PROVAS E EVIDÊNCIAS

Muitos hão de achar este artigo tolo e desnecessário, mas vejo, pelos debates que tenho tido na internet, que muitas pessoas não sabem a distinção entre provas e evidências. Dizem que a ciência trabalha com evidências, mas muitos ficam indignados quando eu digo que a ciência não prova coisa alguma. Muitos não entendem um argumento que já virou clichê dos ateus, mas que tem inegável correção: não se pode pedir evidências de inexistência, apenas de existência. Enquanto muitos teístas acham que essa afirmação está equivocada, clamam que possuem evidências da existência de Deus. Eles possuem evidências ou provas? A ciência prova alguma coisa? É possível uma evidência de Deus? É possível provar ou evidenciar inexistência? Para responder isso é preciso entender a distinção entre uma coisa e outra.

Uma prova é uma demonstração de que o contrário de uma certa afirmação é logicamente impossível, quer seja por ela ser absurda, quer seja por ela ser contraditória. Uma prova jamais pode ser derrubada ou refutada, uma vez que uma conclusão contrária a dela é algo logicamente absurdo. As provas também são independentes das experiências. Quando algo está provado, não é necessário experiências a fim de fortalecer a prova. Nesse sentido, apenas a matemática e a lógica podem fornecer provas. Por outro lado, uma evidência é a apreensão sensível de um dado objeto. Outros preferem dizer que é a manifestação do objeto, mas acho essa definição demasiado objetiva e arrogante. Prefiro dizer que as evidências se limitam a percepção de algo, quer ele exista ou não. Desta forma, uma evidência não é uma prova de algo, uma vez que ela não é capaz de demonstrar que seu contrário é impossível. Se vejo uma pedra, por exemplo, tenho uma evidência, mas ela não prova que a pedra existe, pois seu contrário, ou seja, que a pedra não existe, não é logicamente impossível. Não é impossível que não exista nenhuma pedra diante de mim e que eu esteja apenas delirando, portanto, evidências não servem como provas. A única coisa que a evidência prova é ela mesma: é impossível que eu não esteja vendo uma pedra no momento em que esteja a vê-la. Mas disso não posso concluir pela existência de algo que vai além da minha experiência. Só posso concluir a existência da experiência, não do objeto dela.

Isso não quer dizer que as evidências sejam algo desprezível, irrelevantes ou indignas da ciência e da filosofia. As evidências são os melhores guias que dispomos no cotidiano, e ignorá-la quase sempre resulta em eventos um tanto desagradáveis. Se elas são capazes de fundamentar o conhecimento é algo discutível (eu, por exemplo, defendo que não), mas que, na vida prática, não dispomos de um melhor critério de ação, disso não tenho dúvidas. A ciência, bem como o senso comum, trabalha apenas com evidências. Não importa se o que se experimenta faz ou não faz sentido, o cientista sempre deve dar razão a experiência. No entanto, para não cair nos erros ingênuos do senso comum, a ciência estipula uma série de evidências “intermediárias” entre um evento e outro. Não basta observar que uma certa planta cura uma certa doença, como faz o senso comum. É preciso colher evidências que liguem uma coisa à outra. Talvez por isso Bertrand Russell chamava a ciência de “senso comum refinado”. O conjunto de evidências que formam o corpo de uma teoria científica jamais será prova de coisa alguma, uma vez que nada garante que o futuro será como o passado (o que Hume chamava de “Princípio de Uniformidade da Natureza”), que amanhã a velocidade da luz não mude, por exemplo. Mas a lógica e a matemática não são muito úteis na nossa vida diária, daí surge a grande importância da experiência e das evidências como critério de ação cotidiana. Daí também surge a importância da ciência e sua superioridade em relação ao senso comum, à magia e à superstição, que não têm a preocupação de reunir evidências que interliguem os eventos e que expliquem suas relações. Por conta disso, a ciência não prova, mas evidencia e/ou comprova.

