SOCIOLOGIA : A FARSA DO TURISMO

1. INTRODUÇÃO:

Pretende-se, neste artigo, sair dos estudos funcionalistas ou sistêmicos da sociologia aplicada ao turismo, como os consagrados na obra abaixo:

KRIPPENDORF, Jost. Sociologia do Turismo: para uma nova compreensão do lazer e das viagens. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989, 236p. ISBN 85-200-0046-0

Eles não possuem um olhar mais crítico socialmente falando, aplicando-se a este fenômeno o materialismo histórico de Marx, com conceitos como mais-valia e luta de classes.

Para tanto, procurar-se-á aqui uma visão de inserção do turismo dentro de uma atividade econômica tipicamente capitalista, composta de trabalhadores, muitas vezes explorados, que estão imersos na divisão social do trabalho e na produção de lucro na forma de mais-valia.

2. DESENVOLVIMENTO:

O turismo é um vernáculo possivelmente recente, originário do inglês "tourism".

A palavra possivelmente seja de origem inglesa, porque os Estados Unidos são o país no qual o capitalismo desenvolveu-se mais, fazendo com que sua população tivesse maiores salários reais, ao ponto de sobrar para fazer turismo em outros países.

Aliás: o fenômeno turístico é diretamente proporcional ao aumento do nível de renda da classe trabalhadora, tratando-se de turismo massificado - ligado às férias como direito trabalhista e a valorização do ócio na aposentação.

Recente nasceu a palavra "tourism", como era de se esperar, porque o turismo é um conceito que não existia no Mundo Antigo e Medieval, precários em meios de transportes e sem muito aparato de câmbio.

Havia mais ostracismo nestes momentos da História, já que as civilizações não mantinham contatos mais estreitos, por causa da precariedade dos meios de transportes marítimos e terrestres.

Neste momento da História, primeiros séculos da Era Cristã, as pessoas não saiam muito do lugar onde nasceram ou onde trabalhavam, que dava no mesmo.

Os contatos das civilizações eram mais por guerras (contingente que pilhava o vencido, hostilmente), comércio (poucos comerciantes que iam por causa de produtos exóticos) ou negociações "diplomáticas" (um grupo apenas de escribas) - não havendo a curiosidade advinda da alteridade.

Alteridade é conceito amplamente estudado pela Antropologia, que nasce na segunda metade do século XIX, que é o desejo de conhecer o outro e sua cultura.

Porém, nem mesmo a Antropologia livrou-se de construção de estereótipos (imaginem o turista leigo?)

Os turistas atuais lembram "etnógrafos amadores". Circulam pelos pontos turísticos previamente delimitados pelo marketing turístico com suas câmeras de registro das imagens "pitorescas": a caça de clichês.

Clichês como rodas de capoeiristas em Salvador ou dançarinos de tango em Buenos Aires.

Não havia, na Antiguidade e no Medievalismo, um trânsito de pessoas que buscassem recreação ou lazer como no turismo contemporâneo, cujo traço marcante é a massificação.

Massificação e gentrificação de grande fluxo aeroportuário, principalmente, que permite rapidez e fluidez de enormes massas humanas, em trânsito de 24 a 48 horas médias.

Há uma rede turística, uma cadeia produtiva turística, quando o assunto é na Era Contemporânea.

Uma espécie de fuga é o turismo contemporâneo, de saída da opressão do cotidiano e do trabalho em grandes cidades, na qual o turista obtém seus meios de vida.

O turismo é simbólico, pois o turista é um consumidor de estereótipos que o ajudam a entender sua identidade que também é estereotipada (feita de clichês midiáticos). O turista é um produto que foi modelado para consumir marketing: no Brasil quer samba e mulatas, no Rio. Em Madrid quer touradas ou dançarino de flamenco, fazendo uma rasteira visão da identidade de uma nação.

O turista não quer saber dos problemas da cidade que ele visita: se nela há preconceito e exclusão social entre os "nativos" (e mesmo se houver, o turismo precisa dar conta de mistificar, por meio da produção artística local, do urbanismo "maqueador", da segurança pública direcionada a criar "higiene social").

Isso exige que as cidades criem zonas turísticas nas quais haja uma "teatralização turística", na qual a cultura local apareça de maneira estereotipada e de fácil consumo simbólico; isso é para não decepcionar o consumidor turístico criado pela propaganda turística.

A função pública começa a ser delimitada ai: que o Poder Público faça "teatralizações turísticas", faça "embelezamento de centros turísticos" e que impeça que o turista adentre mais no seu território e veja o que não quer ver: "lumpem" proletários (indigentes, mendigos, prostitutas).

A palavra turismo também pode ser relacionada com o conceito de domicílio, muito presente do Direito Civil, que se contrasta com a palavra residência e morada. Uma pessoa pode ter, segundo o direito civil, domicílio diferente do lugar no qual mora: um fenômeno típico das sociedades industriais.

Eu moro onde eu trabalho, que é chato, que é meu domicílio para efeito de obrigações; eu me divirto fora do meu domicílio, onde estou de passagem, seja por vontade minha ou seja por imposição do meu serviço (turismo de negócio).

