Ninguém é igual a ninguém. Isso é fato. Trabalhar juntos, ser amigo, um primo, um tio, ainda podemos conciliar algumas diferenças, afinal, temos que conviver com elas. É a tal da democracia né? Mas para se apaixonar, aí tudo muda; já não é bem assim. No amor temos que ter alguns critérios pessoais e imutáveis, o que nos remete a um campo mais complicado. O ideal é que no primeiro encontro já comecemos a sondar essas diferenças, pois é melhor sofrer no início do que depois que quando estiver apaixonado.

           Gosto de Madonna, mas enfrentar aquela multidão de copacabana para vê-la, nem pensar. Não dá mais. Confesso até que já fui mais fã dela no passado, mas no palco ela é imbatível. Então fui à casa de um amigo assistir pela televisão. Lá conheci um cara mais novo do que eu, mas já coroa - ele tinha 45 anos - e começamos a conversar. Gostei da conversa que fluiu naturalmente e depois de tanto tempo sem me interessar por alguém, fiquei animado. Voltando a realidade, decidi testar as diferenças e afinidades, já que o meu interesse e o dele só aumentavam. Assistindo Madonna na televisão, iniciei pela música. Falei de Marisa Monte, Bethânia, Norah Jones, Jão, Liniker, Renato Russo e ele atacou de Anitta, Pablo Vittar, Ludmilla e alguns mc's que nunca havia ouvido falar. Ou seja, só tínhamos em comum Madonna. Ah, ele finalizou afirmando que Anitta era a referência do Brasil no exterior. Não sabia o que dizer e o pior: não tinha como sair dali mesmo inventando uma dor de cabeça, porque estava de carona. Olhei para a televisão e Madonna se masturbava no palco. Ele ficou animadíssimo, praticamente se jogando no sofá e eu pensei: Calma, não temos que conviver com as diferenças? É saudável aceitar o outro como ele é? Mais ou menos.

            Como não tinha muita opção, resolvi seguir em frente. Ele não contente, disse que a música preferida dele da Pablo Vittar era amor de quenga, porque afinal nós todos éramos quengas. Não é verdade? ele perguntou olhando nos meus olhos. Madonna, termina esse show logo, pelo amor de Deus. Queria pegar o carro do meu amigo e mesmo tendo bebido - me arriscando a ser parado em uma blitz - voltar para casa e ususfruir o silêncio do meu lar, sozinho. Tenho certeza que Deus, em sua infinita misericórdia, entenderia o meu pequeno furto e me perdoaria por dirigir após beber.

             Podia ficar pior? Claro que podia. Ele me confessou baixinho, que gostou muito de mim e de um outro rapaz que estava do outro lado da sala. Olhei para ele sem entender e ouvi o golpe final: eu não gosto de relacionamento a dois. Acho chato e vintage. Você topa um trisal? Eu pensei em como minha vida estava ultimamente e cheguei a conclusão que não estava tão ruim. Ok, estava carente, sozinho, mas desesperado ainda não. Sou um democrata convicto e conviver com diferenças faz parte da democracia, mas essa mesma democracia também me dava o direito de fugir dali. Respondi: Não.

              Madonna deu um tchau tímido e desapareceu no palco. Fiz a mesma coisa. Saí a francesa e voltei para casa de uber. Conversando com o motorista, contei a minha noite, ele deu uma risada e disse: ele queria dividir você com outro? Eu não dividiria. Quem me ensinou e testar as diferenças logo no primeiro encontro foi um amigo, que foi taxativo para justificar a necessidade: assim não perdemos tanto tempo e evitamos maiores sofrimentos. E  não é que ele está certo? Paguei a corrida, o motorista disse que era a última corrida da noite e subiu para o meu apartamento. Ah, ele adora a Marisa, o Jão e o Renato Russo. Já é alguma coisa né?

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 15/05/2024
Reeditado em 15/05/2024
Código do texto: T8063407
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