A EVOLUÇÃO DE DEUS

No princípio, havia o “animismo”, a primeira manifestação humana para entender os fenômenos da Natureza. O animismo apareceu antes das religiões organizadas, e se caracterizava pela crença de que um espírito invisível, ou alma, habitava tudo que existia no mundo, desde uma simples rocha até o corpo das pessoas. Com o advento das religiões, veio a fase das divindades antropomórficas, que se assemelhavam aos humanos tanto no aspecto físico quanto no temperamento. A divindade mais importante desse período era a Grande Deusa ou deusa-mãe.

A figura da Grande Deusa teve seus atributos tomados da mãe humana. Até em seu aspecto físico ela se parece com a matrona gorda e opulenta, como podemos observar nas estatuetas descobertas pelos arqueólogos.

No Neolítico, a deusa-mãe perdeu o trono para um deus masculino. É que os homens, que antes não sabiam que sem eles a mulher não podia engravidar, acabaram descobrindo pela observação dos animais domesticados, que sem o macho a fêmea não gerava filhotes. A reflexão os levou a perceber que o mesmo acontecia entre os humanos: a mulher sem um homem era incapaz de procriar. Esse fato fez surgir o “período patriarcal”, o domínio do homem sobre a mulher, e do deus macho sobre a deusa-mãe.

O deus masculino, ao receber o cetro que antes pertencia a uma deusa mulher, de forma análoga a essa deusa, vai adquirir características humanas, só que dessa vez emuladas do pai ancestral, conforme explica o Dr. Freud no livro O futuro de uma ilusão: “O pai primevo constituiu a imagem original de Deus, o modelo a partir do qual as gerações posteriores deram forma à figura de Deus.”

Enquanto a deusa-mãe era doce e maternal, e convivia pacificamente com outras divindades, o deus masculino é autoritário e arrogante. É generoso e tolerante com aqueles que o adoram, mas incrivelmente cruel com quem segue outro deus.

Por muito tempo o politeísmo dominou o sistema de crença entre as hostes humanas. Somente no 14º século a.C. um faraó egípcio tentou implantar a crença num deus único, inaugurando o monoteísmo. Esse rei sacerdote se chamava Amenófis IV, mas mudou o nome para Akenáton depois que estabeleceu um antigo deus egípcio – de nome Aton - como o único deus do universo. Akenáton era um jovem sonhador, amante da poesia, amigo dos animais e pacifista. O deus Aton tinha as mesmas características da personalidade de Akenáton.

O monoteísmo proposto por esse faraó herético não durou muito tempo. Em menos de duas décadas, os antigos sacerdotes do deus Amon retomaram o poder. O politeísmo, com suas centenas de divindades, voltava a fazer parte da vida dos egípcios.

No século doze a.C., segundo a tradição, Moisés vai implantar outra religião monoteísta, cujo deus é revelado na Bíblia pelo nome de Javé. Moisés teve mais êxito do que seu antecessor egípcio. O monoteísmo judaico vai influenciar mais duas religiões: o cristianismo e o islamismo.

Javé, o deus que inspirou o deus dos cristãos e muçulmanos, tinha a “personalidade” parecida a de Moisés: dava o sangue pelo povo hebreu (o povo eleito), mas odiava os idólatras. Javé podia ser bom em alguns momentos, e cruel em outros, mandando matar o hebreu que descumprisse sua Lei. Era homofóbico, misógino, xenófobo e intolerante com outras crenças. Temos novamente aqui a personalidade de um profeta sendo projetada no deus que ele institui. Não somente os seres humanos sofrem transformações no processo evolutivo. Deus também.