O silêncio dos intelectuais

De 22 de agosto até o começo de outubro acontecerá o seminário “O Silêncio dos Intelectuais”, ciclo de palestras que acontecerá em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Salvador. O evento reunirá intelectuais como Marilena Chauí, Francisco de Oliveira, Marcelo Coelho, Jean-François Sirinelli, Sérgio Paulo Rouanet, Renato Janine Ribeiro e José Miguel Wisnik que discutirão a crise dos ideais universais: razão, verdade, liberdade, justiça etc.

Embora o ciclo de conferência aconteça em momento muito propício, a atual crise política não foi mote para o evento, que já estava sendo pensado e organizado há dois anos. Segundo o organizador do evento, o filósofo Adauto Novaes, “aqueles que deveriam não apenas refletir sobre a crise, mas principalmente dar publicidade às grandes questões do nosso tempo, estão em inquietante silêncio. Ou são silenciados pela forma de organização política e pelos valores dominantes na sociedade”. Por conta disso, no evento serão refletidos os valores atuais e sua influência na estagnação do intelectual; será questionada a posição do intelectual na sociedade; serão relembradas ações de engajamento de pensadores como Zola e Marx; e será debatida a ausência do pensador como formador de opinião.

Na tentativa de encontrar uma saída para esse dilema pós-moderno, nas discussões preliminares ao evento já está sendo cogitada a necessidade de um intelectual midiático, que apareça na imprensa e incite reflexão e discussão sobre questões que dizem respeito a todos, alguém que trate de valores universais e causas específicas. Um pensador mais atuante, já que o último intelectual engajado parece ter desaparecido com a morte de Sartre.

Com essa discussão, me surgiram algumas inquietações: como se reconhece um intelectual?, a quem podemos chamar assim?, o que levou o pensador social tornar-se uma figura tão desenxabida?

Segundo Francis Wolff, “intelecutal é aquele que usa a autoridade do seu saber para dele fazer uma autoridade moral, é aquele que produz idéias com fatos. Nesse sentido, o intelectual é sempre crítico: ele denuncia as injustiças para as quais fecham-se os olhos, ele pretende dar uma voz (a dele) aos ‘sem voz’, ele afirma em alto e bom som que o rei está nu”. Sartre dizia que intelectual é “aquele que se mete naquilo que não é da sua conta”.

A partir desses conceitos parece fácil pensar em um intelectual como alguém que se percebe num mundo torto, desigual, injusto e incerto, mas que ainda assim não desiste de acreditar que tudo pode melhorar se houver mobilidade originada no inconformismo. Alguém que não abre mão de conhecer mais para criticar melhor, que se solidariza com a dor do outro. Uma pessoa que se dá conta que não está sozinha no mundo e, por isso, credita respeito a ética.

Outra inquietação é o sentido que cada intelectual mudo quer expressar com seu silêncio. No meu juízo, o silêncio é um instrumento de vários gumes. Para uns, assume o significado de ruptura com o sistema, um isolamento para se vingar da ausência de interlocutores; para outros, significa uma crítica, uma esperança que o mutismo expresse o que as palavras não conseguiram; a outros, pode expressar conivência, aceitação da realidade. Essa última acepção parece não combinar com a figura de um formador de opinião, porém é mais fácil abstrair quando me lembro que há pouco tivemos um presidente da República que também era considerado um intelectual.

A mim me parece que os intelectuais da atualidade sofrem com a falta de sentido da contemporaneidade. É angustiante viver num mundo onde o excesso de informação não faz parte da realidade dos que têm escassez de educação formal. Também é desanimador perceber que uma ridícula minoria esbanja e despreza o que a grande maioria não consegue nem sonhar em ter. É absurdo que pessoas com recursos escassos para sobrevivência são instadas a um consumismo irracional. É vergonhoso perceber que os miseráveis sustentam o padrão de vida dos abastados, que se sentem muito confortáveis com isso, literalmente.

Pensando nessas questões, concluo que intelectual é um flâneur, pessoa que se permite captar nuances do cotidiano que, depois de contextualizadas, apresentam respostas para questões cruciais da condição humana. Essa percepção aflorada gera angústia difícil de ser equacionada porque é complicado parar ou mudar o curso do que está em movimento e em alta velocidade. Também é custoso se fazer escutar quando todas as engrenagens da máquina do mundo estão funcionando em alto som. Mais difícil ainda é perceber que todas as peças da máquina, se tivessem outro tipo de aglutinação, poderiam compor outro objeto. Pior que tudo isso, é o intelectual se perceber como uma peça a mais, que mesmo quando grita assume uma função na engrenagem. Daí vem o silêncio.

Carmem Lúcia
Enviado por Carmem Lúcia em 15/08/2005
Reeditado em 15/08/2005
Código do texto: T42695