Embriões espirituais

“E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura” (1 Co 5:17a). “Em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus” (Jo 3:3). “Mas a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus, a saber, aos que crêem no seu nome; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus” (Jo 1:12-13).

A ciência moderna trouxe a possibilidade da fertilização “in vitro”, em laboratório, artificialmente. Para que isso ocorra, são coletados milhares de células reprodutoras masculinas (espermatozóides) e algumas femininas (óvulos), com as quais se formam artificialmente vários embriões. A partir de cada célula se pode formar um embrião. Para a geração de um novo ser, utiliza-se, normalmente, apenas um embrião, o qual é implantado no útero feminino para que se desenvolva no ambiente adequado. Os demais embriões são mantidos em estado de animação suspensa, podendo ser utilizados ou não para a geração de novos seres. A grande discussão de hoje é sobre a utilização desses embriões remanescentes para as experiências com células T, visando a cura de diversas deformidades congênitas. O debate fático gira em torno do embrião já ser ou não um novo ser. Segundo consta, a fase embrionária do ser humano é o período que demanda entre a fecundação e a oitava semana de existência. A partir daí, tem-se a fase fetal. É evidente que o embrião gerado por intervenção de terceiros é um ser humano em potencia. Sendo introduzido no ambiente adequado e se desenvolvendo, tornar-se-á uma nova criatura; caso contrário, será um ser humano inexistente, visto não haver nascido. Logo, salvo anormalidades, o desenvolvimento do embrião é a “conditio sine qua non” para o nascimento.

Muito bem. A ilustração ora apresentada tem por objetivo uma reflexão sobre a existência espiritual da “nova criatura”.

É sabido que o processo do novo nascimento tem início com a aceitação de Jesus Cristo como Senhor, através da confissão espontânea. Rm 10:9. “Se com a tua boca confessares a Jesus como Senhor...”. Mas, o simples fato de alguém declarar que aceita a Jesus como seu Senhor já caracteriza o nascimento da nova criatura? Essa é a questão, visto que muitas pessoas que têm dado esse passo não têm permanecido no ambiente de desenvolvimento, na igreja, tendo continuado com a mesma velha vida de antes. Outros tem permanecido no ambiente, mas não produzem frutos. Nesse caso, entendo que não houve o “novo nascimento”, posto que continua existindo a velha criatura. As Escrituras não concebem a possibilidade de existência simultânea do velho e do novo homem. Vários textos nos levam a esse entendimento. Am 3:3. “Andarão dois juntos, se não houver entre eles acordo?”. Mt 6:24. “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas”. Tg 4:4. “Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus”.

Outro ponto. Seria o batismo indicativo do novo nascimento? Há muitos que pensam afirmativamente a esse respeito e desejam ser batizados para se tornarem novas criaturas. Há, inclusive, quem acredite que somente será salvo se for batizado. De acordo com o Texto Sagrado, as coisas não são exatamente assim. Dentre esses: Jo 3:5. “A isso respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: Quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus”. Mc 16:16. “Quem crer e for batizado será salvo; quem, porém, não crer será condenado”. Lc 3:7-9. “Dizia ele, pois, às multidões que saíam para serem batizadas: Raça de víboras, quem vos induziu a fugir da ira vindoura? Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento [...]. E também já está posto o machado à raiz das árvores; toda árvore, pois, que não produz bom fruto é cortada e lançada ao fogo”. É evidente que os renascidos devem ser batizados, mas não é por ser batizado, que uma pessoa comprova que é de fato renascida. O batismo é símbolo de algo que já aconteceu na vida da pessoa. Mas, muitos vão ao batismo tentando fugir da “ira vindoura”, sem que o novo nascimento já tenha se operacionalizado em sua vida. Esse batismo não tem valor algum. Não demonstra que tal pessoa é discípula de Jesus e muito menos que seja renascida. Eu diria mais: tal ato é um pecado gravíssimo, falsidade ideológica (Mt 7:21), tomada do nome de Deus em vão (Ex 20:7), blasfêmia contra o Espírito Santo (Mt 12:31-32).

