A vida é estranha

Não sei se um dia eu poderia dizer isso: a vida é estranha. Não com tanta certeza, não com tanta propriedade. Talvez eu já tenha dito, mas não com tanta convicção, não com tanta voz. Apesar de todas as coisas que acontecem no desenrolar dos dias, ainda sonho. Ainda desejo entender o processo e ver o Sol nascer novamente.

Muitas vezes, me vi presa nas horas, nos relógios e calendários. Infindáveis dias e semanas e meses e anos. Sempre o mesmo quarto, a mesma bagunça, as mesmas pessoas, os mesmos olhares. E, o pior de tudo, a mesma frustração e tempestade no meu coração. Era como se eu voltasse no tempo e vivesse e sofresse tudo de novo: nenhum dia era novo. Será que dá pra dizer que a vida é estranha?

Sempre me controlando para dizer o que as pessoas desejam ouvir e ser o que elas acham que eu devo ser. Então, chegava na minha casa sem me sentir em casa; deitava na minha cama sem me sentir na cama; sempre olhando pra um dia distante e uma realidade que perpetua meus sonhos desde os treze anos de idade. Nunca o agora, nunca o hoje. Nunca me senti eu mesma e, quando ousava, parecia que eu estava suja o tempo todo. Sempre confusa e com tanto medo de tentar coisas novas, de sair desse bairro pequeno, de olhar nos olhos.

Talvez a minha vida seja estranha?

Acho que chorei demais por coisas que somente eu poderia mudar, mas me recusava tentar. Ainda queria ser a legal, queria ser uma massa em que todos pudessem se sentir confortáveis em ter na mão, não porque era agradável, mas, sim, manipulável. E, então, eu poderia admitir a forma que você desejasse, ignorando todas as minhas particularidades, história e muros. Vivendo todos os dias pelos outros e na esperança de ouvir coisas boas ao meu respeito. Acordando todas as manhãs com o objetivo de ter alguma aprovação e poder então me sentir pertencente.

Eu fiquei presa por muito tempo em uma cadeia que eu mesma montei; em um loop que eu mesma decidi criar, voltar e reviver. Apesar de doloroso, era confortável. Quão desconfortável é tentar algo novo quando você já está confortável na depreciação de si. Afinal, foi assim por tanto tempo, não é mesmo?

Então, me questionei e quis mudar minha escrita. Me perguntei se nasci mesmo pra isso e se não devia, simplesmente, apagar todos esses arquivos e fingir que tudo isso foi apenas um sonho besta de garota. Não nego que ainda tenho vontade. Vontade de continuar tentando fazer o que gosto e da maneira que gosto; vontade de desistir e deixar tudo pra lá.

*****************************************************************************************************************************

A manhã de hoje foi mais fresca, mais clara.

Os poucos centavos que eu tenho na conta, hoje, me senti contente por tê-los. Me senti contente e tranquila em ter ido à uma sanduicheria pela primeira vez, depois de meses tentando arranjar dinheiro para ir. Até mesmo a minha nova rotina parece suficiente pra mim. E isso é estranho…

Acho que estou retomando os meus sentidos. Estou acordando de um estado de coma, onde o meu eu nunca esteve dentro de mim, mas sim no futuro, nas pessoas, no desemprego, nas faltas dos outros, nos parâmetros alheios. Acho que agora eu consigo sentir. Sentir a água e o Sol, a música e os meus jogos favoritos. Acho que agora eu consigo sentir um pouco mais de empatia por mim: me dar um descanso como direito, não recompensa.

Eu penso que a vida é estranha. Não porque ela é má ou por coisas esquisitas acontecerem, mas porque ainda tenho muito o que descobrir, o que ver, o que conhecer, o que falar, o que tentar. Ainda existe muito Sol para eu ver, mesmo que seja apenas o de hoje e o de amanhã não brilhe mais pra mim. E se for apenas nesta tarde, está tudo bem. Ele continua lindo. Não é comum eu me sentir bem com o hoje sem estar, de alguma forma, me forçando a olhar pro futuro. Eu só estou bem e estou no presente. Talvez isso seja o suficiente. Por agora. E isso é bom… e estranho.