Aliás, o turismo é um fenômeno das sociedades industriais, que nascem no século XIX com a Revolução Industrial, cujos traços marcantes são:

1) a separação entre lugar que eu moro e lugar que eu trabalho (o que não existia no feudalismo, onde uma pessoa produzia em casa o que ela precisava, com auxílio de famílias enormes);

2) grande concentração de pessoas em áreas não agrícolas, mas sim de fábricas (criando espaços de tensão entre o capital e o trabalho);

3) valorização da eficiência do trabalho com aumento permanente da produção (aumentando a fadiga e o desencantamento pelo lugar que vivo).

O turismo é atualmente um ramo econômico que desperta o interesse das Ciências Sociais. Isso ocorre por estar inserido na divisão internacional do trabalho e todas as demais derivações desta divisão, no âmbito nacional e regional.

Há redes de turismo que alimentam grandes cadeias de hotéis, que demandam serviços e produtos oriundos de diferentes áreas (como a demanda por frutas, que são produzidas em áreas agrícolas, antes esquecidas).

Há redes de turismo que alimentam pequenos empreendimentos e uma economia informal (vendedores de redes, de cadeiras, de iscas para pescaria) - que podem ser um lado perverso da atividade turística, feita nos porões desta atividade ("putting out sistem").

Aqui mora um excelente objeto de estudo para Sociologia do Turismo. Há uma penetração do funcionalismo nestas análises, que tendem a tratar o turismo como um fato social. Mas o turismo também pode gerar um rearranjo social, que cria a exploração invisível de partes de uma população marginalizada nas grandes cidades, ou mesmo em cidades com perfil de turismo de pesca, de caça, de atrações hídricas - muito presentes no interior do Brasil (que vem perseguindo a valorização turística há muito tempo).

O turismo é responsável pelo direcionamento do planejamento urbano, criando pressões sobre as políticas públicas. Influencia na especulação imobiliária e na forma com as cidades são zoneadas para construções de infraestrutura.

Logo, o turismo é um ramo do capital.

O capital que é uma relação social cuja produção de mercadoria é seu principal objetivo. Cuja meta é a exploração do trabalho pela circulação de dinheiro D-M-D' (dinheiro - mercadoria - dinheiro valorizado pela exploração do trabalho).

O turismo é praticado tanto nos países do 1° Mundo como nos países de 3° Mundo, sendo nem tanto nos países socialistas, que não dão ênfase ao lado mercantil das relações sociais.

Aliás, o lado mercantil das relações sociais é o foco do turismo, criando um exército de reserva de trabalhadores de turismo, formado por uma rede de assistência ao consumidor turístico. Consumidor este que desembarca numa cidade, em busca de consumir bens simbólicos. É o fomento do turismo uma socialização dos custos do capital com a rede de divulgação dos atrativos turísticos, dos caros investimentos em meios de transportes e de fluxo de turistas por meio de porto, estradas, ferrovias e aeroportos.

Turismo é incentivador da circulação monetária de bens e serviços, respondendo ainda por 3 por cento do PIB do Brasil, sendo maior em cidades como Rio de Janeiro, Salvador, Recife e Fortaleza - nas quais estão os maiores aeroportos, portos e rede hoteleira ligadas a esta demanda.

O perfil da força de trabalho do turismo é sazonal. Uma força de trabalho sem qualificação. Trabalhadores precarizados, que trabalham de sol a sol, que não possuem limites de jornada de trabalho, necessitando de maior organização.

Logo, o objeto da Sociologia do Turismo deveria ser deslocado para as condições de trabalho dos trabalhadores do turismo.

3. CONCLUSÃO:

Numa linha preliminar, observa-se que ao mudar a teoria que foca o turismo com atividade econômica e social, mudam-se também os resultados e o tipo de análise dos fenômenos que cercam este ramo da divisão social do trabalho. O foco seria o contingente de trabalhadores que estão absorvidos dentro das empresas e da economia informal que circunda o turismo como atividade mercantil.

4. BIBLIOGRAFIA:

BENI, Mario Carlos. Análise Estrutural do Turismo. 3ed. São Paulo: Editora Senac, 2000.

DIAS, Reinaldo. Sociologia do Turismo. São Paulo: Atlas, 2008.

DURKHEIM, Émile. As regras do Método Sociológico. São Paulo: Abril, 1973.

MARX, Karl. O Capital, tomo 1, volume 1. São Paulo: Abril, 1988.

KRIPPENDORF, Jost. Sociologia do Turismo: Para uma nova compreensão do lazer e das

viagens. 3 ed. São Paulo: Aleph, 2006.

OLIVEIRA, Antônio Pereira. Turismo e Desenvolvimento: planejamento e organização. 5

ed. São Paulo: Atlas, 2005.

LUCIANO DI MEDHEYROS
Enviado por LUCIANO DI MEDHEYROS em 11/05/2017
Reeditado em 05/04/2020
Código do texto: T5995992
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