A PROVA DE QUE OS UNICÓRNIOS EXISTEM!

É comum um crente acuado e sem argumentos dizer que “se ninguém nunca provou que Deus não existe é porque ele existe”. Pois bem, quem pode me provar que não existem unicórnios? Se não podem provar que não, posso concluir seguramente que eles existem? É claro que eu não pretendo aqui provar que os unicórnios existem ou existiram. O título foi somente uma forma de provocação. Não acredito que existam os unicórnios porque ninguém nunca me provou que eles de fato existem, embora ninguém possa provar que não, mas é preciso se posicionar em uma das duas afirmações. Não estou dizendo aqui que eles não existem, pois para isso seria necessário prova-lo, mas sim que não acredito, pelo motivo relatado acima. Se não tenho prova, não tenho nenhuma razão para crer que algo seja verdadeiro.

Bertand Russel, filósofo inglês que viveu durante o século XX demonstra isso de maneira magistral. Ele diz que quem afirma alguma coisa é que tem que prova-la, não quem nega. É como num tribunal. Seria uma incoerência prender um suspeito simplesmente por ele não ter provado que não cometeu um crime. Ao contrário, seus acusadores que têm que provar que ele cometeu. Eis o argumento de Russell:

“De minha parte, poderia sugerir que entre a Terra e Marte há um pote de chá chinês girando em torno do Sol em uma órbita elíptica, e ninguém seria capaz de refutar minha asserção, tendo em vista que teria o cuidado de acrescentar que o pote de chá é pequeno demais para ser observado mesmo pelos nossos telescópios mais poderosos. Mas se afirmasse que, devido à minha asserção não poder ser refutada, seria uma presunção intolerável da razão humana duvidar dela, com razão pensariam que estou falando uma tolice”

Obviamente não precisaríamos provar que tal pote não existe, mas ele quem deveria provar que sim, já que é ele quem está afirmando. No entanto alguém poderia afirmar que só ele fala sobre o tal pote e que isso não é o bastante para validar ele diz. Por isso Russell prossegue disparando:

“Entretanto, se a existência de tal pote de chá fosse afirmada em livros antigos, ensinada como a verdade sagrada todo domingo e instilada nas mentes das crianças na escola, a hesitação de crer em sua existência seria sinal de excentricidade e levaria o cético às atenções de um psiquiatra, numa época esclarecida, ou às atenções de um inquisidor, numa época passada”

Carl Sagan, eminente astrônomo norte-americano, também nos dá um exemplo bem interessante no seu livro “O Mundo Assombrado Pelos Demônios”. Ele nos conta sobre um dragão que ele tem na sua garagem e assim prossegue:

“—Mostre-me, diz você.

Eu lhe levo a minha garagem. Você olha e vê uma escada, latas de tinta vazias

e um triciclo velho, mas o dragão não está.

—Onde está o dragão? —pergunta-me.

—Oh, está aqui - respondo eu movendo a mão vagamente—. Me esqueci de

dizer que é um dragão invisível.

Propõe-me que cubra de farinha o chão da garagem para que fiquem marcadas

os rastros do dragão.

—Boa idéia —replico—, mas este dragão flutua no ar. Então propõe usar um

sensor infravermelho para detectar o fogo invisível.

—Boa idéia, mas o fogo invisível tampouco dá calor. Pode-se pintar com spray

o dragão para fazê-lo visível.

—Boa idéia, só que é um dragão imaterial e a pintura não lhe pegaria.

E assim sucessivamente. Eu rebato qualquer prova física que você me propõe

com uma explicação especial de por que não funcionará”

E prossegue:

“Se não houver maneira de refutar minha opinião, se não haver nenhum experimento concebível válido contra ela, o que significa dizer que meu dragão existe?”

