A ignorância é vizinha da maldade

“A ignorância é vizinha da maldade”, diz o provérbio árabe, citado por Renato Russo na música Do Espírito.

Esta afirmativa se baseia na percepção de que pessoas ignorantes vão considerar absurdas ou inúteis todas as declarações sobre um assunto do qual elas não têm conhecimento. E assim, tratarão com desdém e até com violência o portador da novidade para que seja ocultada toda informação que fuja ao seu domínio limitado. Mais ainda, o ignorante vai cometer maldade ao outro imaginando que ficará no anonimato e que o mal causado atingirá a coletividade e, consequentemente, causará dano aos indivíduos, inclusive ao próprio ignorante. Podemos afirmar também que quanto mais ignorante se é, menos se percebe a própria ignorância.

A Filosofia não é uma busca por respostas prontas, pois já é sabido que isso não será encontrado. Filosofar é buscar a mais adequada verdade ao contexto da situação apresentada, uma busca de forma racional para uma dúvida que foi suscitada por um incômodo em relação ao que já está estabelecido como certo ou a um fenômeno inédito que se apresentou na natureza ou nas relações entre os indivíduos. A Filosofia evolui em cada um através do espanto e admiração diante do novo e no enfrentamento face a face com o desconhecido.

Marilena Chauí nos mostra que a verdade é um valor que confere sentido ao mundo. Sentido que não existiria se a análise de algo fosse indiferente à verdade ou à falsidade. Ou seja, se não houvesse a necessidade de analisar os fatos, saber a verdade seria desnecessário.

Segundo Chauí, a incerteza é diferente da ignorância porque quando estamos incertos sobre algo, despertamos a vontade de descobrir a verdade. Ao nos depararmos com esta dificuldade, podemos tomar duas atitudes: evoluir buscando saber cada vez mais e duvidando cada vez mais; ou se assustar com a quantidade de informações novas e regredir ao estado original de ignorância optando pelo comodismo de achar que o que se sabe já está bom demais.

“A incerteza é diferente da ignorância porque, na incerteza, descobrimos que somos ignorantes, que nossas crenças e opiniões parecem não dar conta da realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que, durante muito tempo, nos serviu como referência para pensar e agir.” (CHAUÍ, M., Convite à Filosofia, 2000, p. 111)

Em relação ao paradoxo da quantidade de informação disponível hoje em dia e o desinteresse das pessoas, Chauí escreve que:

“... é justamente essa enorme quantidade de veículos e formas de informação que acaba tornando tão difícil a busca pela verdade, pois todo mundo acha que está recebendo (...) informações científicas, filosóficas, políticas, artísticas e que tais informações são verdadeiras, sobretudo porque tal quantidade informativa ultrapassa a experiência vivida pelas pessoas, que, por isso, não têm meios para avaliar o que recebem.” (CHAUÍ, M., Convite à Filosofia, 2000, p. 113)

Apesar da disponibilidade de tanta informação, ao se fazer uma análise aproximada, percebemos que a maior parte dessa informação é composta de material de pouco proveito; um ciclo que não evolui, não traz nada de enriquecedor culturalmente. Apenas circula ao redor de um tema que alimenta a ele próprio, sem sair da sua alçada medíocre. Exemplos: discussão sobre futebol (alguém já viu mesa redonda sobre as últimas descobertas da Física, Geografia, Biologia ou Astronomia com a mesma frequência que vemos sobre futebol ou mesmo televisionado?), tramas de novelas, programas de auditório, livros de ficção com mais de 500 páginas que tratam de mundos fantásticos que só tem a finalidade de preencher o tempo que seria útil para adquirir cultura real.

Não quer dizer que esporte, encenações de novelas ou escritas fantásticas sejam prejudiciais culturamente falando; o fato de se tornarem instrumento de alienação é que é o problema, e também que sejam a principal atividade intelectual da grande massa não contribui com seu desenvolvimento cultural em busca de autonomia.

Por isso é necessária a busca por conhecimento durante toda a vida, para que diante das infinitas situações pelas quais passamos na vida, possamos ter condições de diferenciar o que é mais real do que é mais ilusão.

A busca da verdade pode nascer de dois tipos de sentimento: quando sentimos decepção, incerteza ou insegurança, pois isso exige que saiamos da situação de ignorância; e quando sentimos a necessidade de decisão e deliberação em não aceitar as crenças estabelecidas. “Esse segundo tipo é a busca da verdade na atitude filosófica”, segundo Marilena Chauí.

A busca pela verdade passa pela desconfiança em relação aos dogmas. Como Descartes propôs, é necessário questionar todas as crenças estabelecidas na sociedade e até as próprias crenças se quisermos encontrar o caminho da verdade. O dogmatismo é que nos prende às crenças que nos são ensinadas desde a infância.

“Dogmatismo é uma atitude muito natural e muito espontânea que temos, desde muito crianças. É nossa crença de que o mundo existe e que é exatamente tal como o percebemos. Temos essa crenças porque somos seres práticos... ” (CHAUÍ, M., Convite à Filosofia, 2000, p. 116)

Vemos que a verdade se encaixa em três concepções: em grego, a verdade é aletheia, que significa o que não está oculto; em latim, temos veritas, que se refere à fidelidade de um relato; e em hebraico, verdade é emunah, que significa confiança. São três abordagens para um mesmo sentido, uma mesma sentença.

Quando no pensamento “predomina a aletheia, considera-se que a verdade está nas próprias coisas ou na própria realidade e o conhecimento verdadeiro é a percepção intelectual e racional dessa verdade. A marca do conhecimento verdadeiro é a evidência, ...”

“Quando predomina a veritas, considera-se que a verdade depende do rigor e da precisão na criação e no uso de regras de linguagem, que devem exprimir, ao mesmo tempo, nosso pensamento ou nossas idéias (sic) e os acontecimentos ou fatos exteriores a nós ...” (CHAUÍ, M., Convite à Filosofia, 2000, p. 124)

Considerando o predomínio da emunah, “... a verdade depende de um acordo ou de um pacto de confiança entre os pesquisadores, que definem um conjunto de convenções universais sobre o conhecimento verdadeiro.”

Para se alcançar a verdade, precisamos nos livrar dos preconceitos, dogmas e crenças; fazer uma análise racional a todo tempo em relação a toda informação recebida.

Desde a antiguidade até hoje, os filósofos se pautam pelas seguintes diretrizes:

“1. a verdade é conhecida por evidência (...)

2. a verdade se exprime no juízo, onde a idéia (sic) está em conformidade com o ser das coisas ou com os fatos;

3. o erro, o falso e a mentira se alojam no juízo ...

4. as causas do erro e do falso são as opiniões preconcebidas, os hábitos, os enganos da percepção e da memória;

5. a causa do falso e da mentira, para os modernos, também se encontra na vontade, que é mais poderosa do que o intelecto ou o pensamento, e precisa ser controlada por ele;

6. uma verdade, por referir-se à essência das coisas ou dos seres, é sempre universal e necessária e distingue-se da aparência, pois esta é sempre particular, individual, instável e mutável;

7. o pensamento se submente a uma única autoridade: a dele própria com capacidade para o verdadeiro.” (CHAUÍ, M., Convite à Filosofia, 2000, p. 128)

Concluímos que a busca pela verdade está intimamente ligada à História humana e a verdade é “o valor mais alto a que aspira o pensamento.”

Cláudio Araújo
Enviado por Cláudio Araújo em 15/05/2024
Código do texto: T8063815
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