Uma fada madrinha

 

Nasci Escorpião, quase no fim de outubro, nos idos de mil novecentos e antigamente, pelas mãos de uma parteira de nome Dona Maricota. Às sete da matina ela me deu a mão e, vupt!, lá estava eu, fora de minha aconchegante mini-piscina aquecida, onde respirava e me alimentava preguiçosamente, e o máximo de esforço que fazia era uma tentativa de alongamento, cujo resultado parecia, aos de fora, que estava dando pequenos chutes.

 

Não me perguntem como, mas usando de uma lucidez precoce, e para evitar aquela desagradável palmada para fazer a pequena vítima chorar e fazer os pulmões funcionarem, fui logo, antecipadamente, abrindo o berreiro. Enquanto me esgoelava, percebi, surpreso, pelo canto do olho, que as pessoas ao redor sorriam e confraternizavam. Ora, já se viu! Logo elaborei meu primeiro raciocínio lógico e concluí que o mundo ali fora era muito estranho e imprevisível. Foi desse jeito, lembro de tudo.

 

Dona Maricota estava lá, atenta e dedicada. Na sua missão abençoada de “pegar menino” me retirou com devotado cuidado. Depois, desligou meu cordão umbilical, empacotando-me todo e encaminhando-me para o colo de minha mãe, onde me senti abraçado carinhosamente e suguei a primeira refeição. Meu pai, de plantão, era só orgulho e ternura emocionada.

 

A primeira pessoa que enxerguei, foi Dona Maricota. Seu rosto marcado pela idade tinha a serenidade dos anjos, o olhar atento e acolhedor e os cabelos já esbranquiçados por todas as experiências vividas.

 

Pois então, falei de anjos e se eles existem, como dizem por aí, essas mulheres parteiras, com pouca ou nenhuma escolaridade e que ajudavam a realizar esse milagre de “dar à luz” novas vidas por esses interiores distantes, bem que se enquadrariam assim. Com certeza elas sempre tiveram uma ligação com o sagrado desde tempos ancestrais perdidos na história.

 

Me vem à lembrança o poema de Manoel Bandeira:

 

Irene no céu

Irene preta

Irene boa

Irene sempre de bom humor.

Imagino Irene entrando no céu:

- Licença, meu branco!

E São Pedro bonachão:

- Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.

 

Com certeza Dona Maricota entrou no céu de braços dados com Irene.

zedvaldo

maio/2024

 

 

zedvaldo
Enviado por zedvaldo em 01/05/2024
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