AMADA MÃE,

Antonia do Carmo,

Quanto tempo não nos encontramos presencialmente! Minha querida mãe, aqui por Roma, já está chegando a primavera e é com admiração que estou a constatar que, após a longa hibernação dos arvoredos e plantas no frio invernal, mesmo a ponto de se parecerem vergéis secos e mortos, reduzidos a troncos, raízes e galhos; agora, que se volta a escutar os cantares dos passarinhos, as primeiras coisas a brotarem dos galhos aparentemente secos não são as folhas, mas as flores em todas as suas pujanças, cores, perfumes e belezas e, para elas, naturalmente, assomam as abelhas e as borboletas. Fenômeno semelhante ocorre no sertão do Ceará – de onde vieram nossos antepassados – dizia, certa vez, uma dedicada professora de Geografia, quando eu ainda cursava o Ensino Médio na escola de nosso bairro: no período de estiagem, os grãos remanescentes ou plantados dormem no solo seco, empoeirado e rachado; porém, quando chegam as primeiras chuvas – mas tardar hoje: dia de são José – o solo enverdece e as sementes despertam, germinando com vitalidade e velocidade inacreditáveis. Talvez seja por essa explosão de beleza, primeira verdade (prima veritas, primavera) e fecundidade da natureza, qual conveniência natural da vida, festeje-se o dia das mães e o mês das noivas, dentro dessa estação maravilhosa que aqui se faz notar.

Ainda em dezembro, o mano me enviou uma foto sua a preencher cartões de Natal a serem enviados aos amigos e familiares. Vi seu semblante cansado da lida, do trabalho de casa e da prefeitura, quando te dedicavas a escrever com aquela bela grafia tua as mensagens de boas festas, numa tradição que raras pessoas ainda conservam. Maravilho-me novamente que, mesmo cansada, após um dia de labor, prestavas-te a essa delicadeza que tece os laços sociais e de benquerença familiar.

Recordo-me que vi nos teus antigos álbuns as fotos quando trabalhavas numa secretaria de uma empresa, talvez com a idade de dezenove ou vinte anos e eras solteira e no vigor da beleza da mocidade; mais tarde conheceste o papai, vocês namoraram e depois se casaram, constituindo um lar com as responsabilidades e obrigações inerentes; mormente, mediante nós, seus filhos. Certamente, mesmo na juventude, já tinhas muitas responsabilidades por seres de uma família de agricultores e por teres sido, de tantos irmãos, a primeira a nascer; incumbindo-te, nisso, como que uma segunda responsabilidade materna no cuidado dos meus tios e tias...

Recordo-me das narrativas do vovô e da vovó ao contarem da bravura que tiveram de ter para criar os filhos, pelos campos da região bragantina, até se estabelecerem em nossa cidade de Capanema. Querida mãe, sei que aprendestes a virtude da gratidão e da responsabilidade perante os tantos desafios da existência, que enfrentastes desde a infância...

Vem-me à memória, igualmente, aqueles domingos, quando caminhávamos sempre alguns quilômetros para estarmos na casa dos nossos avós maternos ou da avó paterna, encontrá-los, também aos tios e tias, primos e primas, além de participar da missa na Igreja paroquial. E esse também era um pequeno sacrifício que não se sentia tanto o peso, porque feito com amor... Vejo como se fosse hoje as muitas vezes que, ainda crianças, acompanhávamos-te, a mana e eu, para apanhares água potável do poço da dona Iracema, uma das nossas boas vizinhas.

Ainda me vem à memória o esforço para nos levar e buscar-nos, você ou o papai, na escolinha das nossas tias; ou mesmo, da preocupação quando eu, frequentemente, pulava o muro da casa para ir à taberna do papai. Rememoro aquela grande prova, quando tivestes de fazer as doze seções de quimioterapia em Belém, nove anos atrás, e como enfrentaste com fé e determinação aqueles momentos, amparada por suas irmãs; contudo, sempre com serenidade e fé, passando firmeza e determinação a todos nós.

Hoje, encontro-lhe virtualmente pelo smartphone e a internet e vejo os vestígios do tempo no seu semblante suado do ardor do clima paraense e cabelos encanecidos; nisso, vejo que a razão da existência de uma mulher que se torna mãe e vive a ética que a maternidade lhe inspira é, sempre, fazer-se dom, amor e cuidado como manifestações da sabedoria recebida na vida; um amor que diz algo de eterno e de essencial em nossa jornada nesse mundo.

Estava ponderando que, é no mínimo curioso que as tradições cristãs acreditam que Deus é um só. Um só, porém como comunidade de amor: Pai, Filho e Espírito Santo (paternidade, filiação e vínculo de amor). Onde estaria o feminino e a maternidade em Deus? Não seria também a mulher e a mulher mãe, especialmente, um reflexo do ser divino? Assim, descobrimos que a maternidade é uma forma excelente de falar do amor e da misericórdia de Deus. De fato, Espírito de Deus é feminino: Ruah Jahveh, em hebraico. A primeira página da escritura afirma que, no princípio, a Ruah Jahveh pairava (mërachefet) sobre as águas primordiais; e isso, pairar, é o que uma ave faz chocando os seus ovos; também é esse o sentido dessa pessoa divina se manifestar no batismo de Jesus, como se fosse uma pomba, evocando o seu movimento inicial sobre as primeiras águas.

Esse pensamento já estava presente em primitivos pensadores da fé cristã na região da Síria, como Diádoco de Fótice, Macário, Metódio de Olimpo e nas Odes de Salomão; porém, foi escondido pela tradição teológica porque bem cedo fora abusivamente utilizado pela ideologia heterodoxa do Gnosticismo. Até mesmo quando o Antigo Testamento fala da misericórdia de Deus, o termo hebraico utilizado é rahamin, que é o mesmo que significa o útero materno[1].

Assim, o princípio da maternidade está em Deus; assim, deve ser sagrado e divino nas escrituras das tradições religiosas hebraica e cristã. Tudo isso é interessante, ao menos para a cultura Ocidental que, querendo ou não, tem raízes históricas nas narrativas cristãs. E agora, com o avanço dos métodos exegéticos e filológicos, pode-se retornar à verdade das tradições nas suas fontes e perceber que sempre foi justo e pertinente reconhecer a manifestação do sagrado na mulher e na maternidade; enaltecido pelas mais originais tradições religiosas que plasmaram a nossa cultura e correm até hoje nos genes e no sangue da identidade Ocidental.

Minha mãe, como isso dá um novo sentido para nós, que somos de cultura cristã! Que alegria ver e testemunhar em você, mamãe, um sacramento e um reflexo do Amor e da criatividade de Deus que a tudo sustenta, alimenta, cuida e eterniza.

No verão, novamente nos encontraremos pessoalmente. Mas registro nessa epístola o quanto lhe amo e o quanto significas para mim e para a nossa família!

Feliz e abençoado dia das mães, que se prolonga – em verdade – em todos os dias do ano!

Com amor,

Jonas Matheus

Roma, 19 de março de 2024

[1] Cf. CANTALAMESSA, R., O canto do Espírito, cap. I; CONGAR, Yves, Reflexões teológicas, cap. III, in: ______, Creio no Espírito Santo v. 3.

SOUSA DA SILVA Jonas Matheus
Enviado por SOUSA DA SILVA Jonas Matheus em 12/05/2024
Reeditado em 12/05/2024
Código do texto: T8061557
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