Na era de ouro

Bem que eu me lembro a gente sentado ali... Júnior, Reis, Eduardo, Marivaldo, Juarez e Robertinho lá em cima, nas pedras de construção da casa da dona Raimundinha no meio da rua, ou na maioria das vezes, no palanque, em madeira de lei, em azul e laranja da casa de dona Aracy com o seu Antônio, a jogar conversa fora, sonhando ou tentando olhar o futuro da rua do Fio.

Quem diria, que iria ser assim, tão diferente. Nos sonhos de menino, o que poderia se dizer...

Uma rua asfaltada, devidamente iluminada com cada um em seu trabalho e desejando ser amigos para sempre. Cada qual acompanhando no tempo, vivendo o crescimento dos seus filhos e o envelhecer.

Daquele alagado, daquele gapó enlameado, daquelas estivas, onde a maré vinha e cobria toda a rua, causando um caos aos pais, que tinham que molhar os pés naquela água pra irem trabalhar, enquanto que pra criançada, que não tinha brinquedo, ali tomava banho e inventava barcos de papel numa aventura, cuja alegria derretia no sorriso da boca destravando a alma.

Ali naquele rio de dificuldades, que dia a dia fervilhava, as famílias de suas palafitas lutavam aguerridas em transformar seus rebentos em pessoas de bem. A vida bruta, que cada pai e mãe levavam em sua maioria com pouca ou nenhuma escolaridade, em seus empregos de pedreiro, carpinteiro, entregador, motorista, vendedor, operário... entre poucos mais significativamente rentáveis, condicionava a altura dos seus gastos. E ensinava os pequenos sonhadores a vida dura.

O açaí e a farinha, que hoje estão ai nas alturas, mingaus de fubá, chá ou só café com pão foram a poesia na versão urbana das maioria das mesas, de quem veio do interior pra capital por inúmeros motivos. Cada um em sua historia de luta, carregando seus sofrimentos de anos e dias, que com certeza hoje já são apenas lembranças a janela a soar nos sinos de cada amanhecer como gosto de vitória.

Naquela época mais difícil os pais numa luta incansável, se ajuda de ninguém se reuniam pra aterrar aquele gapó, com casca de castanha, casca de coco ou carbureto. Dessa forma a rua do fio saiu das estiva e se sedimentou em terra firme. Vimos a rua de terra batida se tornar um palco transitável, praça de jogos, teatro, roda de quadrilha junina e tantas invenções de seus orgulhoso moradores, que muito embora alguns até não se sentissem bem ali, por motivos pessoais, vale inferir, que outros, bem diferentes cresceram e brilharam, no que chama minha casa, meu paraíso.

Num tempo onde a violência está a espreita, mas não é padrão, até poderia se chamar de vila, porque há mais de quarenta anos, hoje com um único asfalto do poder público, já bastante danificado, olha-se pro futuro de um descanso. Nossos pais, nossos velhos amigos caminham lento, enquanto que aqueles rebentos, homens feitos, agora são famílias cuidando daqueles que precisam. Num tempo, onde alguns dos amigos já se foram, uns desaparecido, outros vítimas da morte e outros morando em outro lugar. Mas o que vale sempre lembrar, que da infância a juventude muito se fez a transformar, tendo para os meninos o esporte como referencia e as meninas no sub titulo de suas evoluções como mulheres fortes, inteligentes e independentes.

Foi difícil caminhar nessa guerra urbana, vendo ao lado nossos amigos e pais morrerem fustigados pelo caos da ordem dessa Democracia de enganados.

No entanto, entre mortos e feridos ou baleados, naquele universo, naquele meio, que figurava o bem e o mal, entre muros de tristezas e choros de angustias, tivemos nossos bons momentos de felicidade... Futebol, brincadeiras, grupo de amigos, namoricos atrás da igreja, encenações, danças, a era da discoteca, quadra junina, copa do mundo, vestibulares, concursos, bailes de New Romantic e tantas etapas, que a galeria do Fio tem no museu da história, a exibir como nos tempos de hoje como saudade.