A longa caminhada

Vinde, ó minha alma, das terras onde nasceu o fogo,

Onde os rios de ferro correm sob a terra sangrada,

E as chamas da forja são como as pulsantes artérias

Do coração tão denso e imenso da Terra.

É lá que as mãos habilidosas esculpem o metal

Em corpos e rostos diversos,

Como um artesão que esculpe

A escuridão, transmutando-a em casta luz.

As portas são as guardiães de outras portas e vales,

Os arados formando cicatrizes na terra inóspita,

E meus sonhos são rios ígneos que correm nos pastos

(E dançam ao redor do fogo imolado por Elias)

Ao som das batalhas que é o viver, que é o amar,

Que é arar com zelo e amor as campinas de sua vida.

No meu trajeto para além do Leste,

Caminho pelos canais de argila e lodo,

Como se navegasse pelos oceanos do inconsciente,

Onde cada curva revela uma nova estrada,

Uma outra floresta cheia de luz e sombras,

A insônia vegetal é como o carvalho antigo e sagrado,

Cujas raízes profundas e galhos retorcidos tocam a face de Deus,

E a Morte observa silenciosamente o passar das estações,

Alimentando-se das lágrimas da chuva

Que caem dos meus cansados olhos, sem cessar.

Chego, sedento, aos estuários abandonados à contingência,

Como o peregrino que buscou a fonte da vida e achou o cálice da morte,

Ali, onde a luz se deita entre a carne das pétalas das flores,

Como uma amante cansada, contudo apaixonada

Após esta tão longa e veemente jornada.

O calor é o abraço caloroso do sol ao acariciar as coisas,

Sol este que acolhe todos os filhos perdidos

Em meu seio arenoso que me aperta o meu peito

E me sussurra a mim em silêncio: “Sozinho tua sina siga”,

Enquanto caem os frutos dos pomares ao longo da estrada,

Como memórias esquecidas lá no fundo do fundo e frio rio,

Retornando, às vezes, ao leito da terra

Que os gerou com tal labor e ternura.

O frio é como uma serpente de gelo

Que se insinua por entre colunas de dunas,

Sibilando sua canção de solidão e desolação,

Enquanto o cristal é a voz etérea do gelo,

Ecoando uma agonia em cada raio de sol que toca.

Mesmo diante das tendas de pele e da areia escaldante,

Curvo-me como um humilde e reverente salgueiro

Cheio de filhos mortos ante o altar translúcido do vento:

Estou agora diferente, triste e teimoso como um cego

Que anda pelas pedras, porque pedra sou e pedra serei.

Do extremo norte gelado, trago comigo todas as cicatrizes

De uma caminhada mais árdua do que todos os dias do tempo,

Onde cada passo tem sido uma batalha do coração em pranto,

E cada suspiro é um grito asfixiante e de clamor

Por alguma gota de orvalho ou pela asa do arcanjo!

Gritos gralhados e passos ofertados

Entre as mutiladas árvores e roseiras

Que cantavam da antiga casa que tanto amei

E que agora jaz apagada no canto da sala,

Como a vela que expirou sua alma

No silêncio da capela que abrigava as lágrimas do sol,

Porém tão pulsante e real é o cadáver da casa

Que sempre freme e tanto treme

[A cada retumbar da caminhada do meu coração.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 15/05/2024
Reeditado em 16/05/2024
Código do texto: T8064040
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