Contra o Otimismo de Juremir Machado da Silva

O escritor e colunista do jornal Correio do Povo é sem dúvida de grande talento e inteligência. E eu muito aprecio e concordo com várias de suas colunas. Porém, creio que em algumas de suas análises ele é otimista em demasia. Em seu texto de ontem, o jornalista me pareceu de certa forma parcial, tendencioso, omisso, no intento de contrariar o senso comum de que “antigamente era melhor”.

Utiliza-se de argumentos inteligentíssimos, e até certo ponto inquestionáveis, para afirmar que os tempos atuais são melhores. Argumenta, por exemplo, que acabou a ditadura, que hoje somos livres para nossa expressão. Que não há mais guerras tão horríveis quanto a 2ª Guerra Mundial. Que aumentou a expectativa de vida e reduziu-se a mortalidade infantil. Que diminuiu o analfabetismo e o preconceito. Que há inúmeros progressos técnico-científicos, como internet e carros com ar-condicionado. Tudo isso é verdade. E são conquistas que não podem ser ignoradas, logicamente.

Porém, o Juremir deveria lembrar-se do outro lado. Todos sabem que sou um pessimista. A seguir, enumerarei os meus pessimismos:

1) Primeiramente, o jornalista parece ter esquecido completamente a questão ambiental, como se isso não tivesse efeito algum em nossa qualidade de vida, na sensação de como se vive. Lembro que meu pai dizia que se banhava e pescava em uma sanga nos arredores de Santiago. Hoje, absurdamente poluída. Os rios no Brasil, de um modo geral, estão agonizando ou no caminho da agonia. Assoreados, quase sem vida, contaminados por agrotóxicos e tudo o mais que se possa imaginar. Certamente, isso não deve ser muito agradável. O jornalista também se esqueceu que nunca vivemos tantas catástrofes ambientais. O próprio Correio do Povo noticiou que 2009 foi o ano recorde em desastres naturais aqui no RS. Nunca houve tantas secas, enchentes, tornados, tempestades em um ano apenas. De nossas florestas, campos, não vou nem falar. Precisa? É visível que o planeta não poderá suportar por muito mais tempo o crescimento populacional. E população esta que consome seus recursos sem limites.

2) Se por um lado não nos preocupamos mais em sermos torturados pela ditadura, o que já é uma grande coisa, por outro, tememos sermos assaltados, assassinados, ou morrer em um acidente automobilístico a qualquer momento. Antes, tal sensação de insegurança restringia-se às capitais, aos grandes centros urbanos (e em menor grau), hoje se instalou em todo o interior do Brasil. Vivemos a era dos cercados. Querem cercar tudo, inclusive a Redenção, lá em Porto Alegre. Será que somos tão livres assim?

3) E a epidemia das drogas? O brasileiro fuma menos, mas usa muito mais drogas. Creio que Cocaína e Cia (i)Limitada são bem piores que o cigarro...

4) Nas escolas, os alunos não são mais castigados, é verdade. Em compensação ameaçam, batem , esfaqueiam e matam professores e colegas. O respeito e a educação entre alunos e professores é algo comovente. É fácil dizer que a educação melhorou para quem não está em uma sala de aula de escola pública. Tanto que ninguém mais quer ser professor de Ensino Médio e Fundamental. Só querem dar aulas em cursinhos e em universidades. Por que será? Talvez, hoje em dia seja um pouquinho estressante...

5) O analfabetismo diminuiu, mas aumentou a taxa de imbecilizados, aqueles que passam o dia inteiro ou na frente da TV ou do computador, completamente insensíveis, alienados, que não estão nem aí para nada. Qual é a violência causada pela ditadura da mídia, da internet?

6) Nunca a sensação de solidão e de egoísmo foi tão intensa entre a humanidade. As pessoas sentem-se como se estivessem absolutamente sozinhas e desemparadas, como se ninguém se importasse com ninguém, o individualismo atingiu um nível extremo. A própria internet é um fator de isolamento. Podemos falar com quem quisermos, porém, sem o contato, sem o calor humano. Inúmeros jovens queixam-se desse fato hoje em dia. Tudo se tornou frio e artificial.

7) As taxas de suicídio aumentaram em mais de 60% ao redor do mundo nas últimas décadas. Nunca a humanidade esteve tão vazia de ideais e de sonhos. Nunca houve tanta depressão. O vazio existencial assola a civilização. Muitos se tornam, devido a ele, fanáticos religiosos. Viver perdeu o sentido. Ou melhor, modificou-se o sentido da existência. Agora é apenas o de consumir, aparentar e entregar-se a mais e mais prazer e diversão. Uma hora isso cansa.

8) Para outros talvez não seja, mas para mim é uma tortura sair na rua e ser obrigado a ouvir funk. Isso para ficar apenas no funk, porque a porcaria musical da atualidade é algo que vai muito além.

9) Não há mais ditadura política, mas e as outras? E a ditadura da aparência, por exemplo? Hoje, somos obrigados a aparentar cada vez mais. O importante não é ser nem mesmo ter, mas aparentar ser e ter. E ai de quem não siga a regra. É visto como um pária. Será que acabou mesmo o preconceito ou ele está apenas muito bem disfarçado dentro de cada um de nós? E a ditadura do consumo? Se lançaram um modelo novo de celular, de micro, de carro, nossa! eu tenho que ter, tenho que ir lá comprar. Se não, o que é que vão dizer de mim? É a ditadura do ser igual a todos. O que os outros fazem, são ou têm, eu também tenho que fazer, ser e ter, ou serei esquecido, ridicularizado, deixado de lado.

10) E para os demais seres vivos (afinal, os humanos não são os únicos seres aqui do planeta, não é mesmo?) Será que a vida está melhor? A vida em nosso planeta não está bem, muito pelo contrário, anda de mal a pior. Será que isso não determina em nós uma sensação de horror e de que coisas horríveis estão prestes a acontecer? Não somos influenciados pela extinção de seres vivos e o desaparecimento dos recursos naturais em todo planeta? Isso não nos afeta, ainda que inconscientemente? Podemos viver bem enquanto ao mesmo tempo destruímos a passos largos o lugar em que vivemos? Como os intelectuais pensam em solucionar essa questão? Ou será que imaginam que as catástrofes ambientais que cada vez mais violentam nosso planeta é apenas um acidente de percurso? Talvez alguns admirem o crescimento brasileiro, o chinês, o indiano, enfim, porém... qual é o seu preço? Até que ponto ele irá? Até quando?

Poderia ir além, mas vou parar por aqui, o texto já está bastante extenso. É um contraponto ao que escreveu o jornalista Juremir. O mundo está melhor ou pior? Várias coisas melhoraram, é verdade, mas outras pioraram, algumas de forma extremamente grave, como a questão ambiental. Que cada um tire sua própria conclusão.

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Alessandro Reiffer
Enviado por Alessandro Reiffer em 19/05/2011
Código do texto: T2979198