O peixe e o estater - Mt6

Em nossa discussão anterior avaliamos as chaves do reino dos céus que haviam sido retiradas das mãos dos escribas e fariseus e passadas para o apóstolo Pedro. Também notamos que, como recompensa por sua ‘atrevida’ declaração, ele seria incumbido de abrir a porta do reino para judeus e gentios, reunindo-os em um único corpo espiritual – a Igreja corpo de Cristo, fundada em Pentecostes e com adição inesperada na casa do centurião romano Cornélio.

E vimos que a credencial dos novos trabalhadores do reino seria a fé na morte e ressurreição do Filho do homem. Seguindo estão este consenso, Jesus antecipa novamente sua morte em outra ocasião.

“Ora, achando-se eles na Galileia, disse-lhes Jesus: O Filho do homem será entregue nas mãos dos homens; e matá-lo-ão, e ao terceiro dia ressuscitará. E eles se entristeceram muito” (Mt 17.22-23).

Imediatamente a esta fúnebre profecia, como numa letargia moral e espiritual, certos cobradores alienados do reino de Deus indagam justamente a Pedro, o novo portador das chaves do reino dos céus, a respeito de taxas e impostos.

“E, chegando eles a Cafarnaum, aproximaram-se de Pedro os que cobravam as dracmas [no original didracmas ou duas dracmas], e disseram: O vosso mestre não paga as dracmas? Disse ele: Sim. E, entrando em casa, Jesus se lhe antecipou, dizendo: Que te parece, Simão? De quem cobram os reis da terra os tributos, ou o censo? Dos seus filhos, ou dos alheios? Disse-lhe Pedro: Dos alheios. Disse-lhe Jesus: Logo, estão livres os filhos. Mas, para que os não escandalizemos, vai ao mar, lança o anzol, tira o primeiro peixe que subir, e abrindo-lhe a boca, encontrarás um estáter; toma-o, e dá-o por mim e por ti” (17.24-27).

Pelo prisma celeste de Jesus, Ele e Pedro, e por extensão os demais discípulos, tinham adquirido isenção de pagamento de tributos mundanos naquela condição de pregadores ambulantes, pois não trabalhavam mais para o reino dos homens, mas para Deus. Pedro havia deixado suas redes de pesca e seus ganhos naturais, para uma pesca de almas humanas com seus frutos espirituais. Não pertenciam mais a este mundo e suas ganâncias, mas lutavam pelo reino invisível e desprezado pelos homens.

No entanto, no juízo perfeito do Filho do homem, era infinitamente melhor pagar o indevido aos homens, que falhar nas exigências de Deus quanto aos dois reinos em que viviam. É sempre melhor perder para o mundo que perder para Deus.

Pedro então é enviado ao mar – simbolismo dos gentios perdidos. Um peixe seria pescado, e de suas entranhas o pagamento provido. O apóstolo Paulo compreendia perfeitamente a lição.

“Porque na lei de Moisés está escrito: Não atarás a boca ao boi que trilha o grão. Porventura tem Deus cuidado dos bois? Ou não o diz certamente por nós?... Se nós vos semeamos as coisas espirituais, será muito que de vós recolhamos as carnais?... Assim ordenou também o Senhor aos que anunciam o evangelho, que vivam do evangelho” (1 Co 3.9-14).

Paulo ensina que o trabalho árduo para o reino de Deus deve ser recompensado e sustentado pela misericórdia daqueles que foram transformados pelo Evangelho.

Não estamos falando de alguns que vivem ‘especulando’ em algum templo denominacional, usufruindo comodamente do trabalho alheio. Falamos daqueles que expõem suas vidas diariamente na conquista do reino, afastados e perseguidos, vivendo sob condições de luta constante. Não é o caso da esmagadora maioria moderna.

Foi então resgatado daquele peixe um estater, que valia quatro dracmas, portanto pagava justamente o valor de duas dracmas por cabeça.

Uma única moeda, que somava a ‘dívida social’ de ambos – o Rei (Jesus) que servia o Pai e o servo (Pedro) que servia o Filho – unia o sustento daquele que entregou as chaves e a obrigação daquele que as recebeu. Novamente Paulo conhecia o assunto.

“Porque nós [apóstolos] somos cooperadores de Deus; vós [gentios] sois lavoura de Deus e edifício de Deus” (1 Co 3.9).

Assim, relembrando a profecia estudada em nossa nota anterior, Jesus liga as decisões e suas consequências de forma excepcional. Em primeiro momento, garante a Pedro, por sua defesa de fé até então única, sua participação primordial como pedra viva na construção do novo edifício que se ergueria pela fé no sacrifício do Cordeiro divino – ligando judeus e gentios em uma única esperança.

E logo a seguir, garante o ‘crédito’ divino pela contribuição que Pedro viria a dar na expansão do reino de Deus no reino dos homens. E assim ambos são recompensados – o que envia e o que é enviado – em única bênção.

“Porque, assim o que santifica, como os que são santificados, são todos de um; por cuja causa [Jesus] não se envergonha de lhes chamar irmãos, dizendo: Anunciarei o teu nome a meus irmãos, cantar-te-ei louvores no meio da congregação” (Hb 2.11-12).

A seguir, comentaremos sobre o envio missionário dos discípulos e apóstolos.