Análise Literária do Soneto "ilusão de cockpit" POR EDNA FRIGATO

ilusão de cockpit

"A minha alma tá armada / E apontada para cara do sossego / Pois paz sem voz, paz sem voz / Não é paz, é medo" (Marcelo Yuka)

"(...) a comunidade realmente existente se parece com uma fortaleza sitiada, continuamente bombardeada por inimigos (muitas vezes invisíveis) de fora e frequentemente assolada pela discórdia interna (...)" (Zygmunt Bauman)

proteção pra perigosa invasão:

perfeito e impenetrável cockpit...

afasta o outro, impõe seguro limite

crer ser o silêncio paz e união

se faz o bem então estamos quites

muro ou fronteira é pro cruel vilão

e quando o de dentro é mau, decepção

mil perdões pras exceções quem permite?

a vasta imensidão do mapa-múndi

te amedronta muito mais que confunde

pérola de concha! beleza rara!...

de uma raridade tão virtual

quanto necessária!... mas ela é cara...

ilusão de cockpit... normal

(Renato Passos de Barros)

12/01/2017

Análise Literária do Soneto "Ilusão de Cockpit" do Poeta Renato Passos de Barros

O diferencial das obras de Renato Passos de Barros já começa nos títulos inteligentes, instigantes e inusitados. "Ilusão de Cockpit" é a metáfora perfeita da falsa segurança trabalhada por ele nesse glamoroso Soneto decassílabo rigorosamente metrificado. As epígrafes puxam com estilo o fio condutor do mote, agitando a imaginação do leitor. Eu até me atrevo a dizer que a metáfora "Ilusão de Cockpit" é um dos temas que mais preocupa a humanidade em todos os tempos: segurança.

Marcelo Yuka começa dando seu recado: " paz sem voz/ não é paz, é medo". O que nos remete a questão da Comunidade como simbologia da segurança na segunda epígrafe. Num enfoque sociológico, Bauman discute essa questão de forma bastante curiosa no seu livro "Comunidade”. Por esse viés, surge "Ilusão de Cockpit" como um grito de alerta, uma crítica pautada no paradoxo da segurança que vislumbramos em nossa sociedade. Quanto mais, visualmente, protegida for uma casa, maior será o tesouro que ela guarda. O mais atraente é o mais protegido. O crime tornou-se organizado, as quadrilhas especializadas e o fácil foi substituído pelo custo/benefício.

Em tom irônico, peculiaridade do Poeta, ele apresenta o primeiro quarteto de seu Soneto "proteção para perigosa invasão:/ perfeito e impenetrável cockpit". Nesses dois versos, o autor fala da questão da proteção: condomínios fechados, guaritas em cada esquina, câmeras espalhadas, estrategicamente, pelos cantos mais vulneráveis. Há casas que exibem muros tão altos que mais parecem castelos medievais. Os homens fortemente armados dessas fortalezas antigas foram substituídos por cercas elétricas e câmeras de alto poder de definição. Todos esses apetrechos de segurança "afasta o outro, impõe seguro limite / crer ser o silêncio paz e união". (2° e 3° versos do primeiro quarteto). Já, nesses versos, "Ilusão de Cockpit" dialoga de pertinho com a epígrafe do fabuloso Marcelo Yuka.

A ironia gregoriana do poeta brasiliense continua tecendo acidez de alto nível. No segundo quarteto, "muro ou fronteira é pra cruel vilão", numa alegoria perfeita para presídios. Quem deveria estar atrás de altos muros e grades seriam os bandidos e não o povo. No entanto, os bandidos mais perigosos, principalmente, os do alto escalão governamental do país estão protegidos em seus carros importados blindados e suas casas luxuosas em condomínios fechados "e quando o de dentro é mau, decepção(...)” (3° verso - segundo quarteto). Aqui o Poeta deixa claro que, muitas vezes, os bandidos mais perigosos são os que estão do lado de dentro do muro. No último verso do segundo quarteto: "mil perdões pras exceções quem permite?". Nota-se o inconformismo pelo "tanto faz" literalmente gladiando numa arena de revolta com os valores éticos e morais do autor. Embora nas entrelinhas a indignação do Poeta Marxista salta aos olhos e nos convida para uma reflexão: bandido rico merece perdão? Por que exceção pra bandido rico?

No primeiro terceto, a metáfora da proteção alcança outros patamares e chega ao lado de dentro do ser, local onde ele esconde seus medos, seus conflitos existenciais, se torna ostra, ilha... cria, em torno de si, um campo invisível de proteção psicológica, afastando, pra longe de si, o outro como se pérola rara fosse, protegido em seu ostracismo. Nesse riquíssimo terceto, os conceitos de proteção x liberdade do grande sociólogo e pensador Sigmund Bauman ganha novas cores através do pincel poético que o autor tão bem manuseia: "a vasta imensidão do mapa-múndi te amedrontada muito mais que confunde / pérola de concha! beleza rara".

Já no último terceto, o poema faz menção a mais uma forma de proteção que inundou o mundo com o advento e popularização da internet: o mundo virtual. Nesse mundo virtual, nada é proibido, tudo é perfeito, é possível. Escondidas ou protegidas pela tela do computador, as pessoas criam um universo paralelo às suas realidades para se protegerem de si mesmas. Constroem em torno de si muros de fantasia e sonho, encenam personalidades que não possuem e convencem a si mesmas de que são felizes: "de uma raridade tão virtual / quanto necessária! mas ela é cara... / ilusão de cockpit... normal".

"Ilusão de Cockpit" é mais uma obra-prima do Poeta Marxista Brasiliense Renato Passos de Barros. Uma obra original, criativa, crítica e ácida na medida exata para os paladares poéticos mais exigentes. Parabéns Poeta!

(Edna Frigato)

Edna Frigato
Enviado por Edna Frigato em 26/01/2017
Reeditado em 26/01/2017
Código do texto: T5893220
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