O barro na mão do oleiro

O barro na mão do oleiro

O OLEIRO E O BARRO

Como o barro nas mãos do oleiro, assim estão vocês em

minhas mãos, ó casa de Israel (Jr 18,6).

A alegoria do oleiro e do barro é um dos textos mais belos, mais reveladores e mais pedagógicos da saga profética do Antigo Testamento. O elemento barro evoca o episódio bíblico da criação do homem. Uma matéria sem forma e sem expressão, que nas mãos de Deus se torna uma criatura, imagem e semelhança de quem o criou. Desde a metáfora da parte mitológica da narrativa criacional se nota a relação entre o barro, a argila, como uma massa informe e a capacidade transformadora de Deus.

As Sagradas Escrituras se utilizam de inúmeras figuras e expressões para revelar Deus e o seu modo peculiar de agir na história. Entre estas descrições vamos destacar a imagem do oleiro, um artífice tantas vezes citado na cultura do Oriente Médio, fortemente acentuada pelo profeta Jeremias.

Palavra que Javé dirigiu a Jeremias: "Levante-se e desça até a casa do oleiro; aí eu comunicarei minha palavra a você". Desci até a casa do oleiro e o encontrei fazendo um objeto no torno. O objeto que ele estava fazendo se deformou, mas ele aproveitou o barro e fez outro objeto, conforme lhe pareceu melhor. Então veio a mim a palavra de Javé: “Por acaso será que não posso fazer com vocês, ó casa de Israel, da mesma forma como agiu esse oleiro? - oráculo de Javé. Como barro nas mãos do oleiro, assim estão vocês em minhas mãos, ó casa de Israel” (Jr 18,1-6).

Essa perícope, encontrada em Jeremias é pródiga em lições que servem para nossa edificação espiritual: Ao ordenar ao profeta “Levanta-te!” o Criador está recomendando que ele saia do comodismo e deixe a preguiça. Para seguir este caminho é necessário que a pessoa ore mais profundamente, adore melhor e se dedique mais ao projeto divino.

Da atividade humilde do artesão que modela a cerâmica surgiu a imagem, metafórica ou não, de Deus que modelou o homem do barro da terra (cf. Gn 2,7s). A ação do oleiro sugere a Jeremias que Deus dirige a história, dando forma aos acontecimentos conforme lhe apraz. O projeto que Deus tem para nós não admite discussão. É ele que molda a história humana. No vocabulário do barro, não existem frases como: “Por que você está fazendo isso?”, “Não quero assim!”, “Daquele outro jeito é melhor!”, “Não mereço ser isso tudo!”, “Como eu posso virar isso tudo que você está falando?”

O oleiro pensa, trabalha e o barro está apenas entregue. Deixar Deus moldar o barro da nossa vida para torná-la um vaso é obedecer sua Palavra, seus pensamentos e inserir em seus projetos, acompanhando o movimento de suas mãos. É salutar que o homem não acompanhe o mundo, a mídia, a moda (cf. Rm 12,2) ou a que os outros fazem, mas acompanhe as mãos do artista. Ali está a nossa segurança e o nosso futuro. Quem não vive conforme o projeto de Javé é deixado de lado e substituído por outro.

Ao recomendar que as pessoas desçam para conhecer as realidades da olaria, Deus preconiza a humildade: abaixe-se para aprender. A história, especialmente a bíblica, está recheada de exemplos desse tipo. Nabucodonosor desceu do trono para escutar o profeta; o apóstolo Paulo desceu do cavalo ao ser tocado pela luz de Deus; na casa do tribuno Cornélio, Pedro desceu do terraço e Zaqueu desceu da árvore – e de sua posição social – para ver a Jesus que passava por ali. Na encarnação, o Filho desceu do céu para se tornar pão da vida, e na ressurreição, Jesus desceu ao mundo dos mortos (aos imphernos) para anunciar a boa notícia da vida nova que se instaurava. Javé desceu do céu para escutar os clamores do seu povo, escravizado no Egito (cf. Ex 3, 7).

Ora, sabemos que muitas vezes o trabalho cansa e suja as mãos, suas rotinas esgotam a paciência de quem executa uma tarefa, por isso há os que não gostam de determinadas formas de trabalhar ou escolhem o que querem fazer, Por não seguirem o modelo do oleiro é que existem tantas tarefas inacabadas no mundo. Observamos, na narrativa que o vaso quebrou, mas o artífice não o jogou fora, teve paciência com ele.

O Criador tem paciência com a obra. Todos os elementos tem valor para ele. Tem vasos de barro comum e de material mais sofisticado (porcelana, ouro) qual nossa escolha? Como queremos ser? Às vezes – por frágil – o vaso quebra na mão do artista: é preciso recomeçar (Em Cristo, Deus recomeçou a criação destroçada pelo pecado).

