A DITADURA DO BARULHO

GAZETA ESCANDALOSA

Ano I – Nº1 – Brasília e onde mais houver barulho, 06 de abril de 2006

Diagnostica-se um novo tipo de problema quando se anda pelas ruas da maioria das cidades de cultura ocidental. E não precisa ser uma metrópole. Estamos falando do som. A qualidade sensorial do homem de aperceber-se do mundo ao seu redor e de trabalhar sobre este último acusticamente (a Música) passa a ser considerada “defeito” por alguns (“ah, se eu não precisasse ouvir isso!”). O curioso é que se tratam de óbvias evidências de que algo está errado, porém a mobilização social é apática.

Parece um mal secundário. Daqueles com que se vai preocupar só bem depois do que muitos outros numa certa “lista de prioridades” organizada pelo senso comum. Se formos analisar mais calmamente, auxiliados por experiências (próprias e de laboratório!) e relatos, talvez não seja bem assim.

A impressão que dá é a de que o “som alto” não chega aos pés da calamidade pública americana de 1 criança acima do peso a cada 4, ou a anti-leitura, o semi-analfabetismo crônico da população verde-e-amarela. Pior ainda: problemas como a criação dos filhos, o crime e o bullying (quando uma turma, em massa, “pega no pé” de estudantes “diferentes”, numa prática freqüente e incômoda para o desenvolvimento psicossocial destes últimos), apesar de importantes, ganham um espaço sobremaneira amplo em relação ao “peraí, você não está com algum problema no ouvido?”.

Antes de tudo se deve reiterar que se trata de um efeito colateral crônico da cultura ocidental. Veja que as exceções são as sociedades do chamado Bem-Estar Social (nações européias que não se alinhavam a nenhum dos sistemas capitalista/socialista de forma íntegra na Guerra Fria, de modo que hoje possuem os Índices de Desenvolvimento Humano mais invejáveis do globo) e de certo modo o Japão, que muitos consideram um influenciador maciço nesta banda do planeta e até descartam-no como “oriental por excelência”.

Mesmo uma equipe antenada de uma publicação como a Gazeta Escandalosa talvez tenha precisado de fortes estímulos para uma matéria concisa sobre o tema. Se houve uma inspiração ou empurrão inicial, este foi de Cláudio de Moura Castro, um dos maiores educadores do país e colunista mensal da revista Veja, que nos brindou com uma peça onde mostra como um brasileiro que morou 15 anos num país civilizado como a Suíça sente um baque na hora de voltar e se dar conta da poluição sonora aqui presente. Um período célebre é aquele em que afirma: “As igrejas e os cultos confundem decibéis com fé”. Risível, se não fôra trágico...

Em termos de números, o artigo nos traz o “limite do suportável” como 65 decibéis, embora o ideal fosse ainda menos, já que tudo depende do tempo de exposição. A danos clássicos como perda progressiva da audição adicionam-se infartos. Basta dizer que um quarto da população, se não morre em decorrência do mau funcionamento da máquina chamada coração, tem problemas com o órgão ao longo da vida. Para agravar o quadro, o stress crônico é o mínimo por que a “vítima” exposta continuamente a “altas alturas” vai passar, o que pode ser “apenas” um pequeno decréscimo na sua qualidade de vida ou uma mudança radical (emprego, habitação ou a perda de amigos, por exemplo).

O assunto incomoda tanto que, ao contrário deste jornaleco de esquina que dedica meras páginas a tal fato, tão costumeiro, muitos indivíduos indignados se prestam a escrever verdadeiros calhamaços de mais de 300 páginas debatendo unicamente este problema da esfera sonora. Não se quer, com as afirmações anteriores, denegrir o trabalho de uma dessas pessoas, Waldir Arruda Miranda Carneiro, mas apenas ressaltar sua relevância: o dilema do barulho além da conta é tão grave que todos nós deveríamos fazer o mesmo. Passariam o Estado ou os donos de kombis de pamonha a queimar nossas obras? Para quem quiser mesmo seguir a cartilha, vale começar lendo o livro do sr. supra, “Perturbações Sonoras nas Edificações Urbanas”, pela editora Revista dos Tribunais, originalmente lançado em 2004 e já em sua 3ª edição. O autor é formado em Direito Imobiliário e alerta para a passividade dos próprios advogados e juristas que tanto deveriam fiscalizar essa área penalizando os infratores, que se fartam de ver (e ouvir) toda a balbúrdia nas instalações (não importa se particulares ou da esfera federal, o ato de fazer ruído é universal!) e não tomam as medidas cabíveis.

Veja em um dos trechos como ele é incisivo e direto: “perturbar o sossego alheio, além de ser ilícito civil, pode constituir contravenção penal (ver DL 3.688/41), por isso, se o problema for renitente e você já tiver superado, sem sucesso, todas as alternativas anteriores [conversar com o infrator, ligar para a construtora para ver se os problemas não são na acústica do ambiente ou procedimentos nesta linha], se o seu caso se enquadrar numa das hipóteses da referida contravenção, vá até a delegacia de seu bairro e registre a ocorrência”.

Se o artigo atingirá muitos leitores e se atitudes dos vários setores serão ou não tomadas, não se sabe. De qualquer modo, por enquanto, vá tapando seus ouvidos.

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Além dos decibéis, qual é o nível de informação que nos é continuamente bombardeado? Em outras palavras, quanto de tudo que somos obrigados a ouvir influi favoravelmente em nossa existência?

Aproveitando o tema do inconveniente volume de todas as coisas a que somos submetidos sem cessar (na Suíça é proibido cortar-se a grama aos domingos!!), inicia-se uma nova discussão, que pode e deve estar relacionada com o dilema nº 1: a qualidade musical das estações, emissoras e bandas “da moda”. Será que o estardalhaço delas é tão sem-sentido e moribundo que todos precisam ouvir suas canções “no talo” para que liberem mais hormônios (ou assim parece) e consigam se satisfazer nos momentos de lazer, seja em casa ou num show? O que se quer dizer é: ouvi-las baixinho não basta; há uma insistência de que “o alto e bom som” é um requisito básico para a correta apreciação de uma faixa musical.

Sites famosos que disponibilizam letras de artistas dos mass media como LetsSingIt e Letras.br parecem comprovar essa tendência: no topo, bandas popularescas sem refino musical, formação ou qualquer gabarito que justifique seu culto desenfreado por multidões. Kelly Clarkson, Daniel Powter, Cascada, RBD (da infame telenovela teen Rebeldes), Avril Lavigne, Wanessa Camargo, Britney Spears e Massacration (uma sátira do metal que deixa qualquer amante do gênero atônito, no pior dos sentidos), só para citar alguns dos preferidos da “moçada”.

Não é a intenção da Gazeta Escandalosa suscitar nenhum preconceito, porém a falta de uma mensagem e ainda uma desvirtuação dos valores altruístas são claros integrantes desses caldeirões da música contemporânea. E o pior é que os jovens são o público-alvo – os principais ouvintes e aqueles com maior potencial para cair na “ladainha” da indústria fonográfica e consumir seus produtos (então o governo brasileiro ganha de brinde mais um problema, a pirataria, visto que não consegue reduzir os impostos sobre os CDs originais).

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

. http://www.chegadebarulho.com/

. http://www.letras.mus.br

. Revista Veja – edições de 1º e 8 de fevereiro de 2006.