A IGREJA DO ROSÁRIO DOS PRETOS

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR (*)

De todos os meios de expressão, a fotografia é o único que fixa para sempre o instante preciso e transitório. Nós, fotógrafos, lidamos com coisas que estão continuamente desaparecendo e, uma vez desaparecidas, não há mecanismo no mundo capaz de fazê-las voltar outra vez. Não podemos revelar ou copiar uma memória.

Henri Cartier-Bresson

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário, construída pelos negros livres e popularmente conhecida como a "Igreja do Rosário dos Pretos", foi edificada diante da necessidade de uma casa de oração católica, tendo em vista que a Igreja Matriz de Santa Rita de Cássia, construída entre 1771 e 1776, quando foi inaugurada em 06 de dezembro daquele ano, pelos Frades Capuchinhos Italianos, era uma igreja freqüentada apenas pela elite da cidade. E não foi diferente também a necessidade da fundação da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, construída em 1851, através da iniciativa privada do senhor de engenho Joaquim da Silva, que obteve a cooperação espiritual e ou a benção do Padre José Ouriques Gonçalves de Vasconcelos, que fundou a Irmandade dos Pardos com as cores de marfim e azul mar. Assim sendo, a cidade de Santa Rita já teve três templos católicos no atual centro da cidade, envolvendo a Praça João Pessoa e a Praça Getúlio Vargas, de modo que no meado do século XIX, ali existiam a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que era freqüentada pelos negros livres, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, freqüentada pelos pardos e a Igreja Matriz de Santa Rita de Cássia, fundada em 1776, freqüentada pela elite branca da cidade. Ressaltamos de que a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, foi derrubada em 1937, pelo Interventor Municipal Flávio Maroja Filho, que doou o terreno ao Governo do Estado da Paraíba, para ser construído o Grupo Escolar João Ursulo, na gestão do Interventor Federal Argemiro de Figueiredo, obra iniciada em 1938, tendo em vista os termos do Decreto nº 1.043, publicado no Jornal A União, em 14 de maio de 1938, página 4, sendo inaugurado o referido grupo escolar em 1939. Na realidade o terreno onde estava edificada a Igreja do Rosário dos Pretos, pertencia a Usina Santa Rita. De modo que a Usina Santa Rita construiu outra Igreja dedicada a Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, na saída para o planalto, em terreno encravado no atual Conjunto Nice. Portanto, não existe qualquer semelhança arquitetônica entre o prédio da igreja que foi derrubada em 1937 e a que foi construída em 1938, segundo o ex-Prefeito Heraldo da Costa Gadelha, a igreja derrubada era um prédio estilo barroco muito lindo, afirmando ainda que o atual prédio da igreja do Rosário foi uma satisfação que o prefeito Flávio Maroja Filho, procurou dar a população de Santa Rita, tamanho foi o desconforto de sua imagem no seio da sociedade, apesar da população ter recebido com alegria a primeira construção de um prédio público escolar. A igreja derrubada em 1937, era em estilo barroco rococó e tinha beleza arquitetônica além da história de ser o lugar sagrado onde os escravos faziam suas orações, além de ter sido um patrimônio construído com sangue, suor e lágrimas, e que era o único lugar onde os escravos se viam libertos antes da liberdade da escravidão brasileira em nossa terra em 13 de maio de 1888, o que por analogia, cai como uma luva, o pensamento do ex-prefeito de Santa Rita, diante da visão da escritora Márcia Reis ao afirmar que “o melhor álbum de fotografia é a nossa memória, nela ficam gravadas fotos reais de momentos bons e ruins de nossa vida”, quando na verdade ambos nunca se conheceram e tem a mesma preocupação histórica e antropológica de uma realidade que o tempo levou.

