UM DIA NO ABRIGO

Estava encharcada a roupa de "seu" Sergio, que naquele momento não usava seu fardamento nem sua insígnia de sargento. Ele era apenas mais um dos muitos flagelados, que com uma pequena mochila nas costas levava todos seus pertences, enquanto entrava no barco de resgate. A visão que tinha de onde estava, além da imensidão das águas era apenas do telhado da sua casa, na rua das oliveiras.

No abrigo, já estavam sua esposa e os filhos os quais aguardavam em uma fila para o cadastro. Depois novas filas se formavam para colchões, banho e refeições. Dentre as diversas roupas ganhadas, havia, em muitos casos, a necessidade do corpo adaptar-se ao tamanho das mesmas.

No piso frio do ginásio, sobre os colchões dispostos, encontrava-se a sua família. Nesse momento de dor, os sentimentos se mesclavam entre negação e aceitação; entre revolta e desapego. De certeza só tinha uma: os seus estavam a salvo. Mas a tristeza, o medo e os questionamentos eram imensos e debatiam-se com a força e com a gratidão que o policial sabia ser necessário ter.

Muitas pessoas conhecidas encontravam-se nesse mesmo abrigo, local que tinha a capacidade de, pelo acolhimento, igualar a todos e criar laços entre pessoas estranhas que o sofrimento aproximou.

Havia tempo para muitas lembranças e reflexões durante a estada de "seu" Sergio no abrigo. Foi num desses momentos, que o sargento aposentado lembrando de seu tempo na ativa, recordou o encontro que teve com um deficiente visual, ocasião em que oferecendo-se para ajudar, tomou o cidadão pelo braço. Nessa hora o deficiente parou e disse: ao ajudar uma pessoa com problemas de cegueira permita que ela segure-se em você, estenda você o braço para ela se apoiar .

Nesse momento e nesse caos, "seu"Sergio lembra da grandeza de um estender de braços a um irmão cego pela desesperança; do valor do apoio; da importância de um acolhimento e questiona-se: não estará o nosso Pai Maior querendo nos mostrar através da natureza a grande necessidade de nos irmanar com os nossos semelhantes?

CEIÇA
Enviado por CEIÇA em 18/05/2024
Reeditado em 19/05/2024
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