

frente à desigualdade existente entre negros e brancos

(Gonçalves & Silva: 2002: 43).

 

Embora tenha surgido especificamente com a

preocupação da diversidade étnica, outras propostas voltadas

para o reconhecimento de outros grupos que não sejam étnicos,

especialmente as mulheres, os homossexuais, grupos religiosos

e portadores de deficiência, também são defendidas. Nesse

caso, utiliza-se o termo pluriculturalismo.

 

Para o pluriculturalismo, a educação deve levar em conta

essa diversidade existente nas sociedades contemporâneas,

com grande número de grupos sociais e culturais e às interrelações

entre eles.

 

No caso da Europa, nas décadas de 1950 e 1960,

aconteceu a migração de trabalhadores oriundos da América

Latina, do Caribe, da África e da Ásia. Esse movimento acontece

ainda nos dias atuais, principalmente porque os surinameses

falam a língua da Holanda, nigerianos e sul-africanos falam a

língua da Inglaterra, marroquinos falam a língua da França, o

que facilita a busca de sobrevivência nos países desenvolvidos.

 

Os países europeus que têm dificuldade em resolver seus

próprios conflitos culturais, recebe uma variedade de novos

costumes à eles, com a chegada dos árabes, principalmente

muçulmanos, de africanos, de asiáticos, caribenhos e sulamericanos.

Assim, na década de 1970, diversos países europeus já

iniciaram um processo de renovação educacional, com

preocupações ligadas às disparidades culturais existentes,

principalmente com os filhos de imigrantes que freqüentavam

as escolas européias.

 

No caso latino-americano, especificamente o Brasil, tem

outras peculiaridades. A colonização trouxe relações de poder

bastante conhecidas: genocídio e escravização dos povos

indígenas, a exploração das riquezas naturais, o comércio e a

escravização de povos africanos etc.

 

Portanto, em nosso caso, os portugueses não

encontraram um povo indígena, mas uma variedade enorme de

etnias, ou melhor, de povos, com costumes, organizações

parentais e sociais diferentes, línguas e cultos bastante variados.

O mesmo com os povos africanos. Chegaram

escravizados ao Brasil, africanos de uma variedade de etnias,

com suas próprias línguas, religiões, organizações parentais,

sociais etc.

 

Completando a multiplicidade étnica da sociedade

brasileira, no início do século XX houve a defesa que era preciso

branquear” o Brasil. Assim, os imigrantes italianos, alemães,

suíços etc., chegaram ao Brasil com vantagens de acesso à

terra e ao emprego, vantagens essas jamais dada aos negros

que aqui já estavam e com os quais a sociedade brasileira tinha,

e continua tendo, uma enorme dívida.

 

Retornando ao nosso tema, sobre multiculturalismo e

educação, no Brasil as primeiras experiências surgiram com as

escolas no interior das comunidades indígenas. No início, essas

escolas ainda estavam sob a lógica da dominação e da

homogeneização cultural. Aquelas escolas indígenas transmitiam

o que se entendia como conhecimento da “cultura nacional”,

cujos conteúdos eram basicamente europeus, como exemplo a

difusão da língua portuguesa entre estes povos.

 

As conquistas conseguidas pelas organizações

populares, não-governamentais etc., na Constituição Federal de

1988 foram significativas para uma mudança que se começa a

operar. Com relação aos povos indígenas, surge uma nova

política, principalmente como a autonomia dos povos indígenas.

Surge a escola indígena, com alfabetização bilíngüe, em

português e na língua nativa, além dessa escola incorporar nos

currículos os costumes, os mitos e os elementos da história de

cada povo.

 

A população negra organizada configura-se outro

segmento que tem reivindicado a necessidade de uma educação

mais inculturada. Inicialmente, surgiram reivindicações por uma

escola que esteja atenta à realidade da população negra, que

respeite e valorize a cultura afro-brasileira, que dê especial

atenção à história da África e dos africanos aqui escravizados.

Com o inciso III do artigo 206 da Constituição Federal de

1988, que destaca o “pluralismo de idéias e de concepções

pedagógicas”, assim como os “Parâmetros Curriculares

Nacionais (PCN’s), publicados em 1997, que incorpora a

pluralidade cultural, projetos políticos pedagógicos com base em

pressupostos étnicos vêm sendo realizados.