O novo nascimento é um ato processual. Tem início com a confissão de fé, se essa tiver sido sincera e espontânea, por meio do Espírito (Jo 16:8), a qual deve ser seguida de desenvolvimento. Há muitas pessoas que “aceitaram Jesus” há anos, mas ainda são carnais (1 Co 3:1, 3; Cl 2:18). Não se desenvolveram. Não tem ainda sequer os fundamentos dos apóstolos e profetas (Ef. 2:20). São embriões espirituais em estado de morte latente. Estão no ambiente propício – a igreja, mas não se desenvolvem. Cristo não está em suas vidas, as quais não passam de meros faz-de-conta. Eles fazem parte da igreja de Laodicéia, em que o Espírito do Senhor está fora de seus corações (Ap 3:20). Tais pessoas não nasceram de novo; são velhas criaturas; não produzem os “frutos dignos de arrependimento”; não estão salvas, mesmo que pensem o contrário. Jesus foi enfático: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus” (Mt 7:21). Ninguém é salvo apenas para ser salvo, como se fosse um espécime raro.

Somos salvos para fazermos a obra de Deus. A preguiça, a inércia, a frieza e o descompromisso não são atitudes típicas das novas criaturas. Quem se preocupa apenas consigo próprio e não faz nada em prol dos demais, ainda não sabe amar (1 Co 13:5). E se não ama os outros, não pode ser discípulo de Jesus (Jo 13:35), não pode ser filho de Deus, pois “Deus é amor” (1 Jo 4:8). Tiago diz que a fé sem obras não vale nada (Tg 2:14). “Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salva-lo?”. O “crente” sem obras é o joio que se parece com o crente, mas não é crente. Ele não é o bom trigo. Seu destino não é o céu, é o fogo (Mt 13:30). Ele é uma figueira cheia de folhas, mas sem frutos (Mt 21:19), uma árvore com desenvolvimento incompleto, um ser imperfeito porque não cumpre com suas funções de dar frutos.

Quando Deus nos legou Sua Palavra, Ele tinha em mente capacitar-nos para o processo de aperfeiçoamento, mediante a realização de boas obras (2 Tm 3:16-17). O ser perfeito, renascido, servo de Deus, faz boas obras. Quando Cristo, por meio do Espírito Santo, concedeu dons aos homens (Ef. 4:11), ele tinha em mente o ser perfeito, ativo, participativo, trabalhador, realizador de boas obras. Deus é trabalhador, Jesus é trabalhador, Adão, no Paraíso, era um trabalhador e nós também devemos ser trabalhadores (Jo 5:17; Jo 6:27; Lc 10:7). Com toda certeza, a salvação não é para os preguiçosos e acomodados. Não é para aqueles que se preocupam apenas consigo mesmos. Cada pessoa é salva para continuar a grande obra de salvação desencadeada pelo Senhor Jesus. Cada salvo deve, por conseguinte, fazer a sua parte na obra. Salomão diz: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso!” (Pv 6:6).

Por último, destaca-se que não estamos aqui pretendendo defender a salvação por meio de obras praticadas por nós. Absolutamente. Ef 2:8-9 deixa isso bem claro. A tese é exatamente o oposto disso. Não podemos fazer nenhuma obra para obtermos a nossa salvação. Somos salvos pela graça de Deus. Mas se fomos realmente salvos, é impossível que não consigamos produzir boas obras, obras que culminem com a salvação de outras pessoas. Nós somos os instrumentos cirúrgicos com os quais o Espírito Santo opera a salvação das pessoas. Nem que seja apenas um “copo de água fria” (Mt 10:42) para aliviar os sedentos enquanto não chega a “água viva” (Jo 4:10), existe alguma coisa que teremos condições de fazer. E tenho certeza absoluta, de que Deus nos capacita para produzir muito mais do que um simples copo de água. Todavia, não adianta termos o dom incubado, em estado de potência, como um germe ou embrião espiritual. É preciso agir de contínuo para desenvolvê-lo. Caminhemos com Paulo. Fp 3:13-14. “Irmãos, quanto a mim, não julgo havê-lo alcançado; mas uma cousa faço: esquecendo-me das cousas que para trás ficam e avançando para as que diante de mim estão, prossigo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus”. Não sejamos simples embriões espirituais, como incrédulos que nada fazem quando ouvem a mensagem, que entra por um de seus ouvidos e sai pelo outro sem nenhum proveito. “Não sejas incrédulo, mas crentes” (Jo 20:27). E que Deus abençoe o nosso progresso espiritual. Amém.