A Gruta de Lampião

Projeto literário: Essência de Nós

ALAMP – Associação Literária e Artística das Mulheres Potiguares

Quando você acredita que conhece alguém desde a sua infância, e esse alguém nunca se fez presente em sua vida...Foi assim que descobri o quanto ele era real, e quão intensa e avassaladora era a sua trajetória de vida.

Resultado de uma viagem, realizada em Julho de 2018, sem maiores projetos e destinos definidos, sem ter a dimensão do quanto ia ser impactante, porém, inesquecível, viajamos, eu e mais 3 amigas, ao mais belo cenário de águas do nosso país, o Rio São Francisco, o encantador ¨Velho Chico¨, com suas cidades ribeirinhas, seus encantos, importância e valor imensurável.

Atravessamos os Estados da Paraíba, Pernambuco, Alagoas, e chegamos até parte da Bahia e Sergipe. Seguindo o roteiro turístico à nós apresentado, visitamos vários lugares belos e históricos. Registramos cada momento, apreciamos cada iguaria e nos divertimos muito, dentro das limitações dos lugares e aventuras enfrentadas por nós, sempre com o intuito de conhecer cada lugar ali, onde tudo era só encantamento e felicidade.

Foi onde, ansiosas e felizes, navegamos pelo Rio São Francisco, pelos cânions maravilhosos e mágicos, seguimos nosso passeio, para deixar marcada em nossa aventura turística. Navegar em um barco Catamarã e tomar banho na mais profunda das águas do mesmo rio, nos emocionou imensamente. E ainda, vê a impressionante hidrelétrica, pontes e viver emoções diversas deixando imagens incríveis fixadas em nós!

Porém, no decorrer de tantos passeios, jamais imaginaríamos sermos surpreendidas com um passeio dramático... pois, ia ter acesso e à uma das mais tristes histórias já vividas por um personagem, que me foi apresentado de várias formas, amadas, odiadas e admiradas, pois, se trata de um homem, respeitado e temido, que deixou marcas sangrentas por onde passou, Lampião e o seu mundo no cangaço. A história que marcou a vida de muita gente.

Uma história ou causo do cangaço, fato registrado e comprovado, foi o vivido pela minha bisavó, Mãe Guilé, meus avós, etc... na Fazenda Cajuais, município de Riacho da Cruz, no Rio Grande do Norte. ¨Foi anunciada a chegada de homens violentos e que se tratava de cangaceiros do bando de Lampião. Foi então que todos da fazenda, liderados por Mãe Guilé, esconderam armas, comidas, bebidas, e até enterraram armas no quintal da casa grande da fazenda para se proteger e não perder aquele arsenal de proteção.

Chegou o dia dos cangaceiros chegarem a Cajuais. Ouve muito medo e silêncio. O bando de Lampião se aproximou, aterrorizando e ameaçando quem estava lá, mas, devido a postura séria da nossa matriarca, que não demonstrou medo, eles foram até amigáveis, sem relatos de violência, exigiram comida, bebidas, frutas da região, etc...

Todos da fazenda foram poupados, menos um integrante do grupo do cangaço, que, ao comer, reclamou que estava um pouco insossa e precisava de sal. Ao ouvir a reclamação do cangaceiro, o chefe do bando ordenou para minha bisavó trazer mais sal. Esse foi um evento crucial, pois o chefe obrigou o reclamante a comer o sal, bastante sal! Nenhum deles podia reclamar, que seria condenado a beber do seu próprio veneno! Foi um ato de castigo. Não se ouviu mais notícias sobre qual a saúde e o destino do cangaceiro, que, mesmo violente, foi obediente e comeu quase 1 kg de sal.

Após a refeição e um bom descanso entre eles, exigiram algumas armas, comida e bebida, onde a ordem foi cumprida, porém, foram embora deixando apenas más recordações e medos. E assim foi feito!¨ Todos saíram sãos e salvos do episódio mais temido por fazendeiros de toda região do Nordeste, porém, lamentavelmente, nem sempre essas visitas tinham esse fim.

