QUAL A DIFERENÇA ENTRE ATEÍSMO E AGNOSTICISMO?

Toda pergunta exige um conjunto específico de respostas possíveis. Assim, se eu pergunto a alguém qual sua cor favorita e qual sua fruta predileta, e essa pessoa responde “maçã” para a primeira pergunta e “vermelho” para a segunda, podemos concluir que ele inverteu a ordem das respostas, pois “maçã” não é uma resposta possível para a primeira pergunta, uma vez que não existe uma cor chamada “maçã”. Do mesmo modo, conceitos como ateísmo e agnosticismo são respostas possíveis para perguntas distintas. O primeiro se refere à pergunta “Você acredita em Deus?” e o segundo à pergunta “Você acha que é possível provar a existência de Deus?”. Como se vê, a resposta da segunda pergunta nunca implicará em ateísmo. Da mesma forma, a resposta da primeira não implicará jamais em agnosticismo. São posturas incomensuráveis, pois tratam de problemas distintos. Comparar um com o outro é como comparar uma fruta com uma cor, e perguntar qual das duas tem o melhor sabor.

Ainda existem muitas confusões em torno desses dois termos, justamente por se pensar que são posturas comensuráveis. Aqui não se trata de uma reta onde, em uma ponta se tem o teísmo, na outra o ateísmo e no meio o agnosticismo. Embora tanto na questão em que o ateísmo é uma resposta plausível quanto na que o agnosticismo é razoável existam a palavra “Deus”, os requisitos para se ter uma resposta satisfatória para ambas as questões são outros. A pergunta cuja resposta pode implicar em ateísmo se refere a crenças, enquanto a pergunta cuja resposta pode implicar em agnosticismo se refere a conhecimento. Mesmo que qualquer um que tenha conhecimento também tenha crença, uma vez que conhecimento é uma crença verdadeira justificada, o oposto não é necessariamente verdadeiro. Nem é necessariamente verdadeiro que quem não tem nenhum conhecimento e nem espera ter não possa ter uma crença. Era exatamente assim que pensavam os fideístas. Enquanto o ateísmo se refere a uma questão teológica, ou seja, uma relação subjetiva com a divindade, o agnosticismo se refere a uma questão epistemológica, que diz respeito à possibilidade ou impossibilidade de ser conhece Deus. E o agnosticismo representa apenas essa segunda correte, dos que defendem ser impossível saber se existe ou não existe algum Deus.

De acordo com o senso comum, agnóstico é uma pessoa que não acredita nem desacredita na existência de Deus, ao passo que ateu é quem desacredita, fazendo com quem o agnosticismo pareça um posicionamento mais razoável que o ateísmo, que nega a existência de Deus sem dispor de nenhuma prova. Essa definição é tão errônea que contradiz a si mesma. Vejam bem: alguém que não acredita, desacredita, certo? Sendo assim, alguém que não desacredita, acredita (a negação de uma negação é uma afirmação). Dizer que alguém não acredita mas não desacredita é o mesmo que dizer que esse alguém desacredita (que é o mesmo que não acreditar) mas acredita (o mesmo que não desacreditar), o que é, obviamente, um absurdo. Não existe meio-termo ou alternativa entre acreditar e desacreditar, de modo que nunca temos um agnóstico se perguntarmos apenas a alguém se ela acredita em Deus. Outro erro comum, que se popularizou principalmente por conta da obra de Richard Dawkins, é achar que agnóstico é quem considera iguais a probabilidade de Deus existir e não existir. Isso também é contraditório com a própria definição do termo “agnosticismo”, pois, como veremos, agnósticos consideram que nunca poderemos saber se Deus existe ou não. Dizer que a probabilidade de existir e não existir é uma afirmação epistêmica, algo que os agnósticos se recusam a faze, além de ser algo totalmente sem sentido, pois, como alguém pode saber que a probabilidade de Deus existir e não existir são iguais? Bem, de acordo com a Enciclopédia Britânica on-line, agnosticismo é a doutrina que afirma que não podemos conhecer nada além dos fenômenos da experiência¹ – inclua “Deus” aqui. O termo é derivado de duas palavras gregas, “gnosis” que significa conhecimento, e o prefixo de negação ou exclusão “a”, que quer dizer “sem”. Agnosticismo seria, portanto, “sem conhecimento” de coisas sobrenaturais, metafísicas e de Deus. No entanto, não se trata apenas de um desconhecimento momentâneo ou limitado pelos métodos de investigação, mas limitado pela própria capacidade humana. Os nossos sentidos, os únicos meios pelos quais poderíamos adquirir alguma forma de conhecimento, são insuficientes e inúteis quando se trata de investigar algo metafísico, fazendo com que a questão a respeito da existência de Deus seja, para os defensores do agnosticismo, um enigma indecifrável.

