Medicina Popular Brasileira (4)

                         "As plantas brasileiras não curam, fazem milagres" 
                                               Karl Friedrich von Martius (1794-1868)

     Através desta coluna, tentaremos colocar em evidência esta medicina milenar, que surpreendentemente ainda sobrevive, apesar das adversidades e da ameaça de destruição de seus principais recursos medicinais: os vegetais. Tal medicina, aqui no Brasil, se formou e se desenvolveu devido a confluência de três correntes culturais básicas: a cultura negra africana, a indígena, e a cultura ocidental, especialmente a portuguesa. Atualmente se torna muito difícil identificar tais influências já que o contato mais íntimo entre essas culturas tem sido uma característica fundamental da formação social brasileira. E tal intimidade cultural decorreu principalmente da maneira, como foi realizada a colonização e consequente escravização das raças negras e indígenas pelos portugueses.
     Os portugueses, preocupados em garantir a produção de uma mercadoria que obtivesse na Europa altos lucros e a baixo custo, implantaram, no Brasil, a cultura canavieíra e a manufatura do açúcar, na época uma especiaria muito valiosa e cobiçada no mercado europeu. Mas para isso necessitavam de mão-de-obra barata e em abundância. Como de início os indígenas reagissem à escravidão e a submissão a um tipo de trabalho para o qual não possuiam tradição cultural na medida em que eram povos essencialmente coletores e caçadores e somente eventualmente agricultores e assim mesmo de produção exclusiva para a subsistência, os portugueses tiveram que trazer da África para o Brasil, a ferro e fogo, as tribos africanas de raça negra. E com isso trouxeram seus remédios vegetais, assim como novas doenças que se incorporaram ao formulário popular brasileiro.
     Mas para que o processo de colonização surtisse efeito era necessário igualmente escravizar, domesticar, impedir a cultura negra e indígena de se manifestar, sempre que tais culturas prejudicassem a implantação da monocultura do açúcar. Com isso a cultura popular somente pode se reproduzir de modo marginal e fragmentário e assim a medicina popular, representação legítima dos povos negro e indígena, não pôde escapar dessas imposições políticas econômicas e, se, hoje em dia, ainda podemos constatar a sua sobrevivência é porque ela sempre teve raízes profundas na consciência popular que, apesar de tudo, sempre reconheceu a sua eficácia e a sua legitimidade.
     E pode-se localizá-la em qualquer cidade brasileira, com seus curandeiros, mateiros, benzedeiras, parteiras, umbandistas, que se dedicam, profissionalmente ou não, a receitar chás, garrafadas, banhos e rezas, para as doenças mais costumeiras e mais facilmente diagnosticáveis e principalmente quando o médico desengana o paciente que, desesperado, procura um último recurso para se recuperar de, uma enfermidade de prognóstico desfavorável. E não raras vezes, tal medicação tem sucesso, ainda que seja, em certos casos, difícil avaliar o verdadeiro agente curativo, tal a quantidade de plantas medicinais utilizadas, além do efeito persuasivo dos rituais de benzeção utilizados para vencer a moléstia.
     Assim, pode-se encontrar conhecimentos de grande importância no discurso de um curandeiro popular, ainda que não saiba as razões científicas que explicam a superação de uma crise renal com a utilização de um chá preparado com os estigmas do milho (cabelo de milho). Tudo que o curandeiro sabe está incorporado de tal maneira ao seu estilo de vida que mal consegue se aperceber da importância que tais plantas, de grande efeito curativo, possuem para a ciência e para o desenvolvimento do país. E a medicina popular brasileira talvez possa ser considerada a mais privilegiada, na medida em que a flora brasileira oferece em abundância recursos medicinais em quantidade e qualidade que não se encontrou ainda em nenhum outro país.

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1) Publicado no Correio do Sul de Varginha (MG) em 03/04/1990.
2) Publicado no jornal Folha de Magé de Magé (RJ), em 02/11/1979.