Como evidência é manifestação ou, mais honestamente, apreensão sensível, não faz sentido exigir evidência do que supostamente não existe. Se somente o que existe pode mostrar-se e manifestar-se, pedir evidências do que não existe é o mesmo que pedir para que algo que não existe se manifeste ou apareça! Não quer dizer também que não se possa apresentar evidências de inexistência em casos restritos. É exatamente isso que tentam fazer, com certa desonestidade ou ingenuidade, os opositores desse argumento. Eu posso apresentar evidências de que não existe um dragão (visível) de três metros na minha garagem. Basta abrir a portar e ver o que há no interior da garagem. Se, dentre as coisas com três metros existentes lá, nenhuma for um dragão, então a evidência foi apresentada. Todavia, não é isso que querem dizer com “Não se pode apresentar evidências de algo supostamente inexistente”. Aqui, o objeto não está limitado por uma pequena porção do espaço. Significa que não se pode apresentar evidências de inexistência em todos os pontos do universo, pois para isso seria preciso observa-lo completamente, e ao mesmo tempo! Voltando ao exemplo do dragão, dizer que não se pode apresentar evidências de sua inexistência significa dizer que não podemos observar todos os lugares do universo ao mesmo tempo a fim de saber se alguma delas corresponde a um dragão de três metros. Se o espaço for limitado, é possível apresentar evidências de inexistência, mas não se ele for ilimitado.

Todavia, já vi muitas pessoas repetirem esse clichê erroneamente, dizendo que não se pode provar inexistência. Bem, isso é um erro. Aqui já é diferente. Estamos falando de provas, não de evidências. Provas não exigem que o ser supostamente inexistente apareça ou se manifeste. Inexistência pode sim ser provada, embora não possa ser evidenciada. Não obstante, não são todas as coisas, em todas as circunstâncias, que podem ter sua inexistência provada. É possível provar, por exemplo, que não existe um triângulo de quatro lados, uma vez que triângulos sempre tem três lados, por definição, e uma figura de quatro lados não pode ser um triângulo. Todavia, não posso provar que não existe um triângulo no centro do Sol, uma vez que isso não encerra nenhuma contradição lógica nem um erro de definição. Com isso não quero dizer que o universo tem que seguir um padrão lógico, que ele seja onto-lógico, apenas que podemos comprovar a inexistência de certas coisas se o que se atribui a ela for o contrário da sua definição. Mesmo que seja logicamente impossível algo ser e não ser X, isso não é uma prova de sua inexistência se X não representar sua definição. É muito difícil para nós lidarmos com contradições desse tipo, mas isso se dá porque estamos acostumados a pensar que o mundo é lógico, e algo que é ilógico simplesmente não existe. Essa é uma crença metafísica que, na minha opinião, deve ser abandonada. É verdade que não podemos entender o ilógico e o irracional, mas não podemos excluir a possibilidade da existência deles.

O postulado onto-lógico do mundo é uma crença metafísica, e a ciência não lida com ela. Isso porque não se pode obter evidências de que ela esteja correta (ou errada). Não é possível observar a lógica do mundo – só é possível observar o mundo. Dizer, pelas observações feitas, que o mundo é lógico é um salto indutivo muito grande e uma conclusão muito forte para um argumento. Seria melhor sermos mais modestos e dizer apenas que todos os fenômenos observados obedecem a princípios lógicos. Assim como a lógica não pode ser experimentada, Deus, na maneira como é comumente representado no Ocidente, também não pode sê-lo. Assim sendo, quando alguém diz que tem evidências de deus, está mentindo ou enganado. Como podemos ter evidências de algo que não se manifesta empiricamente? Essa é uma contradição lógica que vale a pena ser observada. Tenho evidências de uma pedra se vejo ou toco uma pedra. O que seria ter evidências de Deus? Vê-lo? Mas ele é invisível. Ouvi-lo? É pouco provável que ele fale uma língua parecida com a nossa e, mesmo assim, como saber se se trata mesmo de Deus? Além do mais, evidências, no sentido científico, são públicas, e não privadas. Alguém que afirme ter evidências de Deus provavelmente está dizendo que ela é acessível às demais pessoas, caso contrário, sequer deveria utilizar esse termo.

