Uma fake (old) news russa

Os operários da empresa estatal notaram que o camarada diretor Vasily não comparecia ao trabalho há alguns dias já. Então designaram o camarada Nikolay para procurar o camarada Alexey, chefe de setor, de quem era amigo desde a juventude e que devia saber o motivo da ausência do diretor.

Logo de início o camarada Alexey perguntou ao camarada Nikolay:

Lembra que o presidente Putin esteve aqui semana passada, discursou para todos os operários e ao final afirmou que ia esmagar a Ucrânia bem antes de o Trump derrotar Biden nas próximas eleições?

Sim, eu me lembro bem e ele foi aplaudidíssimo depois, cerca de uns cinco minutos, não?

Cinco minutos? Aí está o motivo da ausência do camarada Vasily.

Como assim? Não entendi.

Eu explico: quando o camarada Vasily parou de aplaudir o presidente Putin, a fábrica inteira parou junto, não foi?

Foi exatamente isso que aconteceu.

Pois então, o relógio do camarada Vasily estava levemente adiantado e, por culpa dele, nós todos aplaudimos Putin apenas 4 minutos e 58 segundos.

É mesmo?! Putz, que falha!

Pois é. O funcionário do Kremlin encarregado de cronometrar o tempo dos aplausos denunciou o camarada Vasily e ele foi enviado para a prisão na Sibéria, dez anos de cana. Não adiantou nada alegar que seu relógio estava dois segundos adiantado. Mesmo assim ele teve muita sorte.

Muita sorte, você disse? Está brincando!

Se fosse no tempo do Stalin ele simplesmente teria sido fuzilado. Os aplausos depois de seus discursos tinham de durar não cinco, mas dez minutos então. Ao final, todo mundo estava desmunhecado.

Mas aplaudir cinco minutos o presidente Putin também não é moleza, não.

Sim, mas com ele, ainda que desmunhecados, pelo menos permanecemos vivos.

Verdade!

(Texto inspirado em relatos de prisões ocorridas durante o período stalinista, registrados por Aleksandr Soljenítsyn em sua obra-prima Arquipélago Gulag.)