A Igreja do Rosário até então existente até 1937, no terreno do atual Grupo Escolar João Úrsulo, ficava de frente para o Rio Paraíba, tendo a casa do senhor vigário ao lado, que era uma das cinco casas que existiam em 1851 quando foi construída e inaugurada a Igreja da Conceição, segundo o resumo histórico publicado no Anuário Informativo do Município de Santa Rita (1937). É fato concreto que no atual mercado central de Santa Rita funcionou o Cemitério Santana até 1930, na gestão Edgar Seiger, quando foi derrubado e transferido para o local atual do Cemitério Santana. A Matriz de Santa Rita ficou de 1776 a 1932 sendo capela comum, não tinha a atual torre, que foi construída e inaugurada na década de 30 do século XX, por Monsenhor Rafael Moreira de Barros, sucessor de Monsenhor Abdon Odilon Melibeu de Lima, que faleceu em 9 de agosto de 1932, prematuramente. O pensador Ivan Lima afirma que “a fotografia, antes de tudo é um testemunho. Quando se aponta a câmara para algum objeto ou sujeito, constrói-se um significado, faz-se uma escolha, seleciona-se um tema e conta-se uma história, cabe a nós, espectadores, o imenso desafio de lê-las”, de modo que isso nos leva a crer que tem realmente sentido tal afirmação.

A gruta também não existia até então, isso é uma arquitetura nova que Monsenhor Rafael de Barros Moreira mandou edificar, quem construiu foi artífice do povo Severino Rodrigues, de saudosa memória e que residia à Rua Anísio Pereira Borges, ao lado oposto ao ex-Hospital Ceslau Gadelha, próximo ao pontilhão que dá acesso a Vila Operária Tibiri. Severino Rodrigues era um artista na área da construção civil, apesar de ser um homem de poucas letras, era um verdadeiro artífice na construção civil. A antiga Igreja Matriz, cuja inauguração primitiva data de 06 de dezembro de 1776, que passou várias reformas até se chegar ao prédio do atual santuário. As fotografias daquele monumento diante das reformas que sofreu entre 1776 e 1932, estão preservadas graças ao trabalho minucioso do saudoso fotografo Viegas, conseguiu um fac símile com o senhor Salvador Guedes, seu amigo e antigo dono do Cine Avenida, e que procurou fazer a sua restauração com o seu saber artístico para salvar aquela relíquia de 1926. No tocante a fotografia do antigo cemitério existente no local onde atualmente está edificado desde 1940 o Mercado Central de Santa Rita, inaugurado na gestão do prefeito Diógenes Nunes Chianca, sendo Ruy Carneiro o Governador (Interventor) da Paraíba, dela não se tem conhecimento de uma só relíquia histórica daquele local, o que se presume a falta de interesse e de profissionais em nossa terra naquele tempo para preservar, pelo menos em fotografias a história de nossa arquitetura. Essa pobreza em termos de referencial fotográfico do nosso passado recente se dá justamente porque naquele tempo a ciência fotográfica ainda vivia o tempo do “lambe-lambe”, a modernidade neste ramo é coisa nova em relação a outros progressos e/ou tecnologias novas. Eram poucas as famílias que tinham fotografias de seus entes queridos.

Antes da invenção da fotografia surgiram na face da terra os grandes artistas pintando o que viam, o exemplo disso é o caso de Pedro Américo, o intelectual e político, que se formou na Academia de Belas Artes, na Europa com ajuda de Dom Pedro II, inclusive desenhou o quadro da Independência do Brasil, o nosso 7 de setembro de 1822, dentre muitas outras pinturas igualmente importantes. Então em um passado recente tirar uma fotografia era uma coisa quase que impossível ao povo de poucas posses. Para uma pessoa tirar um retrato naquele tempo, fazia agendamento com meses de antecipação para ir à Paraíba e ou ir para o Recife, a “Veneza Brasileira”, para ser fotografado, de modo que somente a pessoa de posses, tinha interesse e podia comprar tal serviço. Assim sendo, o acervo fotográfico de domínio público nacional, e que pertence a Fundação Joaquim Nabuco, na Capital pernambucana, guarda centenas de fotografias de personalidades e pessoas de posses daqueles tempos, tanto da Paraíba, quanto de outros estados da federação nacional. A historiografia recente de Santa Rita, menciona os seus mais importantes fotógrafos, dentre os quais, Antônio Alves Bezerra, o popular “Viégas”, Salvador Guedes (era mais pintor do que fotógrafo), José Domingos, Fausto Ferreira, Antônio Bernardo Coutinho que foi sucedido por seu filho Zito do Foto, João Gonçalves (funcionário público da rede ferroviária federal e fotografo nas horas vagas), dentre outros profissionais da arte de tirar retratos. Nas feiras públicas de Santa Rita tinha quem tirasse fotografia relâmpago no sistema do “lambe-lambe”, um desses profissionais era o pai do Bacharel João Vicente da Silva, já falecido, delegado de policia civil, santaritense, assim como tantos outros mortais.

