O "CRISTO PAGÃO"

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Não é essa a primeira vez que escrevo sobre o Paganismo mostrando como essa antiga religião, tida como sinônimo de idolatria, falsidade e libertinagem, fosse na verdade bastante diferente do clichê imposto pela tradição e pela mídia moderna. No meu ensaio intitulado "Morte e Ressurreição do Paganismo" explico como a grandíssima maioria dos filósofos pagãos fosse rigidamente monoteísta; tais foram pensadores do calibre de Pitágoras, Platão, Epiteto, Plotino, Marco Aurélio, etc. Nesse artigo irei apresentar mais um personagem, um filósofo neo-pitagórico e professor de origem grega cujos ensinamentos influenciaram o pensamento científico por séculos após a sua morte.

Trata-se de Apolônio de Tiana (15 d.C-100 d.C.) conhecido principalmente através da biografia do historiador Flávio Filóstrato, mas também citado nas obras "A Vida de Pitágoras", de Porfírio, e "A Vida Pitagórica", de Jâmblico. Todas as fontes concordam em referir que a vida de Apolônio de Tiana, profeta de um culto místico fundado sobre a comunhão com Deus, foi dedicada à purificação e ao renascimento do pensamento pagão no mais alto nível qualitativo e filosófico, e muitos elementos sugerem a existência, em Apolônio, de vestígios daquela sabedoria eterna da qual Helena P. Blavatsky falava em seus escritos.

Apolônio foi justamente apelidado de "Cristo Pagão" e, sob muitos pontos de vista, podemos pensar nele como num reformador do paganismo, sempre tentando orientar e iluminar a classe dominante da época. O trabalho de Apolônio de Tiana não se limitou, de fato, à reforma e à renovação das comunidades de iniciação, mas estendeu-se a um significado social preciso, focado na idéia de que o chefe do império devia ser "um pastor fiel e prudente capaz de liderar o rebanho da humanidade".

Desde a juventude, Apolônio, tornou-se um vegetariano puro excluindo o vinho de suas refeições; ele afirmava que a comida mais pura era aquela produzida a partir da terra e que a carne desgastava e perturbava a alma. Esse filósofo costumava viajar descalço e vestia longos mantos de linho branco, igual aos dos antigos Essênios da Palestina. Também doou todos os seus pertences aos necessitados dedicando quatro anos ao estudo e à meditação sem nunca falar em público. Para completar, fez um voto de castidade que, porém, nunca chegou a impor aos seus discípulos.

Após este período de preparação ascética para a jornada espiritual, começou suas viagens que o levaram a conhecer e aprender os segredos dos magos da Babilônia e os mistérios dos Egípcios. Continuando a sua peregrinação em todo o mundo viajou para a Índia, onde conheceu e frequentou os brâmanes e ascetas, e hospedou-se em mosteiros budistas. Depois de deixar a Índia, Apolônio visitou outras regiões da Ásia Menor onde entrou em contato com estudiosos e iniciados e, em seguida, viajou para a Grécia divulgando a sua imensa sabedoria para os povos do Mediterrâneo.

Os sábios e ascetas indianos, com os quais viveu por um bom tempo, haviam lhe ensinado como ficar em comunicação com eles, mesmo distante. Na verdade, ele tinha adquirido os poderes latentes (clarividência, telepatia e ubiquidade) típicos dos sábios e dos grande iniciados. Na Grécia curou muitos doentes e deu instruções sobre as terapias, mas, além das curas físicas, também dedicou-se às curas espirituais.

Durante as suas peregrinações foi a Roma, na Espanha, na África e na Sicília antes de voltar novamente em Atenas já com 68 anos de idade.

O relacionamento entre Apolônio e os líderes romanos foi particularmente intenso e variado. Por um lado ele foi amigo dos imperadores Vespasiano, Tito e Nerva que acataram, pelo menos em parte, os seus conselhos sobre a melhor forma de governar; no entanto, seja Nero que Domiciano o acusaram de traição. Apolônio deparou-se com a tirania anti-intelectual de Nero, que havia expulso todos os filósofos de Roma. Corajosamente, ele continuou a dar palestras e reunir prosélitos afirmando que "nada, nos assuntos humanos, pode aterrorizar o sábio". Devido ter afirmado que, no fundo, Nero não passava de um palhaço, foi levado ao tribunal sob a acusação de impiedade. Todavia, no momento em que o acusador estava prestes a ler a acusação, o papel ficou milagrosamente branco. "Vá aonde você quiser, pois você é forte demais para ficar sob o meu poder", disse o acusador, que nada pôde fazer se não absolvê-lo da acusação.

