A lógica e os limites da linguagem no Tractatus Logico-Philosophicus de Ludwig Wittgenstein

No presente artigo proponho-me a fazer uma breve análise da obra Tractatus Logico-Philosophicus, única publicada em vida pelo filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein, considerado um dos principais expoentes da filosofia analítica contemporânea por contribuições nos campos da lógica e da teoria do conhecimento. Como metodologia, procurarei expor as particularidades da obra e das intenções do autor por meio de comentários e paráfrases sintéticas de seus escritos, com pretensão de construir uma visão abrangente do Tractatus e esclarecer seus principais elementos.

Ao escrever o Tractatus Logico-Philosophicus, Wittgenstein objetivava acabar com inúmeros questionamentos filosóficos que seriam frutos da falta de compreensão acerca da linguagem. Sua intenção não era a de respondê-los um a um, mas sim a de depurar a linguagem com que tentamos elucidá-los, expondo seus limites e evidenciando sua incapacidade para tal. O ponto central de sua argumentação é que a linguagem faz parte de um aparato representacional, e desta maneira podemos enunciar proposições com sentido apenas sobre aquilo que se apresenta na realidade. Desta maneira, proposições metafísicas nada dizem a propósito do mundo, uma vez que não remetem a nenhum estado de coisas objetivo.

Uma coisa que se destaca na leitura da obra analisada é a estrutura com que foi escrita. O livro é dividido em sete proposições principais que são destrinchadas em proposições de diferentes pesos lógicos, voltadas para a elucidação de aspectos menores ou específicos da teoria do autor. No entanto o atrelamento entre muitas das idéias expostas é apenas subentendido, uma vez que não há uma estrutura argumentativa definida. Na verdade, as idéias são expostas em uma estrutura de tópicos com diferentes níveis numericamente identificados, semelhante às estruturas de sumarização utilizadas em grandes textos acadêmicos, com a diferença que, ao invés de delimitar subtítulos que agrupam conjuntos de idéias inter-relacionais, a estrutura do Tractatus separa as próprias idéias, que são acompanhadas, no máximo, por pequenas explicações acerca de seus próprios desdobramentos.

Tentarei nos próximos parágrafos resumir algumas idéias essenciais do Tractatus e, para tanto, tomo a liberdade de concatenar arbitrariamente as idéias originais do autor. Além disso, utilizarei algumas exemplificações inéditas ou coletadas dentre obras diversas, não necessariamente vinculadas ao estudo wittgensteiniano, na tentativa de esclarecer certas concepções. Os principais conceitos ou asserções atribuídos diretamente ao Tractatus, embora possam divergir da terminologia clássica, serão indicados pela numeração utilizada na própria obra, facilitando a consulta e não prejudicando a exposição com repetidas citações. Espero que estes procedimentos acabem por facilitar a compreensão dos leitores eventuais, resultando num aparato textual que possa ser utilizado como introdução às noções-chave do primeiro Wittgenstein.

Primeiramente precisamos esclarecer a estrutura de mundo presente no Tractatus. Wittgenstein parte de uma concepção atômica/molecular para explicá-lo. Temos então o conceito de objeto simples (2.02), ou coisa, unidade elementar que pode ligar-se de diversas maneiras a outras coisas, formando assim estados de coisas (2). Estas ligações se dão em diferentes configurações, o que equivale a dizer que cada coisa contém em si mesma a possibilidade de ligar-se com todas as outras coisas de diferentes modos, e que as coisas estruturam-se, encadeando-se como os elos de uma corrente, numa espécie de efetivação de possibilidades relacionais que lhes são intrínsecas. Pois bem, os estados de coisas existentes são chamados de fatos (2), e a totalidade dos fatos é o que se entende por mundo (1.1). Faz-se importante destacar esta concepção de mundo, isto é, o mundo como totalidade dos fatos e não de coisas (1.1).

Wittgenstein afirma que figuramos os fatos (2.1) e que esta figuração representa uma situação possível naquilo que se chama espaço lógico (2.11), ou ainda a possibilidade de existência e inexistência de determinados estados de coisas no mundo (2.201). Desta maneira, podemos figurar todo um conjunto de fatos passíveis de existência, e esta figuração pode estar ou não de acordo com a realidade (2.21). Quando figuramos um fato que esta de acordo com a realidade, isto é, um fato existente, dizemos que nossa figuração é correta, ou ainda, verdadeira. Caso contrário, quando o fato que figuramos não esta de acordo com a realidade, mesmo que possamos concebê-lo como possibilidade, dizemos que nossa figuração é incorreta, falsa.

Segue-se explicando as particularidades das noções de figuração e espaço lógico. A figuração é como uma imagem que se faz do mundo. A figuração lógica dos fatos é o pensamento (3), e este pode ser expresso sensível e perceptivelmente em proposições (3.1). A totalidade das proposições é a linguagem (4.001), e esta é limitada pelo conjunto de figurações dotadas de sentido, ou seja, que representam a estados de coisas com possibilidade de existência. Essa limitação corresponde ao espaço lógico, donde se tira que toda figuração é também uma figuração lógica (2.182) e que o pensamento corresponde a proposições com sentido (4).

Percebe-se uma certa semelhança entre a estrutura da linguagem e a estrutura do mundo. Em verdade, para que nossas figurações representem algo da realidade, temos que conceber uma afinidade entre as formas desta estrutura, e esta pode ser evidenciada pela lógica. Os nomes simples utilizados nas proposições correspondem a coisas, e podemos descrever os fatos através de uma representação simbólica das relações ontológicas dentro da linguagem, de maneira que as relações são representadas por analogias ontológicas. Como a figuração também é um fato (2.141), podemos através do encadeamento de figurações, teorizar dentro do espaço lógico.

O filósofo afirma que tudo aquilo que podemos pensar, podemos também dizer, de forma que para podermos utilizar da linguagem para dizer coisas ilógicas, precisaríamos primeiro pensar ilogicamente, o que mostra-se impossível pela própria natureza das estruturas de pensamento. No fim das contas, a mensagem transmitida pela obra é a de que certas coisas não podem ser ditas, pois o dizer requer a obediência da linguagem as suas limitações de representação, mas podem, talvez, ser mostradas por meio das estruturas lógicas de nossa linguagem.

Ultrapassar os limites de uma linguagem, que consiste de representação, através da própria linguagem, não passa de contra-senso, uma vez que a transposição destes limites incorreria na perda de sentido dos enunciados. Mais do que isso, Wittgenstein afirma que mesmo que as respostas de todos os questionamentos levantados através da linguagem sejam conhecidas, os problemas de nossas vidas continuariam, pois a resolução dos problemas originados pela linguagem pouco importam.

Por fim, segundo o Tractatus, a tarefa da filosofia reside na clarificação da linguagem e de seus limites, sendo, portanto, uma atividade e não um conhecimento. A tarefa de descrição do mundo, efetuada através da linguagem, caberia às ciências naturais.

Bibliografia

WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosophicus. São Paulo: Edusp, 1994.

Guilherme das Neves Teixeira
Enviado por Guilherme das Neves Teixeira em 01/02/2009
Código do texto: T1416759