Partículas Atrizes

Senhoras e senhores, muito prazer, me chamo _____, porém popularmente me apresento pelo apelido de Ariel. Eu, caros leitores, sou uma partícula atriz. Não tenho nome, forma, gênero, número, grau, sentido, desejo ou ilusões. E meu personagem principal, meu pequeno protagonista, atende pelo nome de Eric, com toda sua forma material, seu gênero fluído, seu número Um, seu grau superlativo que beira o hiperbólico, seus sonhos mais diversos de altruístas a egoístas, seus desejos mundanos e transcendentes e sua ilusão de ser o centro de si mesmo.

Não entendam errado, pessoas da audiência. Não se trata de uma dupla personalidade. Eu sempre fui o Eric, e o Eric sempre soube ser um personagem meu. Se trata de um papel. No imenso palco cósmico que compõe a realidade, meu papel principal é Eric. Algumas vezes sou conselheiro, outras artista, outras amigo, amante, homem, mulher, padrinho, vizinho, colega, enfim. São muitos Erics, sutilmente diferentes, que compõe um grande personagem chamado “Ego”. Até para mim mesmo cumpro um leve papel de tradutor, de trazer as abstrações extremas de nossa psique para o mundo concreto das palavras.

O que me espanta é a raridade deste fenômeno em particular. Não afirmando ser o único ator, todos os humanos são atores de seus próprios personagens. Me espanta quantos se perderam no papel, esqueceram que são os atores para viver mais fielmente seus personagens. Enquanto dia a dia a própria palavra Ariel se parece mais desconexa de mim mesmo, visto que partículas atrizes nem nomes deveram ter, vejo pessoas se apegando ao dinheiro, à fama, ao status, à idade mundana. Nomes são os últimos a irem, mas mesmo a eles as pessoas se apegam. Como quando digo “Eric sem K, apenas com C”, vejo Isabellas corrigindo o segundo L, Thiagos se apegarem ao seu H, Juniors confusos se são a si mesmos ou um reflexo dos pais. Quantos, dos bilhões que somos, se lembram que seu papel é apenas isso, um papel?

O problema dos papéis é quando são levados a sério. Se tornam extremos. Sentimentos de orgulho por não ter a cena mais adequada, ou o tempo de palco julgado correto, revoltas com o cenário e a direção por não darem a devida importância a seus personagens. Recusa a ler o roteiro, a entrar no fluxo, em busca de uma individualidade fria e ilusória.

Somos humanos, irmãs e irmãos. Somos pessoas. Comemos, bebemos, dormimos, sonhamos, lutamos, vivemos uma ampla ou breve vida e morremos. Nada mais. Cada termo, cada caixa, cada medo, cada trauma, cada língua, cada palavra foi nos inserida brutalmente, diretamente na caixa encefálica. Expectativas, frustrações, dores, temores, tudo isso é parte de nossos personagens, não de nossa raiz de atriz. Ver nossos companheiros chorarem, se arrependerem, perderem a vida, nos deveria tocar profundamente, ao ver outras partículas perdidas em seus papeis. Mas nossos personagens, alguns até em sua jornada vilanesca, ignoram o sofrimento de seus atores e se focam no que seus personagens diriam, fariam.

Saiamos por alguns instantes do palco da realidade. Retornemos à coxia ou até ao camarim, trabalhemos a nós mesmos como atores e personas. Reformemos nossas mascaras em prol do cosmos como um todo, não de nosso personagem nesta peça. Não há protagonistas, nem vencedores, nem finais. Lembremo-nos mais que somos atores, e apenas atores. Assim, sem medo, podemos assumir nossos personagens com responsabilidade, improvisar em harmonia, cantar melodias autorais, enfrentar perigos com coragem e chorar lagrimas verdadeiras.

Sejamos o elenco perfeito para o teatro das partículas.

Ariel Alves
Enviado por Ariel Alves em 16/05/2024
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