 

A justificativa para a introdução do tema da “pluralidade

cultural” aparece no volume 10 dos Parâmetros Curriculares

Nacionais (p. 22):

É sabido que, apresentando heterogeneidade

notável em sua composição populacional, o Brasil

desconhece a si mesmo. Na relação do País consigo

mesmo, é comum prevalecerem vários estereótipos,

tanto regionais quanto em relação a grupos étnicos,

sociais e culturais.

Historicamente, registra-se dificuldade para se lidar

com a temática do preconceito e da discriminação

racial/étnica. O País evitou o tema por muito tempo,

sendo marcado por “mitos” que veicularam uma

imagem de um Brasil homogêneo, sem diferenças,

ou, em outra hipótese, promotor de uma suposta

democracia racial”.

 

A questão multicultural nos últimos anos vem adquirindo

cada vez maior abrangência, visibilidade e conflitividade, no

âmbito internacional e local. Isso preocupa muitas sociedades.

 

O debate é intenso nos Estados Unidos e também na Europa.

 

No Brasil, a questão multicultural apresenta uma configuração

própria, pois está marcado pelos povos indígenas e afrobrasileiros

que procuram afirmar suas identidades numa situação

de relações de poder assimétricas, de subordinação e acentuada

exclusão.

 

É exatamente nesta conjuntura que a UNESCO em sua

Conferência Geral, realizada em Paris, de 15 de outubro a 03 de

novembro de 2001, aprovou uma “Declaração Universal sobre a

Diversidade Cultural”. Coincidentemente, esta Declaração surge

logo após a ONU realizar a III Conferência Mundial de Combate

ao Racismo, Discriminação, Xenofobia e Outras Formas de

Intolerância, realizada em Durban, África do Sul, dos dias 31 de

agosto a 08 de setembro de 2001.

 

A questão da relação entre cultura e educação é bastante

polêmica. Este é um campo que atravessa as discussões na

área acadêmica e na área social, dos grupos étnicos

organizados. Outra característica, é que o multiculturalismo não

surgiu na academia. São os grupos sociais discriminados e

excluídos de uma cidadania plena, especialmente os grupos

ligados às questões de identidade, como os negros, ou afrobrasileiros,

que constituem o local da produção teórica. A entrada

nas universidades acontece num segundo momento, mesmo

assim, num embate e conflito intenso.

 

No entanto, essas experiências ainda são feitas sob os

referenciais teóricos e metodológicos ocidentais, tidos como

universais. Reflexões sobre uma educação com base no

universo sócio-cultural afro-brasileiro vêm surgindo, portanto,

amparado no multiculturalismo.

 

Articular igualdade e diferença constitui a questão

fundamental. O problema não é afirmar um pólo e negar o outro,

mas possuir uma visão dialética da relação entre igualdade e

diferença. Não se pode contrapor igualdade à diferença. A

igualdade não está oposta à diferença, mas sim à desigualdade,

e diferença não se opõe à igualdade e sim à padronização, à

uniformidade.

 

Nem padronização nem desigualdade. A igualdade que

queremos construir assume o reconhecimento dos direitos

básicos de todos. No entanto, esses todos não são

padronizados, não são os “mesmos”.

 

Por fim, surge a tensão entre universalismo e relativismo

cultural na ação educativa, portanto nas questões curriculares.

Nossa escola está construída institucionalmente tendo por base

a afirmação de conhecimentos e valores considerados universais,

assentada na cultura ocidental, européia, considerada como

portadora da universalidade.

 

Esse tema começa a ser discutido entre educadores e

pesquisadores em educação, especialmente da área de currículo,

didática, filosofia da educação e sociologia da educação.

 

O Multiculturalismo diante o Liberalismo

 

Pensadores liberais têm apresentado críticas ao

multiculturalismo. Ficarei com a crítica de Arthur Schlesinger

(apud Torres: 2001: 207):

Quaisquer que sejam os crimes próprios da Europa,

este continente também é a fonte – a fonte única –

das idéias de liberdade individual, de democracia

política, do império da lei, dos direitos humanos e da

liberdade cultural, que constituem nossos mais

preciosos legados, a que quase todo o mundo aspira

em nossos dias. Estas são idéias européias, não

são idéias asiáticas, africanas ou do Oriente Médio”.

