Como ver a Vida

Além de ter nascido com a capacidade de ver profusão de cores, ao que sou grato, apreendi a enxergar o “valor ontológico” de tudo ponderando os conceitos e os valores atribuídos àquilo que chamaram (em Português) e nos ensinaram que é “Vida”, “pessoas”, “objetos”, “situações”.

Amparados pela ignorância associada à perversidade, preconceitos sobre o valor de qualquer “coisa” cristalizam-se à produção do “senso comum” – que, por sua vez, tem gerado “razões” para violentas humilhações e exclusões à promoção e perpetuação da miséria universal. Assim também me pareceu ter considerado o escritor inglês Aldous Huxley que, em seu livro “Música na noite e outros ensaios”, escreveu: “O pensamento tem uma vida própria, independente de seus pensadores, sendo inclusive, por ocasiões, hostil contra si. Um conceito ganha vida e, obedecendo às leis de sua existência conceitual, segue crescendo com a mais irresistível inevitabilidade de uma semente plantada, ou de um cristal suspenso numa solução saturada. Para um conceito em crescimento, mentes humanas são meros receptáculos de um líquido formador de cristais, meras sementeiras mais ou menos bem adubadas. No fim, o pensamento crescido muitas vezes acaba por dominar seus pensadores, por lhes impor um modo de vida cuja adoção não será vantajosa para eles”.

Dessa forma, talvez nunca nos seja possível perceber o valor original de tudo, ou tudo validar baseado num único valor fundamental – embora considerar tudo obra de um único Deus tenha sido primeira tentativa a estabelecer “razão fundamental” e “valor essencial” do presente na Natureza, incluindo a Lua, os planetas, nós e as estrelas.

Para os da cultura judaico-cristã algum “Adão” pôs nome de “rosa” naquela perfumada flor vermelha que, dizem, toda mulher adora receber de presente; naturalmente depois de conceituá-la “flor” e “vermelha” ao seguir “determinações divinas”. Mas o que são determinações “divinas” talvez só mesmo Deus possa saber – embora não somente Ele saiba o que seja um “deus” para antropólogos.

Depois que a “rosa” foi nomeada junto com tudo presente na “Natureza”, portanto, não é fácil realizar sugestão do educador Krishnamurti, que pretendeu ensinar a ver manifestações da Vida – entre elas, principalmente, nós mesmo – em sua nudez fundamental; como parecem pretender primeiros exercícios naturistas.

O que é a “árvore” vestida pelo botânico, pelo lenhador, pelo marceneiro, pelo ecologista, pelo poeta, por uma criança? O que é o “mar” para o marinheiro, o náufrago, o mergulhador, pra quem não sabe nadar, pra sobrevivente de tsunami? O que é um “astro” para astrônomo, pra religioso, para o artista? O que é “homem” pra mulher, a “mulher” para os homens? O que são eles para feministas, machistas, filósofos, gays? Quem é “o Artista” para o falsário, para o fã, para o fascista, o caçador de talentos, estetas, para professores? – sendo essa última pergunta respondida por mim pra mim. Pois se não descobri razão original não apenas para que estejamos vivos (ou que outro sentido pode haver para a Vida senão viver), descobri que, artista escritor, eu posso escrever nome da flor que imagino “flymex”, “lidstin” ou “glind” – quando, para ser completamente original, talvez devesse inventar novos signos ortográficos, como fizeram primeiros artistas ao surgimento da Escrita, que nos oportunizou esses que agora usamos para nos comunicar.

Talvez possa inventar novos códigos literários que possam fazer algum leitor sentir original aroma da flor que inventei em meu conto – naturalmente sem nunca ter pretensão de ser completamente compreendido. Pois não é prerrogativa da maioria a facilidade que os artistas têm de exercitar abstrações a irem de algo para “nada” e do “nada” para algo, embalados por seus poderes de observação e influenciados por golfadas da intuição. E todos os seus espectadores sentem intenso estranhamento quando, com suas obras, muitas vezes eles nos provocam ver as “coisas”, incluindo elas mesmas, com olhares de quem nasceu (ou renasceu) agora; ou seja, ao fazê-las retirar primeiras máscaras com as quais se confundem e se identificam: seus valorados nomes.

Afinal, o que é uma “flor” e qual verdadeiro nome da “rosa”? – sem que seja preciso atribuir nomes, uma função, determinado valor a flor, ou quaisquer outras formas da Vida para que existam; como pretende que assim seja o Poder Legislativo; “Vida” que se manifestou espontaneamente, primeiro, como “estrelas” e, muito depois, como nós neste “lado” do Universo à geração de corpos e mentes capazes de lhe favorecerem a plena consciência de toda sua fantástica diversidade.

Por essa perspectiva – embora infelizmente não seja de fácil conquista por maioria – fica fácil entender porque conceitos que fundamentam “razões” para considerações sobre a supremacia de certos valores raciais, de gêneros e os imensos conflitos que provocam sejam, senão completamente absurdas, uns tantos insanas. Porque “a Vida” – ou “Deus”, ou como queiramos referendar o que tudo torna vivo em quantas formas se lhe for possível tornar e retornar – a Vida existe e, tudo indica, continuará a existir para sempre; para trás e para frente; aquém e além da morte, do que pensamos ou cremos que seja ou deva ser.

Dessa forma, como pretenderam outros artistas, como sugeriu cantando “o imortal” Raul Seixas, fazemos esforços expressivos para que todos nós possamos ver e dizer “para além das cercas que separam quintais”; não apenas a podermos parar de vez com toda ignorante babaquice reinante, causa de todos os males, mas para, muito além de crer, compreender “a Vida”, nós mesmos, algo mais do que podemos ver confinados entre as paredes de “nossa casa” ou de “nossa pátria”, refletido nos antigos espelhos que outros penduraram nelas.