Cocktail Music

Cocktail Music

~por Roberto Sombra ~

Em um tempo idílico de muito sol e praia - férias no Guarujá dos meus 10 anos de idade, na década de 60 - o almoço em casa não saia antes das 4 horas da tarde, para aproveitar a praia ao máximo - quando por todos os lugares respirava-se um inebriante ar de felicidade.

Tanto mais, chegada a noite, estivesse você acomodado na poltrona do Cine Praiano. Ao sabor daquele som ambiente feito para descontrair enquanto a sessão não começava: musica tocada de um modo suave, apelidado de "efeito benzoico", por te sedar de um jeito... até na sua cabeça restar apenas uma pergunta: "mas onde mesmo está o meu martini?". Gênero musical também conhecido como "cocktail music"; expressão usada no livro "O Grande Gatsby", na festa que ocorre na mansão do milionário:

"Conforme a terra se afasta do sol, as luzes crescem, e ficam mais fortes e brilhantes, enquanto a orquestra toca musica de coquetel. A cada minuto o riso aumenta e transborda de forma abundante, em comentários animados. Quando os grupos vão se mudando mais rapidamente, e aumentam com as novas chegadas - para em seguida dissolverem-se, e simultaneamente formarem vários outros - onde despontam tipos errantes, e garotas confiantes que entrosam-se, aqui e ali, em meio aos grupos mais consolidados. Até tornarem-se o centro das atenções: ainda que por um momento breve e e alegre; empolgadas pelo sucesso, seguem deslizando por uma mar de rostos, vozes e cores em movimento, sob a constante mudança de luz. Momento em que uma destas ciganas, em trêmula opala, subitamente apanha um coquetel no ar, e o vira de uma só vez para tomar coragem: movendo as mãos enquanto segue dançando sozinha em direção a pista. Instante em que uma quietude momentânea toma o ambiente, e o líder da orquestra muda de ritmo - para que a COKTEL MUSIC favoreça esta mulher; o falatório irrompendo para espalhar o errôneo boato de que ela é substituta de Gilda Gray no Folies. A festa começou."

Coquetail Music que tornou-se assim a trilha sonora da chamada "geração perdida", que estouvadamente atravessou a década de 20 numa vida de muita festa e pouco trabalho; os personagens de Fitzgerald caracterizados por um grande vazio existencial e a anulação dos sentimentos.

A Coktail Music que depois passou a ser tocada em lounges e hotéis. Em uma sala mais escura chamada de piano bar, que servia de fumódromo. Onde frequentadores com sonhos desfeitos contavam com o pianista para ajudá-los a esquecer a vida por um tempo. Essa a letra da famosa canção "Piano Man": "São nove horas de um sábado/ Os habitués do lugar se misturam no bar/ Dentre eles há um velho sentado ao meu lado que faz amor com a sua gin tônica, quando diz: Canta-nos uma canção / Tu és o homem do piano / Cante-nos uma canção nesta noite/ Em que estamos todos no clima para uma melodia / Noite em que você nos faz sentir bem".

https://www.youtube.com/watch?v=gxEPV4kolz0

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Musica de festa e diversão que depois serviria de trilha sonora para a chamada era "rat pack". Onde em meio a muitos amigos Humphrey Bogart e Frank Sinatra lideravam uma vida boemia de muito glamour e luxo; tocado nestes ambientes o chamado "jazz of jet set": que era a trilha sonora do estilo de vida dos endinheirados. Cenário festivo mostrado em vídeos como "Millionaires Hideaway", do inglês Syd Dayle, ou em "Sunny Escapade", da Polish Radio Orchestra.

Até que nas décadas seguintes este tipo de música passou a ser chamada de "Easy Listen", por causa do som das big bands dos anos 40: com um som feito para mexer o corpo, e não a mente, dos que dançavam o swing.

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Mais um pouco chegariam os anos 50 com maestros como Ray Conniff (que usava bastante o vocalise: coro que imita sons de instrumentos), Burt Bacharach, Paul Mauriat, Henry Mancini, Franck Pourcel e outros. Para mostrar um apuro estético sofisticado, e domínio na arte da orquestração, composição e arranjo.

