A deserção nos grupos mediúnicos kardecistas


A mediunidade é uma predisposição do espírito que antecede à crença espírita, ou seja, é possível ser médium sem ser espírita.

Mediunidade, portanto, não é uma questão de escolha, de opção, ainda que o seu exercício o seja.

Ser espírita, por sua vez, é uma questão de escolha sendo que, por alguma razão, às vezes clara, outras nem tanto, a pessoa decide ser espírita.

É muito comum pessoas, que manifestam mediunidade, buscarem a doutrina espírita no sentido de melhor compreender o fenômeno e o tornarem algo mais administrável em suas vidas.

Sabemos também de pessoas que por uma série de razões, mesmo manifestando a faculdade mediúnica, nunca se aproximaram da doutrina espírita.

Para melhor enfocarmos a questão precisamos distinguir claramente o que é ser espírita e o que é ser médium.

Espírita é quem adota a visão de mundo espírita e pratica seus postulados.

Médium é o ser humano dotado da faculdade mediúnica que permite a comunicação entre o mundo material e o espiritual.

É, portanto, perfeitamente possível ao ser humano ser espírita sem ser médium.

Nos interessa, para efeito deste artigo, o médium-espírita.

Culturalmente somos herdeiros de uma religiosidade dogmática que nos é passada de geração em geração.

Alguns rompem com essa herança e buscam outras formas de compreender o mundo espiritual, sendo que outros a renegam por completo assumindo uma postura atéia ou agnóstica.

De qualquer forma a simpatia pela doutrina  espírita está muito ligada ao conjunto de fenômenos e respostas que ela apresenta e à sua capacidade de explicar satisfatoriamente o que outras visões não conseguem.

Quando a adoção do espiritismo se dá por essa razão é muito raro que o espírita deixe de ser espírita para retornar a uma visão mais ortodoxa.

Diferentemente de quando a simpatia decorre de modismos ou de empolgação influenciada pela mídia, por exemplo.

De qualquer forma a caminhada espírita kardecista tem um começo e esse começo está ligado ao estudo, principalmente das obras básicas.

Toda a caminhada do espírita representa o estudo intermitente das obras do codificador, bem como de outras tantas que as esclarecem e aprofundam.

Não há atalhos nessa caminhada.

A faculdade mediúnica por si só não confere conhecimento ou autoridade ao espírita.

Só o que confere conhecimento e autoridade ao espírita é o estudo e o raciocínio aliado logicamente à pratica da caridade e a uma conduta moral irrepreensível.

Cada centro espírita estabelece seus próprios critérios quanto ao acesso de seus membros ao trabalho mediúnico que desenvolve.

Acreditamos que boa parte dos problemas relacionados à deserção estão ligados aos critérios de acesso.

Algumas casas espíritas possuem critérios rígidos de acesso exigindo que o interessado, no caso das casas ligadas a FEB ( Federação Espírita Brasileira), conclua todos os módulos do ESDE ( Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita) juntamente com os cursos voltados para a prática da mediunidade. Isso leva em média de três a quatro anos de estudos.

Outras, no entanto, adotam um critério mais flexível permitindo o acesso aos grupos mediúnicos na medida em que o membro se mostre preparado e envolvido nas atividades do centro.

E há, ainda, outras que suprimem a etapa dos critérios, ou seja, a atividade mediúnica é aberta e participa quem quiser, quando quiser, em alguns casos oferecem  sessão mediúnica em caráter público.

Com todo respeito aos critérios adotados, mas podemos sem muito esforço refletir sobre a conseqüência de cada um. Qual deles propicia um grupo mais duradouro e comprometido?

O estudo prepara o espírita. A ausência de estudo o deixa vulnerável diante das vicissitudes e desafios.

Além do estudo, o convívio no ambiente de estudos tende a despertar para o trabalho e cooperação tão necessários à prática espírita.

É muito comum iniciantes no espiritismo demonstrarem uma certa pressa em participar de grupos mediúnicos.

Dirigentes muitas vezes são pressionados a franquearem o acesso por conta de pedidos insistentes e até manifestações de desagrado.

Alguns dirigentes inclusive são taxados de retrógrados e limitadores do afloramento da atividade mediúnica quando não atendem aos apelos de ingressos prematuros nos grupos mediúnicos.

Pensamos que a atividade básica e preponderante numa casa espírita é a atividade de estudo e conhecimento da doutrina espírita.

Sem espíritas não há espiritismo. E espíritas são forjados em ambientes de estudo. Espíritas preparados evangelizam, aplicam passes, palestram, educam crianças e adultos, conhecem os fenômenos mediúnicos e seus desdobramentos, praticam a caridade, portanto, estão habilitados a participarem de sessões mediúnicas. Já quanto aos espíritas despreparados e com pouco estudo, na maioria das vezes, em algum momento darão trabalho!

Como podemos aplicar o que foi dito aqui à nossa casa espírita? Observando os critérios adotados, fortalecendo os grupos de estudos, reforçando as feiras do livro espírita, estimulando a leitura, fortalecendo a biblioteca, capacitando educadores de crianças e jovens.

Mas se a indagação inicial der lugar à constatação de que a deserção mais preocupante não é a dos médiuns nas atividades mediúnicas, mas sim de espíritas nas fileiras do estudo. De que os espíritas não estão lendo ou participando dos estudos ou não se envolvendo em atividades solidárias,  aí o problema é muito mais sério e, às vezes, é necessário começar do zero, para depois de um certo tempo, se for o caso,  reativar as sessões mediúnicas.

 

 

* Esperamos ter contribuído de alguma forma para o esclarecimento da questão. Este autor ficaria feliz em ouvir a opinião do leitor  a respeito do que foi explanado.