Isaias vê no oleiro a imagem da soberania de Deus sobre toda a criação. Nessa conformidade pode a coisa formada dizer ao que a formou: Porque me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso bom e outro menos bom?. O Senhor é soberano!

Ai daquele que, sendo apenas um vaso de barro, se atreve a discutir com o seu criador! Por acaso a argila vai dizer ao oleiro: "Que é isso que você está fazendo? Essa vasilha não tem cabo?" Ai daquele que diz para o seu pai: "O que você está pondo no mundo?", ou para uma mulher: "O que você está dando à luz?" Assim diz Javé, o Santo de Israel, aquele que o formou: Vocês querem, por acaso, saber as coisas futuras a respeito de meus filhos e dar ordens a respeito da obra de minhas mãos? (Is 45, 9ss).

Como o único Senhor do universo e da história humana, Deus age de forma natural e incontestável. Ninguém tem direito de contestar ou questionar suas atitudes, nem ele tem obrigação de prestar contas de suas obras.

Como vocês são perversos! O barro vai querer se comparar com o oleiro? Poderá um trabalho qualquer dizer ao seu fabricante: "Não foi você que me fez"? E o pote, será que pode dizer ao seu oleiro: "Você não entende nada" (Is 29, 16)

O opressor, social ou politicamente falando, se julga dono do mundo e apresenta desejos de ocupar o lugar de Deus, procurando de qualquer forma dirigir os acontecimentos, confundindo os planos que não se adaptem às suas ideias egoístas. O egoísta é um hipócrita que deseja manipiular a liberdade das pessoas, tentando impor seus pontos de vista.

Senhor, tu és nosso Pai; nós a argila e tu o oleiro; nós somos

todos a obra das tuas mãos (Is 64,8).

Não existe arte sem amor; quadro sem pintor, rimas sem poeta, vaso sem oleiro. A obra mais bela é a que é tecida pelas mãos do artista, do Oleiro que tem em Seu coração os belos sonhos que retirarão um rude barro de sua “não existência”. O barro não pode moldar a si mesmo, para vir a ser algo ele precisa se confiar aos sonhos e à sensibilidade do oleiro. As mãos deste, comportam a medida certa, entre firmeza e delicadeza, para trabalhar essa substância e transformá-la em uma linda obra de arte.

Nos Livros Sapienciais lemos que Jó disse a Deus, "As tuas mãos me plasmaram ... Lembra-te de que me formaste como em barro" (Jó 10,8,9). O que Jó disse, todos nós podemos dizer. Como criador de nossos corpos (Sl 139,13-16) e Pai espiritual (Hb 12,9), o Criador predestinou aqueles a quem de antemão conheceu para serem conformes à imagem de seu Filho (Rm 8,29). Paulo expressou confiança quanto aos filipenses: ... aquele que começou boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus (Fl 1,6).

Na transformação da argila, o oleiro utiliza e precisa de alguns elementos:

1) Barro/argila misturados com água;

2) Rodas do oleiro ou as mãos – o oleiro usa óleo para não danificar a peça a ser fabricada;

3) Forno – para queimar as peças e torná-las mais resistentes. O calor do forno também pode quebrar as peças defeituosas;

4) Vaso – É o resultado do seu trabalho. Mas, o vaso não passa de um objeto inútil se não houver um uso específico para ele;

A partir de Isaías 64,7 percebemos que somente através das mãos de Deus, o oleiro, nossa vida pode ser transformada, modelada e remodelada. Para Deus todas as peças/pessoas têm seu propósito.

Há uma estreita relação de dependência do barro com as mãos do artífice. É igual à relação homem/Deus. Deus sem o homem continua sendo Deus; o homem sem Deus não é nada. No limiar do cristianismo, Paulo volta ao binômio oleiro/barro.

Quem é você, homem, para discutir com Deus? Por acaso, o vaso de barro diz ao oleiro: "Por que você me fez assim?" Por acaso o oleiro não é dono da argila, para fazer com a mesma massa dois vasos, uma para uso nobre e outro para uso comum? (Rm 9,20s).

De tudo o que vimos, constata-se que o barro não pode se moldar a si mesmo. Para vir a ser, ele precisa confiar suas expectativas aos sonhos e à sensibilidade do oleiro, pois só as mãos dele comportam a medida certa. Nesse aspecto o ser humano deve se entregar nas mãos de Deus, o divino oleiro, para se plenificar no projeto original.

Allan Daniel Terra
Enviado por Allan Daniel Terra em 12/09/2017
Código do texto: T6112151
Classificação de conteúdo: seguro