Santo Agostinho, em seu Sermão: 215,6, ensina que “é a ressurreição dos mortos que distingue a vida da nossa fé daqueles que morrem sem fé”. É a visão do santo, evangelizador e filósofo da Igreja Romana. Ele tem razão, pois a fé é o fundamento daquilo que não vemos, porém, acreditamos à luz da razão.

Voltando ao caso especifico da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, é importante mencionar de que a senhora Julieta da Costa Gadelha (irmã de Ceslau da Costa Gadelha, pai de Humberto, Ceslau, Rita e Heraldo da Costa Gadelha, e irmão de Natanael da Costa Gadelha, um dos pioneiros do ramo de padarias em nossa cidade, pai de Natinho, Manuel, Betinha, Eulina e João da Costa Gadelha), exerceu durante décadas a função de zeladora, uma espécie de administradora mor, sem salário de qualquer espécie, era voluntária do trabalho e da fé católica, fazia uma grande festa religiosa com a ajuda do povo e do seu próprio dinheiro, foi assim até morrer, sendo auxiliada pela população devota da referida Virgem do Rosário, valendo apenas destacar a presença de uma senhora do povo de nome Balbina, que continuou o trabalho de dona Julieta da Costa Gadelha, depois de sua morte. Neste tempo existia aqui uma grande festa com trinta dias de duração dedicada a Nossa Senhora do Rosário. Na tarde do dia 1º de novembro de cada ano, o povo de Santa Rita e de cidades vizinhas compareciam para tomar parte da procissão, pagar promessas, fazer promessas, acompanhada pelas autoridades locais: deputado, prefeito, vereadores, profissionais liberais, padre e o povo em geral, ao som dos dobrados da Filarmônica São José, pertencente à edilidade santaritense. O povo era feliz e não sabia. Quando dona Julieta Gadelha era viva a festa do Rosário tinha mais brilho do que nos dias atuais, pois, quando alguém dizia: “Isso é impossível”, aí ela respondia com fé em Deus: “tudo é possível”, segundo Lucas, capitulo 18, versículo 27. Era uma senhora da sociedade santaritense de personalidade forte e capaz de realizar qualquer empreendimento em favor da coletividade e de modo especial da Igreja que escolheu para adorar a Deus e seus santos. Nos tempos natalinos dona Julieta Gadelha mandava armar o "Presépio" em tamanho natural no Coreto da Praça João Pessoa, bem como era a referida senhora da sociedade santaritense, responsável pela gestão anual do "Pavilhão Central" das festas de final de ano em Santa Rita. O dinheiro apurado era entregue ao Padre Vigário para manter as obras sociais da freguesia de Santa Rita. O povo era feliz e não sabia... E até porque “as pessoas, geralmente, têm uma visão plana, pegada a terra, de duas dimensões. Quando a tua vida for sobrenatural, obterás de Deus a terceira dimensão: a altura. E, com ela, o relevo, o peso e o volume”, no dizer de Josemaria Escrivá. Todas essas dimensões estavam presentes na vida e no caminho percorrido por Julieta Gadelha.

É um fato que o grande escritor brasileiro Machado de Assis menciona que “o olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio”, um exemplo disso é que nos tempos de Jesus Cristo, não existia a arte de fotografar e que nem por isso se deixa de cultuar sua honra e sua glória, dependendo do desenhista e do escultor, tem hora que nos apresentam uma estampa ou escultura bonita, barroca, e tem hora que nos apresenta uma estampa feia e ou futurista, tudo depende do que se pensa e se vê no universo individual de cada pessoa, se que é que realmente se tem percepção para entender o que é apresentado em todos os sentidos durante a vida terrena. E isso é fato, pois,“sem a fé não é possível agradar a Deus”, conforme Hebreus, capítulo 11, versículo 6., Julieta da Costa Gadelha é um exemplo de mulher de fé e de religiosidade de que as novas gerações deveriam nela se inspirar.

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- Cadeira 7 - Academia Paraibana de Poesia

- Cadeira 1 - Academia de Letras do Brasil

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 15/07/2013
Reeditado em 09/10/2023
Código do texto: T4388417
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