Ele continua, mas agora ele mostra “provas” de que seu dragão é real: outras pessoas afirmam sua existência; algumas delas aparecem com queimaduras de uma rara manifestação física do dragão; aparecem pegadas aparentemente compatíveis com uma manifestação física de um dragão... O que fazer? Você acreditaria no dragão do Carl Sagan, mesmo não tendo provas e com apenas uns fracos indícios? Qual a diferença entre crer num dragão desses e crer em Deus? Você poderá dizer que mesmo sem provas, Deus tem o poder de fazê-lo sentir certa paz interior. Então vamos aos unicórnios.

Façamos de conta agora que eu lhe diga que os unicórnios existem e quem é capaz de tocar em um terá uma grande paz de espírito e pode até ter os males do corpo curado. Você me pede, como na historinha do Carl Sagan, que eu lhe mostre o unicórnio. Então eu levo você até um lugar com muitas plantas, parecido com um bosque ou uma floresta e digo:

- Ele costuma ficar por aqui. Imediatamente você replica:

- E por que ele não está aqui agora?

- Por acaso você não conhece a história dos unicórnios? Eles são os animais mais ariscos que existem. Eles têm o poder de pressentir a aproximação das pessoas a quilômetros de distância e, com seus poderes mágicos, desaparece antes que o vejam. Respondo.

- Então como você viu um? Você pergunta já indignado.

- É que somente aqueles que são puros de coração podem chegar perto deles, respondo. Mas você é esperto.

- Então onde estão as pegadas dele? Pergunta com um leve sorriso de triunfo desenhado no rosto.

- Ele não toca o chão, pairando um pouco acima do solo de uma forma mágica.

- Vamos pôr uma câmera pra tentar filmá-lo, você sugere.

- Não adianta, ele saberá se tiver uma câmera e não virá mais aqui.

Então você fica indignado e vai embora. Mesmo não acreditando em mim, não consegue mostrar que estou errado.

Eu lembro da fábula de Hans Christian Andersen, “A Roupa Nova do Rei”. Basicamente é a história de um bandido que se passa por alfaiate para dar um golpe no rei, vendendo-lhe uma roupa muito cara feita com um tecido mágico que somente as pessoas inteligentes poderiam ver. Como o rei não queria se passar por idiota, fingiu que via a roupa inexistente, e assim todos na corte foram enganados enquanto o ladrão enchia seus bolsos com todo o dinheiro que podia extorquir da total falta de sinceridade que as pessoas têm para consigo mesmas. E por acaso não é assim que agem os crentes, afirmando que sentem Deus falar com elas? Que sentem Jesus tocar-lhes o coração? Têm que dizer isso, caso contrário eles serão vistos como incrédulos. Eu já fui cristão e nunca senti nenhuma presença divina – e mesmo que eu sentisse, como poderia saber que é divina? Certa vez eu estava assistindo a um programa evangélico na TV, onde um pastor pedia para que patrocinassem sua igreja, mas ele pedia apenas “aqueles a quem Deus havia tocando o coração”. No mesmo instante lembrei-me de Hans Christian Anderson: muita gente vai apenas mentir para si mesmas dizendo que havia recebido um sinal de Deus, talvez com o intuito de impressionar os outros. De posse de tal conhecimento, eu poderia convencer muitas pessoas de que meu unicórnio é real. Só bastava eu dizer que somente pessoas de coração puro poderiam vê-lo que apareceriam muitas pessoas afirmando que o viram pelo simples fato de querer parecerem boas e puras para outras pessoas. Eu poderia dizer ainda que o poderoso unicórnio irá derramar sua bênção, com o seu chifre como se fosse uma cornucópia, sobre todos aqueles que fossem até ele.