 

A preocupação liberal aqui é de que a estatura da cultura

ocidental, tida como verdade universal, possa ser diminuída.

Outro argumento apresentado é o de que o

multiculturalismo criaria guetos e tribos culturais, destruindo os

laços de coesão de nossa sociedade.

 

Especificamente no caso brasileiro, há uma idéia de

cultura nacional, consolidada sob três pilares: a unidade

lingüística, a hegemonia do cristianismo e a submissão de

diversidades raciais com o “mito da democracia racial”.

 

O Multiculturalismo frente aos Neoconservadores

 

Pensadores da direita, neoconservadores, também têm

argumentado contra o multiculturalismo. Ficaremos com a

posição de William Safran (apud Idem: Ibidem: 215):

muitos defensores do multiculturalismo acreditam

que sua cultura de minoria étnica é não apenas igual,

mas superior à da maioria. (...) o multiculturalismo é

radical, pelo fato de rejeitar tradições culturais há

muito estabelecidas. (...) o multiculturalismo é

antimoderno, na medida em que ressalta a ação

afirmativa e o recrutamento por inscrição (em

oposição ao baseado no mérito)”.

 

O multiculturalismo é antimoderno para os pensadores

de “direita” por deformar a meritocracia.

 

Importante ressaltar que os neoconservadores ao

mesmo tempo em que são contra o enfoque multiculturalista na

educação, aceitam o pluralismo cultural, pois este está baseado

não na diversidade etno-racial, mas na diversidade cultural e na

nacionalidade. Aqui, quero lembrar que os “parâmetros

curriculares nacionais” utilizam ‘pluralidade cultural’.

 

O Multiculturalismo frente à Esquerda

 

Pensadores de “esquerda” também têm apresentado

suas críticas ao multiculturalismo. Cabe, nesse momento ver a

posição de Cameron McCarthy (apud Idem: Ibidem: 224):

O que em última análise os multiculturalistas

procuram promover é a centralidade social da vida

do ‘bom burguês’ para a minoria pobre, que não

constitui ameaça”.

 

O que a “esquerda” diz, é que o multiculturalismo se

deixou absorver pelo sistema e possuir as mesmas deficiências

que a lei dos direitos civis. Os fundamentos do multiculturalismo

não representam ameaça à ordem social existente, e por isso

não trazem soluções radicais para os problemas sociais,

econômicos e políticos ligados à discriminação, desigualdade,

exploração, assim como não desafia os direitos de propriedade.

 

O Pensamento Multicultural

 

O multiculturalismo é pensado por uma pluralidade de

posicionamentos. Assim, há diferentes enfoques de uma

educação multicultural. Nos Estados Unidos, dois importantes

autores que abordam a questão do multiculturalismo são Peter

McLaren e James Banks. McLaren inicia sua reflexão com base

na Pedagogia Crítica, em seguida, com reflexões na perspectiva

pós-moderna. James Banks assume uma perspectiva de caráter

liberal.

 

Procurarei analisar aqui as tendências apontadas por

Peter Mclaren (apud Candau: 2002: 82): Multiculturalismo

Conservador, Multiculturalismo Humanista Liberal,

Multiculturalismo Liberal de Esquerda e Multiculturalismo Crítico.

Multiculturalismo Conservador: Nessa corrente, há o

reconhecimento da multiculturalidade, no entanto, considera

inferiores os dialetos, os saberes, as línguas, as crenças e os

valores pertencentes aos grupos subordinados, considerados

inferiores. Presente nas teorias evolucionistas que justificam

políticas imperialistas. É uma posição bastante forte em nossa

sociedade.

 

Multiculturalismo Humanista Liberal: aqui, se afirma a

igualdade intelectual entre diferentes etnias e grupos sociais, o

que justifica que todos competem em igualdade na sociedade

capitalista. Defende medidas para remover obstáculos e melhorar

as condições econômicas e socioculturais das populações

dominadas. No entanto, a cultura privilegiada é a dos grupos

dominantes.