Se o agnosticismo é a doutrina que diz que não podemos conhecer Deus, então em que acreditam os agnósticos? Que respostas dão à pergunta “Deus existe?”. O leitor ingênuo responderá prontamente: dirão que não sabem, oras. Mas o que está sendo perguntando é se eles acreditam, não se sabem se Deus existe. Que eles não sabem isso é obvio, caso contrário, não seriam agnósticos. Acontece que não faz sentido responder “Não sei” para essa pergunta. É claro que podemos dizer que não sabemos se Deus existe, ou se existe vida em Marte, ou se existe água na Lua, mas não faz o menor sentido dizer que não sabemos se acreditamos ou não em algo. A diferença é que aquelas coisas são objetos do mundo, exteriores a nós, enquanto nossas crenças são estamos mentais, são internos e temos conhecimento deles não através dos sentidos, como ocorre com o mundo ao nosso redor, mas imediatamente. Não podemos ter dúvidas de que pensamos, e Descartes já nos disse isso. Crenças, assim como pensamentos, são estados mentais, e não existe possibilidade de não sabermos se as temos ou não. Outra abordagem de agnosticismo, que já foi refutada no parágrafo anterior, afirma que agnosticismo é considerar iguais as chances de Deus existir e não existir. O paradoxo inerente à afirmação de que alguém não acredita, mas não desacredita em Deus (que é equivalente a dizer que acredita e não acredita ao mesmo tempo) também refuta essa definição de agnosticismo dada por Dawkins. Se perguntarmos a este ser que afirma que a probabilidade de Deus existir é igual à de não existir se ele acredita em Deus ele não poderá dar outra resposta a não ser sim ou não. Assim sendo, mesmo que Dawkins estivesse certo, isso não tornaria o agnóstico algo diferente, mas do mesmo gênero de teísmo e ateísmo. Desta forma, voltamos à pergunta: agnósticos acreditam que Deus existe? Como sabemos, só existem duas respostas possíveis para essa pergunta: sim e não. Se respondermos que sim, então agnósticos são teístas; se respondermos que não, são ateus. Qualquer resposta diferente disso encerra uma contradição dos termos ou uma incoerência. Mas antes, vamos falar um pouco de ateísmo.

Assim como existe uma visão deturpada do agnosticismo por parte do senso comum, também existe esse tipo de visão por parte do ateísmo. Tais preconceitos são, inclusive, adotados por pessoas que se põem a estudar sobre o assunto, mas não conseguem ir além de definições simplórias e indolentes adquiridas nesse senso comum. Comumente, ateísmo é visto como a concepção, a doutrina, a ideia ou a afirmação de que Deus não existe. Mas isso é um erro. Ateus não precisam necessariamente declarar que Deus não existe, apenas não ter crença na sua existência*. À primeira vista, ambos parecem ser a mesma coisa, o que faz com que o foi dito pareça apenas um jogo retórico e um engodo. Mas uma análise mais aprofundada nos mostra que existe sim uma grande diferença entre acreditar que algo não existe e não creditar que algo existe. Crenças só tem sentido se relacionadas com proposições. Assim sendo, a crença de que Deus existe é a crença de que a proposição “Deus existe” é verdadeira. Crença na inexistência de Deus é aceitação da proposição oposta, isto é, “Deus não existe” como verdade. Quem não tem crença não aceita nenhuma das duas proposições como verdadeiras. Desta forma, ateu é quem não aceita como verdade a proposição “Deus existe”, mas não é necessário que aceita a verdade de “Deus não existe”. Não acreditar em P é diferente de acreditar em não-P. É obvio que quem acredita que Deus não existe (não-P) não pode acreditar, ao mesmo tempo, que Deus existe (P), mas alguém pode não acreditar em nenhuma das duas proposições. Tanto o que acredita em não-P, quanto o que não acredita em nenhuma das duas são ateus. Isso porque ateu é qualquer um que não aceite P (“Deus existe”) como verdade, ou seja, quem não acredita na existência d Deus, não alguém que aceita não-P como verdadeira, isto é, que Deus não existe.

Mas quem não acredita que Deus existe nem que não existe não é agnóstico? Absolutamente não! Como já foi dito, agnosticismo não se refere a crenças, mas à possibilidade do conhecimento acerca de Deus ou de entidades metafísicas. O agnosticismo não decorre da pergunta “Você tem alguma crença em Deus?” ou “Você acredita em Deus?”. Diante dessas perguntas, só se pode responder com sim ou com não. Em um caso, a resposta implica em teísmo, e noutro implica em ateísmo. Como já foi dito, não acreditar que Deus existe, ou seja, não considerar como verdadeira a proposição “Deus existe” não significa considerar verdade que Deus não existe, nem considerar que essa proposição seja falsa. Pode-se dizer apenas que ela não foi comprovada, ou que não há bons motivos para crer nela, assim como não foi comprovado que Deus não existe e, portanto, não há motivos para aceitar “Deus não existe” como verdade. Nesse caso, o sujeito não acredita nem que Deus existe nem que não existe. Aqui não existe a contradição que há em dizer que não acredita nem que não acredita. Dizer que não acredita em P não implica em dizer que se acredita em não-P. Uma fruta que não é doce não é necessariamente amarga, salgada ou insípida. Se fizermos uma analogia com o gosto das frutas, e dissermos que todas as frutas doces são X, então todas as frutas que não são doces são não-X, não importando que sabor elas tenham, mesmo que não tenham nenhum. Assim, todos que aceitam como verdadeira a proposição “Deus existe” são teístas, e os demais são ateus (ou seja, não-teístas), não importando quais crenças eles tenham, como de que Deus não existe, ou se não têm crença nenhuma, como eu, que não acredito que Deus existe nem que não existe.

