Germinal: As Sementes da Revolução

Émile Zola escreve uma obra comovente e realista, por meio da qual ele denuncia as precárias condições de vida da classe trabalhadora.

O escritor francês Émile Zola (1840-1902) foi o precursor do Naturalismo, movimento artístico que se notabilizou por realizar, através de suas obras, uma análise científica da sociedade. O autor naturalista cria teses, realiza experiências, explica causas e efeitos, à maneira de um cientista. Antes de escrever Germinal (1885), que é um retrato da situação precária dos mineradores franceses do séc XIX, Zola fez um trabalho de campo, isto é, trabalhou durante alguns meses numa mina de carvão e registrou com pormenores a vida daquela gente miserável.

Naquela época, a Europa estava sendo sacudida por movimentos revolucionários. Entre 1830 e 1871, a França foi palco de três grandes revoluções. O autor não esteve indiferente a esses eventos e realizou diversas pesquisas, das quais resultou uma série de vinte obras intitulada Os Rougon-Macquart (Les Rougon-Macquart), cujo subtítulo é “história natural e social de uma família sob o segundo império”. Germinal é o décimo terceiro livro da série.

O romance tem como ponto de partida a chegada de Étienne Lantier à cidade de Montsou, onde arruma emprego numa mina batizada de Voreux. Apesar de alguns contratempos, ele se adapta rapidamente ao trabalho e conquista a admiração dos companheiros, de modo que ele encontra ensejo para lhes mostrar ideias de emancipação. O início é lento - pode-se dizer até chato - e só deve agradar a quem tem interesse em saber sobre como funciona uma mina. Porém, Zola não poderia se furtar de escrever todos esses detalhes, dado o caráter experimental da obra.

O livro ganha ritmo quando se dá o primeiro embate entre os trabalhadores e os patrões. É interessante notar que, mesmo o Zola se colocando a favor daqueles pobres diabos, ele não deixa de apresentar o ponto de vista da classe dirigente em relação à impossibilidade de se aumentar os salários. Com excelentes argumentos e explicando didaticamente, o diretor-geral diz aos trabalhares que se os salários subissem conforme eles reivindicavam, o trabalho da companhia encerraria. Zola parece até concordar que não poderia ser de outro jeito.

O amadurecimento do protagonista é interessante. Étienne, um operário pouco instruído, entra em contato com as teorias que preconizam a luta de classes e passa a estudá-las com afinco. Transforma-se num intelectual engajado, ou melhor, num "intelectual orgânico", para nos servir de termo criado pelo filósofo italiano Antônio Gramsci. Porém, sua vaidade aumenta à mesma proporção que aumenta sua popularidade entre os grevistas. Depois, ele passa a vê-los com um ar de superioridade. Torna-se mais uma "vítima" de um processo de emburguesamento do qual o mais sincero revolucionário não escapa.

Como reza a cartilha naturalista, os personagens nos são apresentados sem quaisquer traços românticos. Pelo contrário, são ressaltados os aspectos grotescos de cada um, como se eles fossem regidos pelos instintos e não pela razão. Zola defende que o comportamento daqueles mineiros se devia ao ambiente (insalubre, de extrema carência, etc) no qual estavam inseridos. Assim, quando não estão trabalhando quais burros nos campos, eles estão brigando, bebendo até cair ou então satisfazendo suas necessidades sexuais - em qualquer lugar, a qualquer hora, sem qualquer cerimônia. Já dizia Dostoiévski "A pobreza não é um pecado, é a verdade".

De qualquer modo, identificamo-nos com os personagens. Bem, alguma simpatia sentimos - compaixão, ao menos. Talvez pelo fato do autor expô-los com todos os defeitos imanentes, isto é, seus preconceitos, vícios, perversidade, etc.

Se as pessoas foram reduzidas à condição de bichos, os animais em contrapartida foram humanizados. Ficamos sensibilizados ao ver o Batalha, um cavalo "filósofo", tentando animar o seu camarada Trombeta, um cavalo molenga recém chegado àquele mundo de trevas infinitas do qual só sairia morto, bem como Polônia, coelha "mãe" cujo fim também não é dos melhores, sendo constantemente perseguida por moleques com pedregulhos na mão

Apesar do cientificismo de Germinal, nota-se em cada página o fervor revolucionário do autor. Quando o lemos, a nossa vontade é de sair por aí com uma bandeira gritando palavras de ordem, tamanha a indignação que o leitor sente ao decorrer da leitura. O Manifesto Comunista, de Karl Marx e Engels, é fichinha perto desse livro no que diz respeito a "inflamar as massas".

Outro aspecto bacana do livro é que ele se propõe a discutir ideologias, entre as quais o comunismo, o anarquismo e a social-democracia. Nesse sentido, há três personagens representando cada uma das correntes: Étienne, por exemplo, incorpora o líder comunista; Rasseneur, por seu turno, representa o pequeno-burguês defensor de reformas graduais; Souvarine, com sua frieza e desprezo pelas ideias de transformação social por meios pacíficos, é o arquétipo do anarquista radical. Étienne e Souvarine travam um diálogo interessante, onde este explica o seu objetivo de "exterminar as nações, os governos, a propriedade (...) pelo fogo, pelo veneno e pelo punhal". Embora Étienne reconheça o intelecto superior de Souvarine, não consegue compreender como um mundo justo nasceria em meio toda aquela carnificina e destruição.

A obra encerra de forma melancólica. Afinal, quem não adivinharia que as ideias subversivas daqueles revolucionários não lhes trariam enormes sofrimentos? Entretanto, o aperto de mão entre Étienne e a mulher do seu falecido companheiro deixa-nos um pouco esperançosos (mas dependendo de quem o lê pode ficar irritado), porque a chama revolucionária ainda estava acesa no íntimo de cada um deles. Afinal, os sonhos de Justiça e Igualdade não morrem. Por que haveriam de morrer?

Germinal foi escrito com paixão, tal como "Dez Dias que Abalaram O Mundo", de John Reed, mas, ao contrário deste, não é um livro "panfletário". Seria mais correto classificá-lo como livro solidário às classes desfavorecidas. Por todos esses motivos, podemos colocá-lo entre os maiores de todos tempos. Um clássico da Literatura que deve - ou deveria - constar em qualquer coleção que se preze.

Estevão Júnior
Enviado por Estevão Júnior em 22/12/2016
Reeditado em 27/12/2016
Código do texto: T5860852
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