 

Multiculturalismo Liberal de Esquerda: essa corrente dá

ênfase à diferença cultural. Tende a favorecer e valorizar as

experiências dos grupos populares e étnicos, não levando em

consideração a cultura dominante.

 

Multiculturalismo Crítico: defende que as representações

de raça, gênero e classe são produtos de lutas sociais sobre

signos e significações. Para essa corrente, as questões relativas

à diferença são determinadas pelos processos históricos, pelas

mentalidades e ideologias, pelas relações de poder e mobilizam

processos políticos e sociais.

 

Embora proponha essas quatro tendências, reconhece

que as características de cada posição tendem a se misturar

umas com as outras dentro do horizonte geral da vida social. A

descrição de cada tipo de multiculturalismo tem papel heurístico,

já que as diferentes posições se interpenetram nas práticas

sociais.

 

Outro pensador defensor de um multiculturalismo na

educação é James Banks, professor do Centro para a Educação

Multicultural da Universidade de Washington (cf. Idem: Ibidem:

84).

 

Banks defende a educação multicultural como solução

para o problema do fracasso escolar de estudantes oriundos

das camadas populares e de grupos étnicos, como os negros.

 

Para Banks, a causa do fracasso escolar está na cultura

em que os alunos são socializados, que não favorece

experiências fundamentais para o bom desempenho escolar.

 

Afirma Banks, do que ele denomina “diferença cultural”,

que as diferentes culturas possuem linguagens, valores,

símbolos e estilos de comportamentos diferentes, que têm de

ser compreendidos na sua originalidade. As relações entre as

culturas não podem ser analisadas numa perspectiva

hierarquizadora.

 

Para Banks, o que deve ser mudado não é a cultura do

aluno, mas a cultura da escola, que atualmente é construído a

partir de um único modelo cultural, o hegemônico, apresentando

um caráter monocultural.

 

Banks vai identificar dez formas de abordar a questão

das relações entre educação e culturas no contexto escolar, com

o mesmo rótulo de educação multicultural (apud Idem: Ibidem:

86-89): étnico-aditivo, de desenvolvimento do autoconceito, da

privação cultural, centrado na linguagem, anti-racista, radical,

baseado na meritocracia, assimilacionista, do pluralismo cultural

e o da diferença cultural.

 

Os principais autores europeus defensores do

multiculturalismo são o inglês Stuart Hall, os franceses Charles

Taylor e Jean Claude Forquin, a espanhola Margarita Bartolomé

Pina.

 

Não podemos esquecer do argentino Carlos Alberto Torres

e, no Brasil vem surgindo grupos de pesquisa sobre

multiculturalismo e educação. Atualmente existem grupos na

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na Universidade

Federal do Rio de Janeiro, na Universidade Federal de Minas

Gerais, na Universidade Federal de Santa Catarina e na Pontifícia

Universidade Católica do Rio de Janeiro, além de uma nova

geração de pesquisadores em educação envolvidos com essa

temática, como Cirena Calixto da Silva (2001) que pesquisa sobre

Políticas Públicas Educacionais e o Negro e Luciane Ribeiro Dias

Gonçalves (2001) que pesquisa sobre o Multiculturalismo no

Cotidiano Escolar.

 

Especificamente sobre a população negra, aconteceu

pela primeira vez, no ano de 2002, um grupo de estudos, “GE

Relações Raciais/Étnicas e Educação”, na 25ª Reunião da

ANPED (Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em

Educação), ocorrida em Caxambu, MG, nos dias 29 de setembro

a 02 de outubro de 2002.

 

Não posso deixar de reconhecer que outras experiências

vêm sendo feitas. Entre elas, o Cursinho Pré-vestibular para

Negros, como os do Núcleo de Consciência Negra da USP. A

experiência desses cursinhos trabalha com duas lógicas, a lógica

da adesão e a lógica de resistência. Por um lado, reforça o papel

atribuído aos exames vestibulares, subordinado à finalidade mais

imediata de ingresso no ensino superior. Por outro lado, joga-se

com a regra do jogo em vigor sem, no entanto, deixar de

questiona-las. Nesta perspectiva, resiste-se à lógica competitiva

e individualista que caracteriza os exames vestibulares e introduz

outros conteúdos que não estão direta nem necessariamente

orientados a esses exames.

