IVONE: PROFESSORA DE VIVER

Com meio século de vida, creio precisar de pelo menos mais meio século para que a lembrança daquelas tardes de poesias promovidas no sexto distrito de Magé, pela professora Ivone Boechat sejam levemente assentadas nas minhas nostalgias. Eu ainda menino, não morador de rua, mas das ruas, procurava saber de todos os festivais de poesias que superlotavam os clubes locais da época, parta participar. A professore Ivone, ainda jovem, era diretora do Colégio Cenecista Visconde de Mauá, em Piabetá, e tinha verdadeira paixão por aqueles movimentos. Como se não bastasse, também era uma educadora capaz de ouvir os anseios de cada criança, adolescente ou jovem que a procurava individualmente para mostrar seu talento real ou até mesmo pretenso.

Fui um desses meninos inquietos que não a deixavam em paz. Não estudava no “Visconde”, mas estava sempre lá, na sua sala, sem sofrer nenhuma discriminação pela minha roupa surrada, meus cabelos enormes e armados como arame, a mochila indefectível cheia de ninguém sabia o quê e a fama de maconheiro. Ela me recebia com um carinho inacreditável. Dava dicas, informava sobre os eventos, não fazia perguntas pessoais e não tinha medo de me tocar: Tirava sempre da expressão serena e séria um abraço disfarçado; um afago meio materno; um olhar nos olhos de forma respeitosa, como se eu fosse um daqueles meninos bem nascidos que estudavam no colégio dirigido por sua competência e seu amor ao ofício que não era só um ofício. Era estilo e filosofia de vida, como tenho certeza de que ainda é.

Hoje, a professora Ivone Boechat é pessoa de grande vulto no meio educativo nacional. Também realiza palestras e conferências. Faz pouco tempo, estive na plateia de uma palestra sua, em Raiz da Serra. Ela falava de atenção ao aluno. Igualdade de tratamento. Amor pela educação. Compromisso além da obrigação remunerada. Pude perceber entre os presentes algumas narinas retorcidas: Eram claramente professores amargos e mal resolvidos, como que demonstrando enfado pelo tema supostamente óbvio... Nada de óbvio, se considerarmos que os educadores de nossos dias continuam precisados dessas exortações; desses guinchos de autoestima; dessas palavras valiosas de conscientização que sempre foram olvidadas logo depois de ouvidas.

Pois essa palestra que ouvi da professora Ivone me tocou tanto quanto as palavras de afeto, incentivo e crença no meu futuro, que a mesma voz me disse na sala de direção do “Visconde”. Quem assiste a uma palestra da professora Ivone Boechat, tenha certeza de que ela sempre viveu o que prega como educadora. Não são palavras ao vento. Sua vida inteira no meio educativo tem muito mais peso do que qualquer ouvinte ouse supor. Ela nem precisaria dar palestra educativa ou motivacional: Bastaria narrar seus feitos como educadora, descobridora de talentos, incentivadora das artes, da literatura, e amiga dos estudantes que lutam pelo direito de sonhar. Eis o maior discurso, a mais sublime palestra ou conferência da professora Ivone: Sua vida.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 06/11/2011
Código do texto: T3320983
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