UM SACRISTÃO TRAUMATIZADO

Este caso inusitado aconteceu comigo no interior de um templo religioso, simplesmente por ironia do destino, pois como eu havia estudado para ser padre durante oito anos num seminário, mesmo após sair deste ambiente religioso à minha revelia, continuei com um intenso gosto pela leitura de bons livros, por sinal, relacionados à religião. Então, depois de tantos anos, quando menos eu esperava, eis que me vi numa situação suspeita, sendo confundido com um ladrão, justamente no interior de uma igreja.

Quando tal fato aconteceu eu trabalhava nos Correios, cuja agência ficava ali no bairro da Lapa, zona oeste de São Paulo. No intervalo da janta, para evitar papo furado e comentários supérfluos, eu optava por me refugiar no interior de uma igreja que havia ali próximo. Rezava um pouco e aproveitava para ler um bom livro. Depois da primeira semana frequentando diariamente aquele ambiente tranquilo e silencioso, certa ocasião, o sacristão que passava sempre por ali, como se estivesse me vigiando, pediu-me para que não colocasse os pés no genuflexório. Ele tinha razão. Aquele local era para por os joelhos. Sendo assim atendi-o sem maiores recriminações. Nos dias seguintes percebi que aquele funcionário da igreja continuava me observando, ‘filmando’ até que, certo dia, ele não resistiu e atrapalhou a minha leitura, falando:

- “Aqui não é lugar para passar o tempo não!”.

Achando que aquele foi um grande acinte, argumentei:

- Você está querendo dizer que eu tenho que sair daqui? – perguntei.

-“Entenda como quiser; estou apenas avisando”.

- Posso saber se tem algum padre nesta igreja?

-“Tem e ele está lá na sacristia”.

- Posso falar com ele? – perguntei.

- “Só se for agora”.

Em seguida acompanhei o antipático sacristão e logo fui atendido por um sacerdote muito educado. Após ouvir a minha queixa e tomar conhecimento de que eu era um ex-seminarista, apenas pediu para examinar o que eu estava lendo.

Entreguei o livro CONSTRUIR O HOMEM E O MUNDO de Michael Quoist. Balançando a cabeça afirmativamente deu para entender que ele gostara do título da obra. E em seguida falou:

- Realmente dá para perceber que você tem bom gosto e o nosso sacristão está equivocado com relação à sua pessoa. Espero que você compreenda a preocupação dele. Explico: há poucas semanas a nossa igreja aqui foi vítima de um assalto. E como ele foi abordado pelo meliante, obviamente, ficou traumatizado e agora passa a desconfiar sempre de pessoas que frequentam o nosso ambiente fora do horário das missas, assim como no seu caso, infelizmente.

- Posso saber se já aconteceu isto outras vezes, padre?

- Sim, mas não chegou ao ponto da pessoa agir como você, ou seja, pedir para vir falar comigo.

- O senhor há de convir de que “quem não deve não teme”, concorda?

- Sem dúvida, jovem.

- Boa tarde e a sua bênção!

- Boa tarde e que Deus o abençoe e o acompanhe!

- Amém.

Por pura coincidência, logo após este fato desagradável, fui transferido daquela agência postal e, consequentemente, não precisei mais “passar o tempo” no interior daquela igreja, deixando de assustar um sacristão traumatizado por assalto.

JOBOSCAN
Enviado por JOBOSCAN em 23/03/2017
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