 

Posso estar enganado, mas acredito que os Cursinhos

Pré-vestibular para Negros caminham para o ensino cooperativo,

ensino fundamental e médio. É uma saída ou estratégia para os

que querem incorporar a abordagem multicultural. Nesse ensino,

muitas questões pedagógicas na perspectiva multicultural serão

introduzidas: a seleção dos conteúdos escolares, as estratégias

de ensino, o relacionamento professor(a)/estudante e estudante/

professor(a), o sistema de avaliação, o papel do educador(a), a

organização da sala de aula, as atividades extraclasse, a relação

escola/comunidade etc.

 

Retornando, o Cursinho Pré-vestibular para Negros é

uma Ação Afirmativa, uma vez que, busca inserir negros na

universidade e, ao mesmo tempo, com o importante papel de

capacitar esses negros de forma que eles se percebam como

importantes agentes sociais.

 

No meu caso particular, penso que essas experiências

na educação, no entanto, são realizadas dentro de referenciais

teóricos e metodológicos ocidentais, tidos como universais:

 

a inclusão das mulheres, dos negros, (...) só

acontece na medida em que estes grupos cedem à

homogeneização e abrem mão de suas diferenças

e, portanto, de seus interesses, na esfera pública

(Pinto, C.R.J.: 1999: 60).

 

Atualmente, surgem propostas que acenam para uma

ruptura com a universalização, em defesa da heterogeneidade

presente nas sociedades, reconhecendo o multiculturalismo

como:

possibilidade de construção de um espaço público

que expresse o reconhecimento da pluralidade

étnica, racial e sexual, tratando a todos por igual,

mas não igualmente (...) as particularidades possam

ser respeitadas, negociadas e representadas nas

diferentes instituições da vida social” (Silvério: V.R.:

1999: 55).

 

Emergem experiências educacionais no interior das

complexas estruturas de matrizes africanas no Brasil. Aqui, a

utilização de instrumentos de análise e metodologias com

referências teóricas ocidentais, empobrecem a complexidade

do universo sócio-cultural afro-brasileiro:

em se tratando de estudos que se propõem a

conhecer e valorizar feições étnico-históricoculturais,

e por isso mesmo socialmente situadas,

que não há um único estilo de apreender e de

significar o mundo. (...) implica, pois, mudança

conceitual” (Silva, P. B. G.: 2001: 154-155).

 

Em minha pesquisa de doutorado, desenvolvo algumas

noções presentes na complexidade do pensamento de matrizes

africanas, buscando

compreender uma ‘Pedagogia Afro-brasileira’,

através da sistematização das experiências

educativas presentes nos rituais de iniciação das

religiões de origem africana no Brasil” (Oliveira, J.M.:

2001: 02).

 

Na construção desse pensamento educacional afrobrasileiro,

alguns conceitos precisam ser muito bem

compreendidos, por conta de não se conseguir penetrar nesse

universo: Oralidade, Ancestralidade e Sincronicidade.

 

Conclusão

 

O pensamento ocidental, influenciado pelo racionalismo

e empirismo, criou um abismo entre o pensamento científico e o

pensamento mitológico. Esse afastamento partiu do pressuposto

de que a ciência só poderia existir se voltasse as costas para o

universo das imagens, como se este fosse um mundo ilusório,

ao passo que o mundo real seria o mundo material, descoberto

pela lógica da racionalidade.

 

Procurando favorecer a reintegração do homem consigo

mesmo, com o próximo e com a natureza, aparecem grandes

interrogações que impulsionam a emergência de tentativas de

construção de novos paradigmas como resposta à crise global

da consciência dividida, atomizada, alienada, propondo-se uma

nova cosmovisão que possibilite uma superação do paradigma

racionalista-empirista.

 

Em coerência com uma postura multiculturalista

os negros latino-americanos, principalmente no

Brasil, configuram-se como parte de outro grupo

étnico que tem reivindicado a necessidade de uma

educação mais inculturada na realidade, nas raízes

e nas especificidades da sua cultura. (...) podemos

afirmar, então, que muitas são as raízes, os

contextos, as origens e as teorias, que hoje nos

permitem avançar na prática pedagógica e na

pesquisa sobre as articulações entre a educação e

cultura” (Candau: 2002: 62.66).

