Quem pecou?

Izaias Resplandes

Caminhando Jesus, viu um homem cego de nascença. E os seus discípulos perguntaram: Mestre, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se manifestem nele as obras de Deus. – Jo 9:1-3.

O sofrimento nos faz julgar aquilo que não agradamos, principalmente por que nós julgamos conforme o que vemos, pelas aparências, pelo exterior, de acordo com os nossos pensamentos e com os conhecimentos que temos das coisas. E exatamente por isso, muitas vezes nós erramos em nossos julgamentos. Certa vez os fariseus criticaram a Jesus porque não se lavava antes de comer e o Senhor repreendeu-lhes por essa atitude, explicando-lhes o que era mais importante (Lc 11:38-39). Às vezes temos essa mesma atitude farisaica de dar mais importância ao detalhe do que ao todo, o que, sensivelmente, prejudica a qualidade do nosso juízo.

O melhor mesmo seria não julgar (Mt 7:1). Mas, se formos julgar, devemos buscar ver e procurar compreender o que se passa de verdade, para que possamos julgar com justiça (Jo 7:24). Um bom ponto de partida é crer que Deus não nos abandona. Crer que Ele não desampara os seus santos (Sl 37:28). Isso é necessário porque nós, por falta de visão, às vezes pensamos que estamos sozinhos, conforme se pode ver nos seguintes exemplos:

1) A visão do servo de Eliseu. Certa vez o rei da Síria queria prender o profeta Eliseu porque este comunicava ao rei de Israel os seus propósitos de guerra, de forma que sempre saía derrotado. Então mandou tropas para ir até Elias e o prenderem. Chegando ao monte onde ele estava, cercaram o lugar. De manhã, tendo se levantado cedo, o servo de Eliseu, o homem de Deus, viu que as tropas, cavalos e carros dos sírios haviam cercado a cidade e se desesperou sem saber o que fazer. Mas Eliseu, que via mais do que ele, orou e pediu a Deus que se lhe abrissem os olhos para que visse e “o SENHOR abriu os olhos do moço, e ele viu que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu” (2 Rs 6:15-17). A visão o deixou mais tranqüilo.

2) A visão de Pedro. Esse exemplo ocorreu quando Jesus foi preso no Jardim do Gtsêmani, quando seus discípulos se dispersaram, à presença dos soldados do templo. Naquela ocasião, Pedro, querendo defender a Jesus, desembainhou a sua espada golpeou o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha, mas Jesus mandou que ele guardasse a sua arma, dizendo-lhe que, se quisesse, poderia rogar ao Pai e este lhe mandaria naquele momento, mais de doze legiões de anjos para protegê-lo. Todavia, Ele tinha vindo ao mundo exatamente para aquele momento e a reação impediria o cumprimento das Escrituras (Mt 26:51-54).

3) A visão de Margaret. O poema “Pegadas na Areia”, de Margaret Fishback Powers, também mostra essa faceta humana de julgar pelas aparências. Ele diz assim:

Certa noite, sonhei que estava na praia

com o Senhor, e, através dos céus,

passaram cenas de minha vida.

Para cada ano que passava eram

deixadas dois pares de pegadas na areia,

um era o meu e o outro do Senhor.

Quando a última cena da minha vida passou

diante de nós olhei para trás e notei que,

muitas vezes no caminho de minha vida,

havia apenas um par de pegadas.

Notei também que isso só acontecia nos

momentos mais difíceis do meu viver,

isso aborreceu-me e perguntei

então ao Senhor:

- Senhor! Tu me deixaste… Por quê?

Se um dia me disseste que se eu resolvesse te

seguir, tu andarias sempre comigo.

Mas notei que durante as minhas maiores

aflições, havia na areia do caminho

da minha vida, apenas um par de pegadas.

Não entendo porque nas horas mais

difíceis de minha vida tu me deixaste.

O senhor me respondeu:

- Meu precioso filho, Eu te amo e

jamais te deixaria nos momentos

das suas provações e do teu sofrimento.