"Easy Listen" uma expressão também usada para classificar o som ambiente dos cinemas dos anos 60: feito de trilhas sonoras de filmes famosos, como as composições de maestros com forte formação jazzística, como Piero Piccioni: dono de uma jazz band no final dos anos 40.

https://www.youtube.com/watch?v=Lig3Yfhd90k

https://www.youtube.com/watch?v=gK0PtNVMv5E

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Portanto camaleônica Easy Listen, que atravessou o século XX reavivando velhos ritmos e estilos de musica. Seu som baixo e modulado característica também da chamada "musica de elevador", patenteada por uma empresa surgida em 1920 chamada Muzak. Embora a easy listen não se confunda com ela. Até que com a chegada dos anos 80 passou a ser chamada de Loungue Music: abrangendo também vários outros estilos - slow jazz, bossa italiana, soft rock - também chamado de adult contemporary (easy listening rádio), com estações especializadas em "rock mainstream", estilo de musica assim descrito na MTV: "As estações de AC são aquelas onde as músicas pop vão morrer uma morte muito longa. Ou, como diriam os mais otimistas "para obter uma segunda vida".

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( A saga da Muzak)

"Muzak" é o nome da marca comercial surgida nos anos 20/XX, transmitida pela fiação elétrica, e que durou quase 90 anos até a empresa falir. Patenteado por ela um tipo de musica vendida por assinatura apelidada até hoje de musica de elevador.

Nos anos 20, em que surgiu a empresa Musak, o way of life americano começava a construir arranha céus por todos os lados. E por isso muita gente estressava-se ao ter que entrar naquela caixa metálica e ser puxada lá para as alturas. Razão dos donos de edifícios canalizarem o pânico que os elevadores causavam tocando sucessos da época. Alteração da estrutura musical que obtinha uma melodia pasteurizada que relaxasse o ouvinte. Pagos aos compositores royalties pelo uso e direito de modificação de suas músicas.

O acervo da Muzak contando também releituras orquestradas da música de Michel Legrand e Tom Jobim. Conhecida a história do encontro bem humorado dos maestros dentro de um elevador: "e quem diria que nos tornaríamos os reis da musica de elevador".

A "Muzac" que seria chamada por bons músicos de "papel de parede, ou de esgoto musical". Embora Males Davis a defendesse junto aos músicos de jazz que a execravam, ao ponderar: "vocês entenderão o valor da Muzak quando os royalties forem depositados em suas contas bancárias".

Depois, com o aumento da cultura jovem, e a crescente influência da geração dos baby boomers nas décadas de 1960 e 1970, a Muzak veria sua popularidade diminuir. Para o mercado abrir-se para oferecer outros estilos de música, slow ou soft music - como a musica new age - repaginados também sucessos do rock e do pop. O mercado de venda de canais musicais passando a alcançar também restaurantes, lojas de moda, lojas de varejo, shoppings, companhias aéreas e espaços públicos.

Os canais de música transmitidos tanto via satélite, como através da banda larga e serviço digital/IP: em oposição ao uso mais antigo de discos compactos. A proliferação da Internet permitindo que a transmissão de música de fundo fosse atualizada instantaneamente pelos varejistas, escolhida a música e as mensagens certas para serem implantadas na lojas.

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( Muzak, música funcional)

A Muzak na década de 50 passou a oferecer um sistema musical chamado Stress Progression que fornecia aos ouvintes uma sensação subconsciente de movimento para a frente, aplicados programas de Progresso Estímulo. A ponto de se identificar até mesmo a musica certa para dissuadir o furto em lojas de departamento. Através de uma pequena caixa preta onde misturava-se música e mensagens anti-roubo - "eu sou honesto, não vou roubar" - repetidas 9.000 vezes por hora, em volume pouco audível.

Com a nova tecnologia o furto declinou 37% em lojas de departamento.

Depois, chegado os anos 80 e 90 a empresa Muzak afastou-se da abordagem "música de elevador" para também oferecer múltiplos canais especializados em música popular. Tornando-se pioneira na "arquitetura de áudio", através de um processo de criação de listas de reprodução de música personalizadas para clientes específicos. Criado um ambiente programado que proporcionasse às pessoas uma "elevação psicológica ", que melhorasse não só as vendas mas uma maior produção no trabalho.

Momento em que surgirá na sociedade a discussão de tal manipulação liberar os diretores corporativos das empresas contratantes da responsabilidade real pelas condições de seus funcionários. A Muzak aacusada de manipular o comportamento humano e de ser uma técnica de lavagem cerebral: o comportamento de alguém podendo ser manipulado por terceiros, sem que a pessoa estivesse ciente da manipulação. Assunto que até hoje é muito estudado por sociólogos, dado o caráter polêmico da chamada musica funcional.