No entanto, alguém que afirme ter evidências de Deus pode não estar falando de evidências diretas. Se chego em um lugar qualquer e vejo pegadas, isso pode servir de evidência de que alguém andou naquele lugar, mesmo que eu não esteja vendo-a no presente momento. Assim, o mundo ou alguma coisa particular pode servir de evidência que aponte para algo que o criou, mesmo que não sejamos capazes de obter evidências diretas dele. Resumidamente, a complexidade do mundo e da vida fornece fortes evidências para a existência de um ser inteligente que os teria criado, e que é distinto deles. Teoricamente é um argumento válido, mas a análise das suas teses revelam que ele é demasiado ingênuo. Esse pensamento é semelhante ao senso comum, à magia e à superstição. Todas essas coisas são sustentadas por "evidências", mas será que são boas associações? Onde estão as evidências de que um ser imaterial pode criar um mundo material? Como ele teria feito isso? Apenas com o poder da mente? Onde estão as evidências de que isso é possível? Onde estão as evidências de que um ser imaterial pode ter inteligência ou até mesmo uma mente? A inteligência, obviamente, não é algo material, mas não temos experiências de seres inteligentes que não tenham pelo menos um "hardware" material. Essas associações são vazias porque não estabelecem evidências intermediárias entre um evento e outro, não apresenta evidências que expliquem como isso é possível. Mesmo que aceitemos que a ordem e complexidade do mundo apontam para um inteligência, não podemos aceitar que ela pertença a um ser imaterial, pois não temos evidências de seres inteligentes imateriais e nem de coisas materiais sendo feitas por seres ou mentes imateriais (sem dúvida usamos nossa mente para produzir, algo, mas não apenas a mente). Sendo assim, não existem evidências diretas ou indiretas de Deus.

Uma prova da existência de Deus é algo ainda mais complicado, pois para isso seria preciso demonstrar que é impossível que Deus não exista, ou que ele existe por definição, como tentou fazer Anselmo, Descartes, Hegel, Gödel, entre outros, mas como Kant e Russell já demonstraram, a existência não pode ser tomada como predicado de um sujeito, sendo assim, é excluída a possibilidade de que algo exista a priori. Tomás de Aquino tentou fazer algo parecido, com seu argumento do possível e do necessário. Aquino põe Deus como condição necessária da existência dos seres. Sendo assim, seria impossível que Deus não existisse, uma vez que, sem ele, nada mais existiria. O argumento é parecido, mas o erro é diferente. Não sei como Aquino chegou a essa conclusão de que Deus é um ser necessário a existência dos outros seres, mas ela não procede. Quando digo “triângulos existem”, Deus não está implícito na proposição, logo, não é necessário. Deus não é condição para a existência de triângulos. A condição é ele ser um polígono e ter três lados. Portanto, nada de Deus como ser necessário.

Sendo assim, qualquer tentativa de fundamentar a teologia na ciência é inútil, pois não se pode ter evidências empíricas (sei que é redundante, mas foi para reforçar) da existência de Deus, quer seja direta ou indiretamente. Também não se pode provar que Deus existe necessariamente. Da mesma forma, as evidências científicas não servem como prova de fenômenos e eventos. Uma evidência prova apenas a si mesma, não a existência de algo que lhe é exterior, mas do qual ela supostamente dependa. Uma vez que as evidências são eventos subjetivos, é possível que não correspondam a nada que lhes seja exterior ou diverso, embora elas sempre sejam nosso melhor guia de ação. Compreender isso é compreender o sentido do verdadeiro ceticismo.

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 08/08/2010
Código do texto: T2425908
Classificação de conteúdo: seguro