Quando viste na areia apenas um par de

pegadas, foi porque exatamente aí,

“Eu te carreguei nos braços.”

Nesse sentido, embora nós, em nossas avaliações tenhamos a idéia de que algumas coisas são boas para nós enquanto outras são ruins, devemos superar-nos para crer que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Rm 8:28). Também é preciso compreender que, para que as Escrituras se cumpram, as coisas devem acontecer conforme o previsto por Deus (Mt 26:54). O começo de uma coisa pode nos parecer ruim, mas ao final haveremos de concluir que tinha de ser do jeito que foi. Esse é um entendimento “a contrario sensu” de Pv 16:25: “Há caminho que parece direito ao homem, mas afinal são caminhos de morte”.

Não somos oniscientes. Nós vemos apenas o presente. Deus sabe tudo. Ele é o Senhor do passado, do presente e do futuro. Ele é o Senhor da eternidade. De forma que nós e Deus nem sempre pensaremos da mesma forma (Is 55:8-9). Nós nos perdemos em nossos pensamentos e filosofias (Ef 2:3; Cl 2:8). Deus não! Ele sabe o que é melhor para nós. Então, mesmo que nós não entendamos as coisas, “melhor é buscar refúgio no SENHOR do que confiar no homem” (Sl 118:8-9). O coração do homem faz planos, mas a resposta certa vem do Senhor (Pv 16:1).

Não raras vezes tenho me perguntado sobre o que tenho feito ou não para justificar as coisas que têm acontecido comigo e minha família. Tenho imaginado muitas respostas, mas não tenho certeza de nada. Tenho testemunhado de tantas coisas que aconteceram na minha vida, que no princípio pareciam ruins, indesejáveis, mas que depois se revelaram necessárias. Então, minha conclusão é que nem tudo o que nos acontece é consequência de pecado. Conforme as palavras de Jesus, algumas delas acontecem para que a glória de Deus possa se manifestar em nós. Foi o que aconteceu com o cego de nascença (Jo 9:1-3).

Diante disso, o ensino é no sentido de que devemos manter a nossa confiança em Deus, sem estranhar as coisas que acontecem conosco, como se fossem extraordinárias. É o que nos ensina o apóstolo Pedro em 1 Pe 4:12. Devemos olhar para os outros que às vezes sofrem mais do que nós. São tantas as testemunhas. E de todas elas, com certeza, Jesus é o maior exemplo. Quanta alegria haveremos de sentir após termos passado pela tribulação. Diz a Escritura que Jesus suportou a cruz com paciência e resignação porque tinha em mente a alegria que o seu ato possibilitaria, quando teria muitos irmãos ao seu lado (Hb 12:1-3). É preciso resistir até o sangue!

Por outro lado, se o que estivermos sofrendo for consequência de pecados praticados por nós, isso também poderá ser resolvido por Deus, se nele depositarmos a nossa confiança. Jesus deixou isso evidente em Mc 2:10-11 quando disse ao paralítico que seus pecados estavam perdoados. Além disso, diz a Escritura que a oração da fé salvará o doente e se tiver pecado, esses serão perdoados (Tg 5:15). Diante disso, creio que uma boa oração seja no sentido de pedirmos ao Pai que nos dê a visão do que está oculto, para que vendo não tenhamos mais dúvidas de que estamos protegidos por Ele; ou ainda, para que aumente a nossa fé nEle, porque, de fato, nós somos homens de pequena fé (Mt 6:30; 14:31; 17:20; Lc 17:5; Jo 14:13-14; 15:7).

A conclusão, portanto, é no sentido de que não devemos julgar apressadamente qualquer coisa ou fato como bom ou ruim. Pelo contrário, devemos buscar compreender qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus, tendo olhos para ver, principalmente os olhos da fé, que vêem as coisas que ainda não estão visíveis, para que renovemos nossa convicção, certeza e esperança de que há um futuro melhor para nós, ainda que o presente não se apresente tão agradável, porque Deus nos ama e nada, nada mesmo pode nos separar do seu amor que está em Cristo Jesus, nosso Senhor (Rm 8:38-39). Que assim seja!