OS MELHORES POEMAS BRASILEIROS - UMA VISÃO CRÍTICA

Para um país que tem o português como língua materna e que traz em seu bojo uma infinidade de sons e tônicas, rimas e ritmos, fica difícil eleger “os melhores” poemas já escritos. Na virada de século muitas compilações foram produzidas sob este título e sempre haverá um ponto de discórdia, entre curadores, autores e leitores. Como este é um aspecto que trata de opinião, considero “A máquina do mundo” de Carlos Drummond de Andrade um ícone da literatura brasileira, tanto no aspecto estético de uma poesia, a princípio, “non-sense”, como na mensagem que aborda os dois Brasis que existem – até hoje – e que convivem em constante beligerância. O ritmo dos tercetos também fazem com que o leitor devore o texto várias e várias vezes, sempre com um paladar diferente da vez anterior; aliás, a tônica drummondiana é realmente falar das trivialidades da vida de maneira sofisticada.

Drummond também acerta quando escolhe as palavras de forma equilibrada e certeira, como uma adaga afiada que penetra o órgão mente-coração presente em toda a raça humana; desde seus primeiros poemas até suas poesias póstumas, Drummond passeou no ritmo, na melancolia e na sofisticação das palavras. Em todo o percurso, foi gênio e vanguardista. Outro poema que vem de encontro com este ritmo e esta melancolia é “No meio do caminho”. Este poema é como um novelo de lã sendo eternamente desfiado aos olhos do leitor; não há quem o leia e não se sinta no meio do caminho com as pedras da vida ao redor. Escrever um poema desta natureza para um encontro de artistas de tamanho calado, como foi a Semana de Arte Moderna de 1922, era assinar seu atestado de óbito ou receber a imortalidade de quem nunca mais sairia do contexto literário da Nação. Para nossa alegria, a 2ª opção prevaleceu e hoje podemos recitar e recontar este poema e sua história de forma efusiva. Não apenas a estética e a cadência, mas a coragem de se escrever tal texto diante de um público notório. Era um cheque em branco que, felizmente, foi devidamente preenchido e compensado.

Mas, nem só de Drummond vive a poesia brasileira, mesmo que minha opinião admita que ele é absoluto em termos de literatura do século XX. Temos a antípoda do cotidiano seco e cinza de Drummond que é a poesia romântica e cintilante de Vinícius de Moraes. Vinícius é importante não só para a literatura brasileira como também o é para o único movimento musical genuinamente tupiniquim que alcançou o mundo inteiro – a bossa nova – e se ele não foi o pai da criança, com certeza é o padrinho-mor com sua inegável contribuição artística. Se Drummond é um novelo a desfiar, em um monótono tom cinza, Vinícius é o desabrochar multicor de flores formadas por letras e ritmo. Porém, usando mais rima do que ritmo, Vinícius traz pérolas como “Soneto de Fidelidade”, “Poética” e a pouco conhecida “Acontecimento”. Suas rimas conseguem ser, às vezes, previsíveis, mas são inteligentemente colocadas à nossa disposição para saborear de forma plena.

Finalizando, há que citar Ferreira Gullar e sua poesia social, comprometida com a denúncia e a luta da substância contra a forma. No caso, “Poema sujo” serve de parâmetro para ser lido até os dias de hoje, assim como “Agosto 1964” também é marco na poesia de denúncia. Não faço apologia de que poesia deve ser apenas para denúncia ou para engajamento, mas também tem que ser. Porém, o protesto para obter êxito tem que partir de mentes privilegiadas e comprometidas com uma ética universal, valores que interessem a toda uma comunidade, seja de que tamanho for, e o maranhense Gullar sabia o que estava fazendo. Há quem diga que é o nosso “último grande poeta”, há quem discorde, mas a arte é assim interessante por este óbvio motivo: criar polemica, discussão e debates.

Não se pretende aqui estabelecer uma verdade absoluta, mas delinear uma visão crítica de como evoluíram os poemas brasileiros ao longo do século XX. Para mim, poesia boa é aquela que pode ser lida em qualquer idade e que se renova com o passar dos anos. Neste caso, as letras não são mágicas. São apenas inteligentes.

Marcelo Lopes
Enviado por Marcelo Lopes em 10/06/2005
Reeditado em 10/06/2005
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