 

Estes referenciais constituem o desafio em se pensar

uma educação a partir da pluralidade constituinte em nosso país.

É permitir-se o difícil exercício da diversidade, reconhecendo as

diferenças e olhando-as através de suas singularidades:

A valorização dos estudos do cotidiano, por sua vez,

emerge do movimento de ruptura paradigmática que

abriu espaços a heurísticas que dão suporte a

projetos investigativos, os quais, buscam outros

estilos de trabalho, de pensamento, de análise, de

compreensão” (Bandeira: 2000: 143).

 

Temos assim, atualmente, pesquisadores e educadores

que se posicionam contra o multiculturalismo e o surgimento de

pesquisadores e educadores que vêm defendendo uma

educação multicultural.

 

Basicamente, os argumentos de quem se posiciona

contra o multiculturalismo está no medo da destruição da herança

intelectual ocidental. Para estes, os princípios filosóficos

universais, que tornam o conhecimento e a educação possíveis

estão sob crítica.

 

Os conceitos de verdade, realidade, objetividade e

racionalidade, aceitos pela civilização ocidental estão desafiados.

 

Para os que se posicionam contra o multiculturalismo, o

abandono de padrões tradicionais de verdade e objetividade tem

sido devastador quando tratam todas as culturas como

intelectualmente iguais e, portanto merecendo igualmente serem

representadas no currículo, assim como na defesa da ação

afirmativa em lugar do mérito ou excelência acadêmica como o

critério principal para as contratações nas universidades.

 

Argumentam os que se posicionam contra o

multiculturalismo que rejeitar os princípios de inteligibilidade de

nossas instituições, culturais e científicas, é abalar as práticas

de ensino e pesquisa que são a razão de ser da universidade e

ameaçar as bases da civilização ocidental.

 

Os defensores do multiculturalismo defendem que a

suposta verdade objetiva entendida como correspondência entre

nosso conhecimento e uma realidade independente é uma noção

sem conteúdo significante.

 

Desafiar visões tradicionais de conhecimento e verdade

não apresenta ameaça para a instituição educacional ou qualquer

outra instituição, pois os princípios teóricos não sustentam

nossas práticas, mas apenas fornecem modos de descrever a

prática para nós mesmos.

 

Charles Taylor trata o multiculturalismo como um assunto

histórico e político em vez de epistemológico. Ele diz que a

democracia possui duas tradições:

A política da dignidade mútua, baseada na idéia de que

todos os humanos merecem igualmente respeito e direitos iguais;

e a política da diferença, baseada na necessidade de

reconhecimento da identidade única de indivíduos e grupos.

 

O multiculturalismo é uma extensão da política da

dignidade com a política da diferença, ou seja, política de respeito

mútuo com a política de reconhecimento.

 

Na educação, se defende o respeito mútuo e o

reconhecimento para cada cultura dentro do currículo.

A educação tem falhado em superar as barreiras entre

ricos e pobres (veja diferença de escolas privadas e públicas),

entre homens e mulheres (machismo ainda é fortíssimo) e entre

os de descendência européia e os de descendência africana.

 

Em nosso caso, nossa cultura acadêmica apresenta

enorme dificuldade de lidar com a diferença. As políticas de ação

afirmativa têm bastante resistência. Quanto aos cursos, o tema

da diversidade cultural é trabalhado por um ou outro professor,

mas não á assumido como um dos princípios orientadores da

formação docente, inicial e continuada.

 

A grande dificuldade de se trabalhar estas questões está

na crença ainda bastante forte do “mito da democracia racial”.

 

Nossa educação tem características fortemente monoculturais

e privilegia uma perspectiva universalista vinculada à visão

iluminista da realidade.

 

Uma sociedade verdadeiramente democrática precisa

superar as barreiras de classe, assim como deve superar as

barreiras étnicas/raciais.

 

A defesa de um currículo multicultural nas escolas de

ensino fundamental e médio e a defesa de políticas afirmativas

nas universidades, representam um primeiro passo para a

construção da democracia.

 

 

Núcleo de Consciência Negra na USP

 

20 de novembro - Dia da Imortalidade de Zumbi

 

 

 

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