Uns anos depois, Apolônio teve outros problemas com o imperador Domiciano, figura arrogante e sombria. Embora esse soberano o fizesse objeto de acusações e calúnias, Apolônio nunca perdeu uma ocasião para denunciar a tirania desse opressor, sem medo pela sua própria segurança, sendo enfim levado ao tribunal sob a falsa acusação de ter conspirado contra o imperador. Apolônio ouviu calmamente as acusações, recusando-se de olhar nos olhos de Domiciano e preferindo dirigir o olhar para o céu. Com a mesma tranquilidade dos grandes sábios, Apolônio defendeu-se e, repentinamente, desmaterializou-se desaparecendo do tribunal. No mesmo dia, poucas horas depois, apareceu novamente na cidade de Pozzuoli, a mais de 200 quilômetros de Roma.

Apolônio teve discípulos que o acompanhavam por toda parte, vestindo túnicas de linho branco igual ele. Entre os seguidores mais importantes lembramos Caio Musônio Rufo, filósofo romano adepto do estoicismo. Outros discípulos dignos de referência foram: Demétrio, o médico Dioscórides (fundador da farmacognosia) e Menipo. De seus discípulos Apolônio exigiu uma conduta irrepreensível e a observância de uns preceitos: "Não matem os seres que vivem; não comam carne, não sintam inveja, malícia e ódio; sejam isentos de calúnia e ressentimento."

Apolônio tinha a capacidade de entrar em simbiose com a Natureza praticando uma pureza de vida e um ascetismo exemplar que lhe permitiram operar milagres e dispensar curas espirituais. Tinha o dom de curar qualquer tipo de doença e sabia prever os acontecimentos em detalhe, assim como produzir talismãs poderosos para o benefício do bem e humanidade. Os poderes de Apolônio eram tais que Santo Justino Mártir afirmou o seguinte: "Por que os talismãs de Apolônio tem poder, pois eles impedem, como se vê, a fúria das tempestades, dos ventos violentos e dos ataques de animais selvagens, enquanto os milagres de Nosso Senhor são preservados apenas pela tradição, os de Apolônio são mais numerosos e se manifestam nos fatos presentes?".

Os cronistas da época narram que um dia ressuscitou uma jovem apenas tocando-a com suas mãos e pronunciando algumas frases ininteligíveis.

A faculdade de operar milagres era gerada pelo contato constante com o seu Mestre interior, ou seja, a Alma, podendo assim compreender a verdadeira essência de tudo o que está na Natureza.

Se a árvore é conhecida pelos seus frutos, os de Apolônio de Tiana estavam cheios de amor, altruísmo, tolerância e sabedoria, tanto que ele foi considerado um dos maiores mensageiros divinos de todos os tempos. Objetivamente, ele tentou ensinar aos homens a espiritualidade restaurando os cultos pagãos purificando-os das práticas supersticiosas, e ensinando, ao mesmo tempo, os caminhos de uma vida pura pela qual os homens podem alcançar a sabedoria e "fazer milagres".

Apolônio ensinou que o culto despido de ídolos e de símbolos era o mais verdadeiro e que cada religião tinha em si uma parte da Verdade, mas que nenhuma podia ser considerada superior às outras. Consequentemente, a autêntica intimidade com Deus se consegue com a pureza da meditação interior, sem recorrer a sacrifícios ou práticas absurdas.

Madame Blavatsky disse que: "Assim como Buda e Jesus, Apolônio foi ferrenho inimigo de qualquer forma pomposa de piedade exterior, de cerimônias religiosas inúteis e ostentosas e, acima de tudo, da hipocrisia. Se estudarmos a questão sem viés, reconheceremos logo que a ética da Gautama Buda, Platão, Apolônio, Jesus, Amônio Sacca, e seus discípulos se baseava na mesma filosofia mística. Todos eles adoraram um Deus considerado ou como "Pai" pela humanidade que vive nele ou como Princípio Criativo, e todos eles levaram uma vida santa. "

O presente texto se encontra também no meu E-book intitulado: "Viagem ao Centro do Cristianismo" que pode ser baixado grátis na seção E-livros da minha escrivaninha.