Uma Brisa

 

Era só um sábado comum no Rio de Janeiro e fui atender ao chamado de um cliente na Rua Silveira Martins, no Edifício Catete, próximo ao antigo Palácio Presidencial de mesmo nome, hoje, Museu da República. Entrei na casa das máquinas para identificar o defeito torcendo para que fosse rápido, pois era um elevador muito antigo, desses com porta pantográfica dourada de quase cem anos. Fazia uns 40°C lá dentro e a coisa foi rolando e ficando cada vez mais complexa quando resolvi ligar para um amigo mais experiente pedindo ajuda e ele confirmou que iria até lá para me ajudar. Depois de muito tempo de insistência no defeito eu já estava a ponto de jogar a toalha e deixar o velho prédio sem elevador funcionando...

— Me ajuda Papai do Céu! Eu disse na oração do desespero dos técnicos suados, quando já havia esgotado meu estoque de paciência e conhecimento, e então tive a ideia de procurar algum resto que fosse de um diagrama elétrico do equipamento jogado em algum canto e, para meu espanto, o encontrei lá no fundinho do armário de tralhas. Era tudo que eu precisava. Com a ajuda do diagrama, dez minutos depois encontrei o defeito e coloquei o elevador para funcionar. A brisa da esperança bafejou na minha face de desânimo, mas acho que era só mesmo a brisa fresca do mar que vinha do Aterro do Flamengo. Guardei o diagrama no armário novamente com cuidado, pois estava bem velho e surrado. Naquele momento fiquei muito feliz e já ia pegando o telefone a dar a notícia ao colega de trabalho quando ele entrou pela casa de máquinas com sua mala de ferramentas.

— E aí meu amigo, resolveu essa pendenga?

— Cara, você não vai acreditar. Encontrei um diagrama velho no fundo do armário todo empoeirado e tirei o defeito em dez minutos.

— Como assim? Eu atendo esse cliente há mais de vinte anos e nunca teve diagrama aqui. Esse elevador é quase do tempo de Dom Pedro, brincou ele.

Eufórico, sorri aliviado, fui até o armário e exclamei...

— Tem sim! Abri o armário e peguei o diagrama surrado e amarelado para mostrar e o entreguei a ele.

— Parceiro, ou você endoidou de vez ou então é o calor, pois esses papéis não são e nem nunca foram desse equipamento, aliás, isso aqui é só um resto de livro velho de páginas amareladas e soltas com algumas histórias antigas, eu acho. Nem a capa e o título têm mais.

Imediatamente tomei o diagrama elétrico das mãos dele e, incrédulo, fui passando as páginas.... Nada havia nelas que parecesse sequer com um diagrama elétrico. Numa delas pude ler um tantinho apagado o “Soneto da Fiel Infância” e ainda numa outra, bem mais nítida, “No Jardim em Penumbra”, ambos do poeta Ribeiro Couto. Olhei novamente no armário e nada. Voltei a leitura estupefato. Na página final, lia-se um agradecimento:

 

Àqueles que sempre estiveram conosco e em tempo algum nos deixaram desistir.

 

 

 

MARCANTE, Alexandre.

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Alexandre Marcante
Enviado por Alexandre Marcante em 01/05/2024
Código do texto: T8054368
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