Foi então que, na minha viagem, quase surpresa, citada no início desse relato, tive a oportunidade de vivenciar uma das mais tristes, tensa e inesquecível história de guerra e sobrevivência. Hoje, de cunho turístico, porém, com uma energia negativa altíssima, mas, que desperta uma imensa curiosidade, conhecemos primeiro, a casa onde Lampião e seu bando descansavam, tem uma mobília bem rústica, preparada exclusivamente para um rápida passagem do bando, porém, muito prática. Onde havia estoque de armas, redes, baús, rádio, fogão à lenha, comida e bebida para todos. E sempre preservando sua origem do lugar, os guias ia nos mostrando cada detalhe.

Descobri, atenta, com uma certa dificuldade, mas firme, um caminho tortuoso, onde me levaria a um cenário de terror, entre Sergipe e Alagoas, cercado por tristes atos de violência. A passos lentos e com cuidado, seguimos pela trilha, de difícil acesso, onde a volante militar seguiu abrindo caminhos até conseguir encontrar a Gruta de Lampião, e eliminar o tão temido líder do cangaço, juntamente com seu amor, Maria Bonita e alguns companheiros, o que era quase um orgulho e prêmio para a polícia na ocasião. Assim foi realizada a última ação dos volantes, no tão difícil fim de uma era.

Assim, com memórias negras e assustadoras, chegamos ao início da trilha que dava acesso à gruta, onde fomos praticamente obrigadas a desvendar e ouvir, mesmo nervosas, uma guia de turismo, vestida tipicamente de cangaceira, que conduzia todos os visitantes, turistas, a relatar, contar, expor e nos levar, cada uma caminhando sobre pedras, paus, matos, plantas nativas da caatinga, areia grossa, plantas exóticas, passagens estreitas e sombrias, a conhecer a tão famosa trilha, que começa em Piranhas, cidade histórica de Alagoas, até a Grota de Angico, lugar preferido para ser o esconderijo de Lampião, Maria Bonita e seus comparsas.

A guia nos pregava com uma narração de imensa segurança, com certo sorriso no rosto de simpatia e beleza, apesar do cansaço físico, pois sabia que tinha que nos mostrar um pouco do que restou da vida e morte daquele homem, sua amada e seus companheiros...mesmo sendo uma imagem tão forte de se vê, era de muita importância, para quem queria saber o que tinha se passado naquele horrendo lugar.

. A sensação era de medo e curiosidade. Cada passo que dávamos na trilha íamos descobrindo mais histórias e confirmando alguns fatos, aos quais alguns já tínhamos conhecimento, como o da fazenda Cajuais, confirmado pela Guia de turismo. E ela não sabia que o episódio tinha acontecido no Rio Grande do Norte. E para nossa surpresa, essa foi mais uma informação somada com as outras tantas mais sobre a vida e atos dos cangaceiros.

Foi uma escalada de sobe e desce dolorosa e angustiante...mas, assertiva, pois eu ia descobrindo mais detalhes da vida daquele meu misterioso personagem de infância, ao qual eu precisava desvendar. Não paramos de seguir a Trilha do Cangaço! A guia nos impressionava com seus relatos sobre ele e o seu triste final. Por horas, ficamos naquele mundo sombrio, cheio de energias ruins, onde tentamos não absorver nada do que sentíamos, foi uma verdadeira prova de resistência! Não havia sorrisos, nem para as fotos históricas de nossa aventura, só havia dúvida...algumas perguntas, e umas sem respostas.

Quando por fim, fomos avisadas que chegaríamos ao local mais triste e visitado naquela região, tanto por curiosos quanto por estudiosos, ficamos atentas, jamais imaginávamos chegar a conhecer uma cena tão deprimente e um cenário de dor que sucumbe qualquer sorriso! A Gruta onde Lampião, Maria Bonita e seus comparsas viviam, era o lugar escolhido por eles para interagirem, beberem, dançarem, criarem estratégias e planos para novos ataques e saques, divisão de tarefas para adquirirem comida, bebida e armas para se defender e também, um lugar de descanso noturno e de amor.

Mesmo cercados de violência e pavor, ali também existia amor, mulheres que amavam e eram protegidas, mesmo vivendo na incerteza do amanhã. Era o lugar de Lampião e seu bando para momentos de certa paz. Não era só pelo fato de conhecer o lugar, mas por ter crescido ouvindo tais relatos de violência e matança, sem explicação, que eu, cada vez mais, me entristecia. Era uma realidade com a qual não tínhamos noção do que nos esperava naquele instante de visita. Nos causou uma certa angústia.

