Povo das Plantas

Povo das Plantas

Gustav Theodor Fechner, lá pelos idos de 1839, cismou de olhar fixamente o sol para atinar sobre os padrões de imagem que se fixam na retina. Gustav era professor de física na Universidade de Leipzig. Com os esforços advindos dessa experiência ganhou de presente uma cegueira momentânea, passou três dias e três noites trancado no quarto em oração e, quando sua vista voltou ao normal, adentrou no caminho da filosofia. Foi numa manhã de primavera que ele passou a “enxergar” a alma das plantas.

Gustav nasceu em 19 de Abril de 1801 e até então, sua trajetória cumulava 40 ensaios de leque variado, desde correntes elétricas a percepção das cores. Após o susto e o “insight”, Fechner publicaria, em 1848, para repúdio geral de seus colegas acadêmicos, “Nanna, ou a vida espiritual das plantas”, obra que caiu no gosto popular e continuou a ser reimpressa por mais de meio século após a primeira edição.

“Todas as coisas manifestam de diferentes maneiras a mesma anima mundi, ou alma cósmica, que entrou em existência com o universo, que é sua consciência e que só morrerá se – e quando – o universo morrer”.

Médico, professor de física, filósofo, considerado um dos mais versáteis pensadores do século XIX, Fechner assumiu a cadeira de filosofia da Universidade de Leipzig e focou sua caminhada no subjetivo da vida e no que ele sinceramente acreditava – na alma das plantas.

Depois de “Nanna...” ele produziu mais três obras, igualmente excomungadas por seus pares e igualmente dignas da atenção do público. Numa delas, o autor divide a vida humana em 3 etapas: a do sono contínuo, equivalente ao período que vai da concepção ao nascimento, outra, chamada de vida terrestre, cingida por um estado parcial de vigília, e o terceiro estado, denominado por ele de conhecimento integral, que só começaria após a morte.

“A alma recebe sensações, explicava ele, de maneira análoga a uma aranha que é alertada pela própria teia de influências externas. Com as plantas acontece o mesmo, seu sistema nervoso, oculto, deve ter similaridade com os nervos espirituais do universo, responsáveis pela interconexão dos corpos celestes, que não são sustentados por cordas colossais, mas graças a uma trama unificada de luz, gravidade e forças desconhecidas”.

Fechner pensava na conexão do cosmo com as plantas.

Depois de “Nana...” ele escreveria “Pequeno livro da vida após a morte”, “Anatomia comparada dos anjos” e “Zendavesta”. Nesse último, ele se antecipou à física quântica, argüindo serem os átomos centros de energia pura, integrantes de uma “hierarquia espiritual”.

Os mais caridosos de seus contemporâneos rotulavam seu trabalho de “uma visão idealista da realidade”.

Em sua busca, Fechner indagava: por que achar que uma planta tem menos sensação de fome ou sede que um bicho?

Lembrando a metodologia da ciência a qual se formara, o cientista-filósofo relatou com precisão acadêmica os sistemas de distribuição das espécies, dentre os quais um tipo particular de cogumelo que espera ser esmagado para produzir uma nuvem de pequenos esporos, que por fim são carregados a grande distancia pelos ventos, descreveu como o bordo ejeta sementes e observou como as árvores frutíferas induzem aves, animais e homens a espalharem suas sucessoras. Unindo o poético ao científico, o sábio alemão cogitou: não seria uma das finalidades dos humanos servir a vida vegetal, emitindo dióxido de carbono para as plantas e adubando-as com seus corpos após a morte?

Fechner partiu para a etapa do “conhecimento integral” em 1887. Deixou um legado digno do sentido supremo do ser humano, tão logo ele esteja apto a atingi-lo. Entre suas reflexões, encontra-se a expressão “povo das plantas”, e as seguintes considerações: vivendo calmamente onde vegetam, o povo das plantas deve estranhar esses desenraizados bípedes humanos, que não param de correr sem destino. Além das almas que se atropelam, berram e devoram, não há de haver almas que desabrocham serenas e exalam perfume e saciam com o orvalho sua sede e com o brotamento seus impulsos? O próprio perfume, serve para que as flores se comuniquem entre si, uma se advertindo da presença da outra por meio mais agradável que a verbosidade e o hálito dos seres humanos, aquela raramente gentil, este raramente cheiroso. De dentro vem a voz, e de dentro vem o perfume. Assim como se reconhece no escuro uma pessoa pelo tom de sua voz, reconhece-se uma flor pela qualidade de seu perfume. Cada qual carrega a alma de seu progenitor”.

Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 27/07/2010
Reeditado em 13/10/2012
Código do texto: T2402652
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