Se voltarmos à pergunta, agnósticos acreditam em Deus?, veremos que não existe nenhuma contradição entre ser agnósticos e ser ateu. Se o agnosticismo é a doutrina que afirma ser impossível saber se Deus existe, então o agnóstico provavelmente não acreditará que a proposição “Deus existe” é verdadeira. Não sendo possível obter meios ou critérios para uma crença verdadeira e justificada em Deus, o mais correto seria não acreditar. No entanto, dificilmente um agnóstico será um ateu positivo, ou seja, aquele que acredita na inexistência de Deus, mas não é impossível. Um agnóstico ateu é alguém que não acredita que a proposição “Deus existe” é verdadeira, mas assume que nunca poderemos saber se ela é verdadeira ou falsa. Todavia, gostaria também de desfazer outro mito do senso comum: o de que agnosticismo e ateísmo são a mesma coisa, ou que agnosticismo é apenas outro nome para ateísmo. Isso é falso, pois agnósticos também podem ser teístas. Kant, grande filósofo alemão, era agnóstico e teísta. Poderíamos dizer que também o era Pierre Bayle, filósofo cético francês do século XVII. Também não há contradição em dizer “Acho que nunca saberemos se Deus existe, mas mesmo assim acredito”. Isso seria um agnóstico teísta. Eles são mais raros que agnósticos ateus, pois julgamos que para ter uma crença precisamos de algum motivo para isso, e parece um tanto absurdo supor que alguém acredita em algo para o qual não tem nenhuma razão para crer. Esses são geralmente designados pelo nome de fideístas, isto é, alguém que acredita em Deus apenas por fé, sem nenhum auxílio da razão. Mas nem sempre agnósticos teístas são fideístas, como Kant. Embora este negasse a possibilidade de se conhecer Deus pela razão teórica, Kant acreditava por uma razão prática, a saber, uma fundamentação moral. Se precisarmos mesmo de motivos para ter crenças, então o único teísmo compatível com o agnosticismo é o fideísmo, assim como o único ateísmo compatível é o ateísmo negativo ou ateísmo fraco (o que não afirma que Deus não existe, apenas não aceita como verdade que exista).

Podemos concluir que o agnosticismo é compatível tanto com o teísmo quanto com o ateísmo, que é falso que agnosticismo implique necessariamente em ateísmo (embora seja o que geralmente ocorre) e que é falso que ateus precisam negar a existência de Deus (precisam apenas dizer que não acreditam, o que é bem diferente de acreditar que não existe), que é igualmente falso que existam agnósticos que não sejam ateus, uma vez que as resposta para a pergunta “Você acredita em Deus?” ou “Você considera verdadeira a proposição ‘Deus existe’?” só podem ser sim ou não, o que implica, por um lado em teísmo e por outro em ateísmo. Como foi dito no primeiro parágrafo, o agnosticismo não faz parte de uma reta que vai do teísmo até o ateísmo, na qual ele estaria no meio. O ateísmo é oposto ao teísmo, mas o agnosticismo não pode ser oposto a nenhum dos dois. O oposto de agnosticismo é gnosticismo, que é a doutrina que afirma ser possível conhecer Deus. Os pares opostos teísmo/ateísmo e gnosticismo/agnosticismo são como a cor e o gosto de uma fruta, ou as dimensões de uma figura. Não é possível ter duas medidas em uma dimensão apenas, mas é possível ter medidas diferentes em dimensões diferentes. Assim também, é impossível não ser ateu ou teísta, bem como é impossível não ser gnóstico ou agnóstico.

*Para maior compreensão, ler o artigo "Crença, certeza, fé e conhecimento" indicado nas leituras complementares.

Ligações externas:

http://brazil.skepdic.com/agnosticismo.html

http://www.britannica.com/EBchecked/topic/9356/agnosticism

http://atheism.about.com/od/aboutagnosticism/a/what.htm

http://www.skepdic.com/agnosticism.html

Leituras complementares:

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2511264

http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2505440

Igor Roosevelt
Enviado por Igor Roosevelt em 12/02/2011
Reeditado em 27/02/2011
Código do texto: T2787999
Classificação de conteúdo: seguro