Shuei justifica sua demissão ao Professor Hirata, que tenta sem êxito dissuadi-lo.

 

 

"Era uma vez um pai", notável filme de Ozu

 

ERA UMA VEZ UM PAI, NOTÁVEL FILME DE OZU

Miguel Carqueija

 

Resenha do filme “Era uma vez um pai” (Chichi ariki/Há um pai). Shochiku, Japão, 1942. Direção: Yazujiro Ozu. Roteiro: Yazujiro Ozu, Tadao Ikeda, Takao Yanai. Música: Kyoichi Saiki. Elenco: Chishû Ryû, Shûji Sano, Haruhiko Tsuda, Shin Saburi, Takashi Sakamoto, Mitrsuko Mito, Masayoshi Ôtsuka, Shin’ichi Himori, Haruhiko Tsuda.

 

O desastre.

 

“Eu os avisei que era perigoso... mas se tivesse sido mais rigoroso não teriam ido para os barcos. Eles teriam me obedecido. Acompanhei esses garotos por três anos, mas me descuidei. Yoshida não era desobediente. Mas eu fracassei como professor. Fui negligente.”

(Professor Shuei Horikawa)

 

Pai e filho se divertem pescando.

 

Magnífico filme de Yazujiro Ozu, cineasta japonês exemplar, mestre nos estudos sobre relações humanas. Uma história de grandeza humana, sofrimento, estoicismo e amor ao trabalho.

O Professor Horikawa (notavelmente interpretado por Chishû Ryû) é um homem magro, viúvo, com um filho ainda menino, Ryohei. Ele leva uma existência pobre mas digna em Tóquio, porém durante uma excursão com os alunos sua vida muda para sempre. Alguns alunos por conta própria pegam um barco e vão navegar num lago, mas a embarcação vira e um dos rapazes morre afogado. Sentindo-se culpado, Horikawa deixa de lecionar e vai com o filho para Ueda. Pequena cidade com 35.000 habitantes, e arranja um emprego burocrático.

Depois de dar um bom encaminhamento ao filho, o ex-professor o deixa num colégio interno e vai para Tóquio em busca de um emprego melhor. O menino chora, mas tem de aceitar. Ryohei acaba indo para uma faculdade em Sendai, onde se forma como professor, seguindo os passos do pai.

Ambos são pessoas muito dignas. O filho (Haruhiko Tsuda em criança, Shûji Sano como adulto) é mais sorridente que o pai, mas o caráter é igualmente bom.

A estrutura narrativa é muito singela. Passam-se os anos e o velho Shuei Horikawa reencontra em Tóquio o Professor Hirata, seu amigo dos tempos de magistério, e vários ex-alunos que homenageiam os dois. Pai e filho se vêem pouco em razão de trabalharem longe um do outro, mas sempre gostam de se ver. A união de Ryohei com Fumiko, filha de Hirata, traz uma alegria ao jovem mestre, em meio à tristeza pela morte inesperada do pai. A vida continua, em meio às belas imagens em preto-e-branco do trem levando o jovem casal para o seu futuro, e às lágrimas da moça que nem chegou a ser nora porque o futuro sogro morreu antes do casamento.

Aliás Ozu tem um grande bom gosto na escolha das imagens, em trechos minimalistas do interior das casas e dos exteriores com o ambiente em volta. Não se fazem mais filmes assim, parece, e a beleza do cinema de arte em preto-e-branco vai ficando esquecida.

Yazujiro Ozu (1903-1963) é um dos maiores nomes do cinema japonês.

 

Pouco antes da separação. Embora desejassem não tornam a morar juntos, e só se verão de raro em raro.

 

Rio de Janeiro, 30 de abril de 2024.