PEC do Semipresidencialismo

A PEC 102/2015 sobre mudança do sistema de governo encontra-se na CCJ do Senado para ser votada. Posteriormente, ela depende do quórum qualificado de 3/5 dos membros de ambas as casas legislativas: 49 senadores (em duas votações) e de 308 deputados (em duas votações), antes de ser promulgada pelo presidente do Congresso Nacional como emenda constitucional.

O semipresidencialismo é um termo criado pelo cientista político Maurice Duverger (1917-2014) para caracterizar a Quinta República na França. Passou a ser utilizado na ciência política para definir o sistema misto de governo, onde há dupla legitimidade eleitoral: a eleição direta para presidente da República (chefe de Estado) e, ao mesmo tempo, existe o poder majoritário do primeiro-ministro (chefe de governo), com apoio da maioria absoluta dos parlamentares.

A vitória do presidencialismo, tanto no referendo de 1963 como no plebiscito de 1993, parecia haver esgotado o debate sobre sistema de governo no Brasil. Entretanto, a crise política dos últimos anos fez ressurgir o debate com uma nova roupagem, por causa da crise do presidencialismo de coalizão. Este sistema de governo mostrou-se eficiente durante o quadro de estabilidade política e econômica em quatro mandatos presidenciais (1995-2010), quando os presidentes foram reeleitos e terminaram seus mandatos. Entretanto, este período mostra-se uma exceção diante das sucessivas crises políticas que levaram presidentes ao suicídio (1954), à renúncia (1961) e a interrupção do mandato presidencial por golpe (1964) ou impeachment (1992 e 2016).

O presidencialismo de coalizão concentra poder de decisão (em relação ao legislativo) e centraliza a arrecadação (em relação aos entes federados). Em período de estabilidade macroeconômica, como o já citado, permite respostas mais rápidas para os ciclos econômicos em casos de recessão. Entretanto, ocorre a interrupção do mandato presidencial nos casos de grave instabilidade política e de forte crise econômica, pois o sistema de governo não aponta solução: o presidente da República é, ao mesmo tempo, chefe de Estado e chefe de governo.

A separação das funções cria mecanismos, como a troca do governo ou a convocação de novas eleições, para superar graves impasses políticos. Situações impossíveis no presidencialismo diante da estabilidade dos mandatos do executivo e do legislativo. O debate em torno da mudança do sistema de governo é realmente complexo. Deve ser feito com cuidado e transparência. Por fim, submetido a referendo para entrar em vigor e, assim, evitar qualquer tipo de questionamento político ou constitucional.

A proposta, em tramitação no Senado Federal, cria a figura do primeiro-ministro (chefe de governo). Em caso de relevância e urgência, o primeiro-ministro poderá adotar medidas provisórias com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. A discussão e votação de projetos de lei de sua autoria terão início pela Câmara dos Deputados, podendo solicitar urgência em sua tramitação.

O poder executivo é exercido pelo presidente da República e pelo Conselho de Ministros. O presidente da República nomeia o primeiro-ministro e, por indicação deste, os demais ministros de Estado. O presidente pode presidir as reuniões do Conselho de Ministros, quando julgar conveniente. Além de sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, o presidente pode dispor por decreto, mediante proposta do primeiro-ministro, da organização e funcionamento da administração federal.

Após a investidura no cargo de primeiro-ministro e aprovação do programa de governo, só pode ocorrer moção de censura contra o chefe de governo, desde que decorridos seis meses da posse. Não se adotaria a moção destrutiva (do tipo italiano) que apenas derruba o governo, mas sim a moção construtiva (do tipo alemão), isto é, deve constar a indicação de novo primeiro-ministro e de seu programa de governo.

O primeiro-ministro pode pedir voto de confiança para o apoio à execução do programa de governo. No caso de ser negado o apoio, cai o gabinete. Por exposição motivada do primeiro-ministro, o presidente da República pode dissolver a Câmara dos Deputados e convocar novas eleições no prazo máximo de noventa dias. Tal convocação não pode ocorrer nos seis primeiros meses do início da legislatura e tampouco no último semestre do mandato do presidente da República.

A proposta de mudança do sistema de governo procura corrigir a assimetria de poder que existe do executivo em relação ao legislativo. Por exemplo, as medidas provisórias passariam a ser assinadas de maneira mais transparente pelo primeiro-ministro, que se torna responsável por elas perante a Câmara dos Deputados. O primeiro-ministro responde por crime comum, perante o Supremo Tribunal Federal, e por crime de responsabilidade, perante o Senado Federal. Em caso de admitida a acusação por dois terços da Câmara dos Deputados, o primeiro-ministro é exonerado de suas funções como chefe de governo.

No semipresidencialismo, a coalizão de governo seria sustentada pelo primeiro-ministro dentro da Câmara dos Deputados e não mais por articulações políticas realizadas por fora, em negociações feitas em nome do presidente da República, como no atual presidencialismo de coalizão. A articulação política entre chefe de Estado e chefe de governo pode ser mais direta na negociação dos ministérios e dos cargos do alto escalão do governo federal em nome do tamanho da coalizão de governo.

O bom funcionamento do sistema político não depende apenas da manutenção ou da mudança do sistema de governo, mas do sistema eleitoral (proporcional ou distrital), do sistema partidário (existência do fundo partidário), do financiamento de campanha (público ou privado), da existência ou não de cláusula de barreira e da permanência ou do fim das coligações partidárias. A reforma política é um processo de mudança institucional que visa aperfeiçoar a representação política, permitir a governabilidade e garantir a estabilidade política do país.

Luiz Roberto Da Costa Jr. é mestre em ciência política pela Unicamp.