Posso dizer ainda que muitas outras pessoas já o viram e até documentaram esse encontro fascinante. Ele é citado nas lendas antigas e nos bestiários medievais. Leonardo Da Vinci nos fala dele. Nem mesmo a Bíblia oculta a existência dos unicórnios, como se vê em Isaías 34: 7: “E os unicórnios descerão com eles, e os bezerros, com os touros; e a sua terra beberá sangue até se fartar, e o seu pó de gordura se encherá”, em Jó 39: 10 “Ou, querer-te-á servir o unicórnio? Ou ficará no teu curral?”, ou em várias outras passagens como Salmo 22:21, Salmo 29:6 e Salmo 92:10. Depois de tudo isso, ainda teria como alguém provar que os unicórnios não existem? Na ausência de provas, é razoável acreditar que ele existe? Nos Estados Unido existe a religião do Monstro do Espaguete Voador, que conheci através do livro de Richard Dawkins, “Deus, Um Delírio”... e eles têm adeptos e tudo mais. Eles exigiram que a “teoria” de que o universo foi criado pelo Monstro do Espaguete Voador fosse ensinada nas escolas, como o criacionismo bíblico. Ora, o Deus bíblico é tão comprovado cientificamente quanto o Monstro do Espaguete Voador, então por que rejeitar esta e ignorar aquela? Só porque têm menos adeptos? Isso não me parece muito científico... Assim como nos Estados Unidos, aqui no Brasil existe a religião do Unicórnio Rosa Invisível, que proferem “Como todas as religiões, a Sagrada Religião da Unicórnio Rosa Invisível é baseada sobre Lógica e Fé. Nós temos Fé que Ela é Rosa; nós Logicamente sabemos que Ela é Invisível, porque nós não podemos vê-la.” (Anônimo).

Não é possível provar que os unicórnios não existem, nem Deus, nem o pote voador de Russell, nem os Mostro do Espaguete Voador, nem o Unicórnio Rosa Invisível, assim como qualquer outra coisa que seja. Somente a existência pode ser provada, jamais a inexistência. O fato de não termos prova da existência de algo não quer dizer que não possamos encontrá-la depois de certo tempo transcorrido. Mas qual o critério a se utilizar em uma ocasião como esta? Eu nunca vi um unicórnio, mas quem me garante que não verei um amanhã mesmo? se não é possível provar que algo é inexistente? Não podemos saber, mas podemos tomar uma determinada posição a respeito. O melhor a se fazer é esperar que apareça alguma prova de sua existência ou alguma coisa que a reforce, sem acreditar que ela seja real, mas sem descartar totalmente a hipótese.

Isso foi só uma breve historinha que ilustra a forma que os crentes pensam: os ateus não acreditam na existência de Deus, mas não a comprovam. Se não se pode comprovar a existência de qualquer coisa que seja, fica a cargo de quem a afirma prova-la. Mas isso até mesmo os crentes admitem que não podem fazer. Mas eles sempre vão esbarrar em algo que não podem comprovar, por isso esta hipótese é tão difícil de ser sustentada. E sem comprovação, sem aceitação. Eles poderão alegar que não precisam de provas, mas somente ter fé. Mas, como disse Carl Sagan, eles não deveriam ficar tão chateados por não acreditarmos em algo que não pode ser provado, como meu dragão. Eu nunca vi um animal evoluir, mas tenho evidências que me asseguram que de fato eles evoluíram. Porém, não tenho nenhuma razão para crer em Deus. Quem o defende esta hipótese cairá inevitavelmente em um problema do qual não poderá resolver: como Deus, sendo perfeito pôde criar o imperfeito? Como Deus, sendo infinito pôde ter provocado um efeito finito? Como Deus, sendo espírito, pôde ser a causa de um universo material? Como Deus pôde criar alguma coisa do nada? Entre outros problemas talvez ainda mais complicados... A única maneira é dar como certo a existência dele, mas seria como a sátira da religião da Unicórnio Rosa Invisível: se não o vemos, então é obvio que ele é invisível. Se vocês não precisam de provas para crer, então por que acham que estão mais certos que alguém que cultua Apollo sem ter nenhuma prova assim como vocês? Podem vocês provar que Apollo não existe? Nem eu, mas também não escolho qual incoerência vou acreditar. Eu acredito no que tem provas, nada mais.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 16/08/2008
Reeditado em 16/08/2008
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