A DEFESA DE MÁRCIO MOREIRA ALVES (memória nacional)

O processo de cassação do deputado Márcio Moreira Alves dominava o noticiário político nacional, com o governo, por seu Ministro da Justiça, Gama e Silva, pressionando os parlamentares arenistas para votarem em favor da punição do colega, e o deputado Geraldo Freire, no exercício da liderança da ARENA na Câmara Federal, substituindo o paraibano Ernani Sátyro, que se encontrava enfermo, montando estratégias que tranquilizassem os militares quanto à obtenção da maioria que garantisse a aprovação do requerimento.

A Comissão da Constituição e Justiça ainda não havia se manifestado a respeito, e o seu presidente, o deputado Djalma Marinho, manobrava no sentido de ganhar tempo suficiente para que a opinião pública pressionasse os parlamentares para que fosse negada a aplicação da pena de cassação a Mário Moreira Alves. O mundo político era cobrado pela imprensa a se manifestar, mesmo não sendo um dos votantes no julgamento.

No dia dezoito de novembro de 1968, Márcio Moreira Alves discursou perante os membros da Comissão de Constituição e Justiça utilizando-se do direito de defesa: “O que estarão os senhores deputados julgando, não é o processo contra um parlamentar, mas o processo contra a ordem democrática e a derradeira das prerrogativas essenciais ao Congresso. A inviolabilidade da tribuna não é, como a imunidade do deputado, uma prerrogativa pessoal do representante do povo. O ataque à liberdade de expressão no parlamento é em tudo semelhante ao ataque à liberdade da imprensa. Há quem pense que o silêncio, a cumplicidade, a tolerância com o abuso de poder, possam comprar a sobrevivência de um parlamento. São os espíritos tímidos, os acomodados, os temerosos. Não poderiam jamais serem representantes do povo.

O silêncio é cumplicidade. O silêncio é o preço que nenhum parlamentar pode pagar por sua representação, sem dela demitir-se. A majestade do canhão não silencia por muito tempo a vontade popular. É privilégio dos representantes do povo darem voz a essa vontade. É ainda privilégio correrem, por esta voz, todos os riscos e em seu nome sacrificarem todos os interesses pessoais que conflitantes com ela passem a ter.

Trouxe a esta Casa um mandato de luta e de transformação. Sem jamais haver sido político, sem apoiar-me em núcleos eleitorais, foi a pregação de ideias que me elegeu. Os ideais da minha luta dentro do Congresso têm sido por uma Câmara aberta e digna, de onde surjam leis e reformas que reconstruirão o Brasil e a democracia e estabelecerão a justiça social. O preço desta liberdade me é hoje cobrado em um julgamento perante meus pares.

Formalmente sou acusado de haver proferido discursos que seriam ofensivos às Forças Armadas, e que, no julgamento dos acusadores, configurariam abuso de direitos políticos previstos no Artigo 151 da Constituição Federal. Na verdade, o que se deseja julgar é toda uma breve, porém intensa, atuação parlamentar. Sei que a tentativa de cassar o meu mandato é apenas a primeira de muitas que virão. Sei que é insaciável o apetite dos que a esta Casa desejam o mal. Os que pensam aplacá-lo hoje com o sacrifício de um parlamentar estarão apenas estimulando sua veracidade. Buscam os inimigos do próprio Congresso um pretexto.

A atuação que desenvolvo contrariou e contraria muitos interesses estabelecidos. As análises e denúncias que faço contrariaram os que querem impor a este País um governo divorciado do povo, em oposição às aspirações nacionais, e garantidor de privilégios que o tempo e a justiça não mais permitem existir. Não contrariou, nem contraria a ordem democrática e a paz social. Pelo contrário, procuro construir esta e estabelecer aquela. Ainda que se aceitasse, apenas para argumentar, que o abuso das imunidades parlamentares pudessem levar à perda dos direitos políticos, somente se admitiria o processo previsto no Artigo 151, se esse abuso tivesse por escopo “atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção”. Mas em que trecho dos meus discursos se encontra qualquer frase ou argumento que venha retratar o objetivo de atentar contra a ordem democrática? Nas palavras que proferi não se encontra um só vocábulo, frase ou raciocínio que revele, de longe, qualquer menosprezo ao regime democrático ou aos Direitos do Homem, e, muito menos, ataque ou atentado a esse regime. Para criticar militares, assim como civis, que desservem ao País, não preciso de imunidades parlamentares.

Entrego-me agora ao julgamento dos meus companheiros e meus pares. Rogo a Deus que cada um saiba em consciência, se íntegra, decidir pela manutenção da liberdade desta tribuna. Rogo a Deus que mereça a Câmara o respeito dos brasileiros, que possamos no futuro andar pelas ruas de cabeça erguida e olhar para os nossos filhos e nossos amigos. Finalmente que o Poder Legislativo se recuse entregar seus membros a um pequeno grupo de extremistas para degola. Mas só a História nos julgará.

Ao tomar conhecimento do discurso, o senador Benedito Valadares assim se expressou: “Este menino está querendo ser um Tiradentes à custa do nosso pescoço”.

• Do livro “1968 – O GRITO DE UMA GERAÇÃO”.

Rui Leitão
Enviado por Rui Leitão em 14/11/2017
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