Eu, cadeirante por uns dias (e já estressada...)

Primeiramente quero dar os parabéns, aos heróis cadeirantes deste País.

Fiz uma cirurgia nos dois pés, estou há vinte dias numa cadeira de rodas e, sinceramente, horrorizada com o que estou vivendo!

Mais uns dias e, se Deus quiser, estarei andando normalmente, mas fiquei pensando em como os cadeirantes enfrentam situações desgastantes...

Os absurdos da inacessibilidade estão em todos os cantos!

Descobri que o Brasil é feito de degraus!!!!

Numa visão simples e resumida: as calçadas são esburacadas, as guias altas e, para todo lado tem escadas!!!

Na Rua Izaltino Dias, em Votorantim, tem uma loja com suas mercadorias expostas encima da calçada, impossibilitando a passagem de cadeira de rodas.

Mas a Prefeitura não vê...

Aliás, vamos deixar de hipocrisia, até uns dias atrás eu também não via.

Apenas desviava...

Nunca havia pensando sobre aqueles "obstáculos"...

além disso, outros comerciantes, na mesma rua, colocam cones no meio fio para que apenas seus clientes possam estacionar ali...

Isso sendo em frente a um Pronto Atendimento e Santa Casa de Votorantim...

O deficiente que pare longe e se vire, é o que me pareceu...

Meus pés foram operados, mas a minha vida não parou, minhas contas não pararam...

Então, dentro do possível, eu trabalho!

Ou tento...

Já que no meu escritório não tenho como ir, pois lá tem três lances de escadas e nenhuma acessibilidade...

Minha ida ao Fórum de Votorantim, ontem, foi bem desgastante...

O prédio não dispõe de acessibilidade.

Ouvi dizer que está sendo construído um elevador, espero que seja fato, pois minha audiência de ontem teria que ser feita em local improvisado.

Uns disseram que seria na cozinha e outros que seria no arquivo ou distribuidor...

mas considerando-se que o casal se reconciliou, apenas assinamos a desistência da ação, ali mesmo no corredor.

Mas eu precisava despachar com a Juíza.

(detalhes jurídicos que não vêm ao caso aqui)

Pedi ao chefe de cartório para que despachasse para mim, ele me informou que, por determinação da Juíza, ele não deveria fazer isso

e que eu deveria pedir a um colega para subir e despachar...

Olhei em volta...

tinha uma advogada da Prefeitura, apreciadíssima...

um outro advogado que jamais vi mais gordinho...

minha cliente e seu marido...

meu companheiro...

Bem que dizem que quando precisamos de um advogado, não achamos nenhum...

Falei com o Presidente da Ordem, eu queria saber o que fazer...

Ele estava em uma reunião, mas gentilmente se ofereceu para, assim que terminasse a reunião, ir até o Fórum despachar por mim. (tem cabimento dar um trabalhão desses???)

Nesse momento, uma advogada amiga, que estava no andar superior,

ao saber o que estava acontecendo, desceu em meu socorro e foi

despachar.

Continuo pensando em como teria solucionado a situação...

Talvez devesse ficar na porta do Fórum e barrar um advogado estranho e dizer:

Por favor, estou passando por um momento de déficit de mobilidade,

o Senhor se importaria de, deixar de lado seus assuntos e ir até o andar de cima, resolver o meu?

Na saída fiquei aguardando minha carona e aproveitei para fumar.

(vicio do cão!!!)

Ao tentar apagar meu cigarro, numa coletora de bitucas, descobri que ela deveria estar um pouquinho mais baixa...

não conseguia alcançá-la, até dava para jogar o cigarro dentro, mas apagar...

Haviam umas quatro pessoas por ali...

Mas ninguem me via...

Depois da minha maratona para apagar o cigarro, enquanto alguns me

olhavam e desviavam os olhos...

perguntei sorrindo, a um dos rapazes de olhar desviante:

Por que não me ajudou?

A resposta dele me chocou: "É que tem deficiente que se ofende dá gente querer ajudar."

e a amiga dele completou, usando uma vozinha de quem fala com uma criancinha: "cuitadinha, u qui cuntexeu cum xê?"

Expliquei resumidamente...

(mas com uma imensa vontade de responder, estou com deficiência de mobilidade e não posso andar, mas não regredi na minha idade mental, continuo entendendo muito bem nosso idioma.)

Pó pára!!!

Ou eu estou doida, ou o mundo está!

Obstáculos existem para todos e os deficientes físicos não são exceção a está regra.

Não penso que devam ser tratados como "bibelôs", afinal, são seres humanos que tem o direito de passarem por suas experiências e obterem suas conquistas, assim como qualquer um de nós.

Mas não podemos confundir respeitar a individualidade do deficiente, com ignorá-lo...

E eu precisei passar por tudo isso para sentir, um tiquinho, como nós "chamados normais", somos os verdadeiros deficientes...

Somos deficientes de bom senso nas nossas construções, somos deficientes de atitudes para com os que estão privados de resolverem sozinhos alguma questão...

Somos deficientes de solidariedade, de companheirismo...

Mas acima de tudo somos deficientes de realidade, pois fingimos que não vemos e, assim, podemos fingir que nada está acontecendo a nossa volta, consequentemente, nada precisamos fazer...

Hoje percebo que tudo o que precisa ser feito é cumprir a lei e

agirmos com sensatez, amor e respeito.

Simples, não é?

Levante daí agora, você ainda pode!

Vá até a rua e olhe em volta, imagine-se numa cadeira de rodas e se tudo estaria em condições de exercer seu direito de ir e vir...

Não podemos mudar o mundo, mas podemos torná-lo mais acessível!

Má Oliveira, cadeirante por uns dias e sentindo na pele, que acessibilidade é muito mais do que uma palavra bonita e na moda, é uma urgência que, nós "normais", nos recusamos a ver e por em prática.

Má Oliveira
Enviado por Má Oliveira em 16/05/2012
Reeditado em 16/05/2012
Código do texto: T3671153
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