Entre pedras, plantas, fendas estreitas e cruzes, fomos conhecedores de toda essa história dolorosa e inesperada, a morte, o fim de uma era, de um mundo de cangaço, em um banho de balas e sangue, jamais esquecidos por quem sobreviveu àquele bárbaros momentos. E houve sobrevivente, são fugitivos da chacina, porém, testemunhas de todos os fatos vividos no clã.

A gruta fascina! Não só pelo formato, devidamente articulado, cavado, arquitetado, mas também, pelo ar de medo e tensão que causa em quem a frequenta, até os dias de hoje! Uma história dos ¨Fora da lei¨...quase heróis.

Ao parar e visualizar tão grotesco cenário, nossa atitude foi de registar o lugar, além de ficar gravado não só na memória, mas também em fotos e vídeos. Vimos nomes reais de homens reais, porém, não merecedores de anotações, pois, o tempo parecia parar...são 13 identificações.

As cruzes brancas, em placas negras, marcam cada lugar onde estavam seus donos, os alvos da volante de Angico, e estão em cada parte, e cuidadosamente zeladas, às quais indicam, nome por nome e poder, na cruel chacina da gruta, naquele dia fatídico, em 27 de Julho de 1938, em Alagoas.

Viver essa realidade, mesmo assustadora e tensa, me fez acreditar em cada história e relato feito por quem passou pela experiência de conviver ou sobrevier aos ataques e visitas indesejáveis, como foi o de minha bisavó, na fazenda. Confirmando a maldade, agressividade e falta de humanidade desses homens tão cruéis que assombraram tanta gente inocente e que jamais serão esquecidos, época nada plausível para nossa história, foi o mais famoso clã de cangaço no Nordeste do Brasil.

Saímos daquele lugar com uma certa pressa...ou medo. Não sei bem. Só saímos com a sensação de que, com toda certeza, naquele lugar, não voltaremos nunca mais! Mas, sem sombra de dúvida, nos fortaleceu. Chorei de emoção, pois foram momentos de imensa coragem.

Deixando para trás, fatos, vidas e pessoas que continuam levando pessoas à vivenciarem os mesmos momentos que nós. Vimos os guias de turismo e um mundo de histórias onde a dor, o ódio e o medo são fontes financeiras de sua sobrevivência, lugar hoje chamado de Cangaço Eco Parque...a Rota do Cangaço, a Gruta de Lampião, também denominada, a ´´Grota de Angico``.

Eu fui descobrindo, ao passar dos anos, que meu instinto feminino é o que mais me leva a ficar triste ou feliz...sei que sou feliz em cada gesto que faço e tenho, porém, meu instinto me trai, às vezes, assim como traiu o cangaceiro Lampião, Maria Bonita e seus comparsas, levando-os ao tão lastimável fim! Ele sentiu que algo de ruim ia lhes acontecer naquele dia. Fato relatado no dia do massacre. Sua intuição e experiência estavam corretos, suas vidas acabariam ali. A ação dos volantes foi tão bem planejada que não houve tempo para Lampião e seu bando revidar o atentado.

Sem dúvida no que afirmo, do fundo de minha essência de mulher, que nós, femininas e sensíveis, porém, fortes e guerreiras, somos capazes de decifrar o que mais nos fascina e nos atrai, e buscamos seguir nossos instintos,

Aprendi com minha dor de ver o quão foi doloroso esse episódio, que nunca devemos tirar conclusões ou criar uma imagem de algo ou alguém quê nunca vimos ou tivemos acesso. Temos que viver para escrever nossa própria história! Acredito que, cada experiência vivida, seja com alegria ou tristeza, tenha a função de acrescentar mais coragem, resistência, sabedoria e força, para me auxiliar nos momentos de dúvida, medo e decisão. Amadurecer como mulher também é, correr riscos e ter a certeza de que é capaz de sobreviver, mesmo sendo tão feminina!

*Autora: Yolanda Suassuna (proibidas alterações sem autorização da autora)

*Natural de Riacho da Cruz no Rio Grande do Norte.

*Reside em Natal-RN.

*Março de 2023