(A controvertida Muzak)

Em defesa do poder da música na vida cotidiana estudiosos do assunto mostraram da musica funcional ser reconhecida desde a teoria social de Platão até Adorno. A música influenciando a estrutura social e a ação dos ouvintes. O que não livrou a Muzak da acusação de que o uso musical do aumento da produtividade invadia a privacidade das pessoas. Quando passou a ser chamada de "Musica do Grande Irmão".

Este um dos tema do livro de Joseph Lanza, "Música de elevador: uma história surreal de Muzak, Easy-Listenening e outros Moodsong ". Estudo da Musak que, ao contrário do que se esperava, valeu de bom humor ao considerar a Musak ou a Easy Listem como a "forma de arte mais autêntica da vida pós-industrial". Remetida a "música funcional" a Orfeu, cuja lira manteve Jason e os Argonautas movendo ritmicamente os seus remos. Da mesma maneira acontecendo com o Canto Gregoriano dos monges no trabalho agrícola, chamado de "Medieval Muzak".

Enquanto que no Ocidente Moderno a música leve passava a ser usada para afogar o trabalho na indústria pesada.

A MUZAK dos elevadores, em 1922, pensada como solução para aliviar os passageiros do medo das novas máquinas. Fez com que a música de fundo se tornasse um elemento penetrante da cultura tecnológica moderna; pondera Lanza: "Este som é derramado em lojas onde a Muzak é usada para criar criar compradores felizes; afinal, as vacas produziam mais leite quando ouviam o "Danúbio Azul".

Quando nem mesmo o 11 de setembro escapou do humor cáustico deste programador musical: "Mesmo quando um bombardeiro voou para o Empire State Building, as pobres almas presas no 88º andar foram embaladas pela valsa enlatada que continuou a zumbir através das chamas e da fumaça"; continua o autor: "Desde de 1936, os magos da Muzak estabeleciam orientações cuidadosas: em melodias rápidas destinadas ao horário das 7 e 10 da manhã, para incentivar os clientes a comer fast food rapidamente nos café. Chegada a meia-noite era o momento de ouvir "música adormecida", ou seja, sem tangos. E assim por diante, 24 horas por dia".

Lanza que por vezes contemporiza com a Muzak, ao dizer que esse tipo de trilha sonora pessoal nos permite transformar nossas vidas em filmes. Muzak que ele também chama de "Música Esperanto": "Eis que quando a Música para Aeroportos de Brian Eno foi realmente tocada por alto-falantes do aeroporto, as pessoas que aguardavam seus vôos queixavam-se dela fazê-los sentir-se desconfortáveis. Esse é o problema com o real".

Desconforto relacionado a Brian Eno, já que a primeira utilização do termo “música ambiente” (“ambient music”) é geralmente creditada ao músico britânico. Porque em 1975, enquanto convalescia acamado, o músico recebeu de um amigo um álbum de música do século XVIII para harpas.Para no final daquele mesmo ano, considerando sua experiência com o disco de música para harpas, e o ambiente do quarto de hospital, ele lançar o álbum “Ambient 1: Music for Airports". Primeiro disco a ser produzido oficialmente sob a etiqueta “música ambiente”.

Lembra Lanza que 90 milhões de pessoas escutam Muzak diariamente, o que faz dela o "canto do Big Brother". Por isso não seria de espantar que a Time-Life Music emitisse uma série "Favoritos da Easy Listen/Musak", com todos os artistas famosos discutidos por Lanza, embora ele pondere: "Para um gênero musical que não deveria ofender ninguém, vê-se que ele tem muitos inimigos".

Em relação a isso disse um leitor:

"Depois da leitura de Lanza minha definição de arte e estética foi desafiada, ao perceber que a musica altera nosso humor como um novo utensílio de cozinha, e aí mais uma vez eu devo trabalhar para redefinir minhas definições pessoais. suspiro". Acrescenta ainda: "As críticas das elites que dizem que as Muzaks são desumanizadas baseiam-se mais em preconceitos culturais do que em uma avaliação musical honesta;pois essa música é "melhor do que parece".

Traçado assim em seu livro a história da chamada "música funcional", com referências ao trabalho de artistas de vanguarda do início do século XX: como Erik Satie, que procurou se casar com as inovações da era da máquina.

Entre os primeiros heróis desta era ele incluiu o inventor / criador de Muzak: general George Owen Squier, que estudou o efeito da música em produtividade e humor".

Muito interessante para Lanza a análise da psicologia na programação da Muzak: mostrado como a empresa desenvolveu um cronograma com base na hora do dia, de modo que "as horas do café da manhã ofereciam melodias alegres do nascer do sol e ritmos com cafeína".

Também abordadas por ele questões filosóficas da Muzak e os possíveis efeitos perversos da música de fundo; argumentando que a música de elevador é essencialmente uma destilação da felicidade que a tecnologia moderna prometeu:

"A urgência pelo consumo tem uma trilha sonora própria: a música que está presente nos ambientes de compra nem sempre exprime as preferências de um funcionário da loja, ou é apenas a displicência de uma estação de rádio ligada constantemente. Em algumas lojas, especialmente nas grandes lojas de departamento, a música que se ouve é fruto de cuidadosa seleção, na forma de uma “arquitetura musical".

Tão polêmico este assunto que um político americano/ republicano fez uma orgulhosa defesa da Muzak no púlpito da Convenção Nacional Republicana em Tampa Bay, quando bateu no peito e disse: "A música de elevador não é apenas para nerds, é sim para nerds republicanos (citação feita por

Luke Baumgarten, autor do artigo "O elevador desce"): "Muzak foi uma das primeiras ajudas à produtividade da era moderna e, provavelmente, o primeiro passo para o mundo irritante do marketing sensorial. Também gerou alguns movimentos musicais genuínos e inspirou pelo menos um gigante musical (Brian Eno) para lançar um contra-movimento.

O significado da Muzak em relação a competição ou canabalização tecnológica também esmiuçado por Baumgarten, ao considera como evolui a transmissão da música:

"Era com fio sem fio, rádio transmitido não pelo ar, mas através de linhas de energia, o valor deste serviço lançado na conta de luz. Portanto uma mercadoria enraizada em uma tecnologia (inspirada no telégrafo em tempos de guerra, para funcionar em regiões inóspitas), e essa é a primeira lição de Muzak: sempre que o seu produto é centrado na tecnologia, ele será constantemente atacado pela tecnologia emergente. Primeiro, por rádio, depois por satélite, depois Pandora e Spotify. Lembrando que quem inventou a tecnologia e tornou possível a música em rede foi George Owen Squier, um Major General no corpo de sinal do Exército dos Estados Unidos".

Considerada pseudociência a Musak ela foi reconhecida nos anos noventa: em parte porque era uma ferramenta de marketing útil, e em parte porque parecia algo tão plausível: afinal a maioria das pessoas se sentiam realmente mais felizes e produtivas se houvesse algo cantarolado ao fundo.

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Este texto uma ponte entre os meus 10 anos de idade e os atuais 60. Momento em que - depois de uma vida inteira em São Paulo - deixei-me levar pelo canto de sereia da musica de fundo do antigo Cine Praiano - para só com a bagagem de mão me mudar de vez para o litoral de Santos.

Fica aqui uma seleção das melhores musicas daquela época:

"More swinging 60s chicks"

https://www.youtube.com/watch?v=ugVA6LXtoXI&index=2&list=PL2F17F09B1013A2FA

1. Piero Piccioni (Italia, 1969) - Ballade

https://www.youtube.com/watch?v=4AIKt8mtzpk

2.Per noi due soli - Piero Piccioni

https://www.youtube.com/watch?v=OgdXzkOonnE

3. Piero Piccioni - Goddess in a Dream

5. Piero Piccioni - Samba Della Ruota

6. Piero Piccione - In Viaggio Attraverso L'Australia

7. Piero Piccioni - Per noi due soli

8. Piero Piccione - Bossa per Alberto

https://www.youtube.com/watch?v=OPsjpiBJ1zs

9. Piero Piccione - Piero Piccioni - Scusi lei è favorevole o contrario?

https://www.youtube.com/watch?v=wqX35nqgrgo

10. Ole Jensen & His Music

https://www.youtube.com/watch?v=wrmPET_LFjE

11. Action Girl '66

https://www.youtube.com/watch?v=IbBVKLbvd64

12. Chiara Civello (autor Enio Moriconi) - Metti una sera a cena

https://www.youtube.com/watch?v=wvHUfX54u_M

13. Martin Böttcher and Orchestra

https://www.youtube.com/watch?v=L5UxbltOulo

14. Caribbean Sunrise (lounge edit)

https://www.youtube.com/watch?v=BMunGLsSNDQ

15. Clay Pitts - Caribbean Sunrise

https://www.youtube.com/watch?v=L290KE5lQ0I

16. Horst Jankowsk

https://www.youtube.com/watch?v=K2OeBMa5aY0

16. Piero Piccioni (Italia, 1969) - Ballade

https://www.youtube.com/watch?v=4AIKt8mtzpk