Amar anula a simbolização mais plena do amor

Em verdade não amamos ninguém, nunca amamos ninguém. As pessoas que dizemos amar, as coisas as quais sujeitamos amor, nunca foram amadas e nunca poderão sê-las.

As pessoas, coisas as quais chamamos pessoas pela necessidade de dar nome a elas, são meros complementos para a subjetividade humana de todo ser. Damo-las a feição elevada de amor por uma necessidade ainda maior e precária que cada ser tem de precisar de outro ser ou coisa material.

Então amamos... Ridiculamente amamos... Todas as vezes que o amor beneficia o espelho de nossas idiossincrasias, quando a caridade exacerbada de alguém (buscando ao menos a reciprocidade do seu gesto) em nós se aponta.

Amamos e somos amados pelo sistema pedófilo de tudo, amamos e achamos que tudo é amor e o amor é deus de nossa infância. Amamos as mãos amigas que acalentam e podem acariciar, fornicar... depende-se a vontade... Amamos quando somos comprados pela superficialidade do ouro, Deus! Do ouro, da moda, das flores: representação do amor, verdade do amor, face material do abstrato com cor e cheiro que seca, símbolo sublime do sentimento mais belo dos funerais.

Todos amam e não há plenitude alguma se, de fato, existe essa materialização do amor, amamos unicamente a nós mesmos porque a nós é satisfatório gostar do agradabilíssimo. Amar nesse aspecto endurecido de narciso sepulta qualquer espécie metafísica e incondicional de amor.

Ocorre todos os dias, em todos os lugares, o milagre do acaso. Parte do encontro de um ser com outro ser e tudo se repete continuamente com todos os seres. Em cada um brota a afetividade configurada pelo desejo alimentado no ser encontrado, é o prazer... Somente o prazer proporciona ao indivíduo a criação de um elo que pode ser desvinculado no momento em que outro ser com maiores valores a serem ofertados surge. Isso não leva a uma quebra total do elo passado, mas partindo da insatisfação e do desgaste dos valores edificados; na concepção da nova ligação afetiva surge o que chamo de inclinação ao próprio ser, ou sustentação do prazer maior.

O apego à determinada coisa é rompido quando a utilidade deste decai, ou somado ao aparecimento de um novo instrumento que pode ocupar o lugar do outro com acréscimo. É da natureza do homem fazer da vida uma dependência material infinita e insatisfatória, qualquer ser tem em si o desejo de dominar tudo a sua volta mesmo que isso ofenda o curso de outro indivíduo. O homem é o único ser que não se contenta em ser o possuidor de si mesmo.

Geovane Belo
Enviado por Geovane Belo em 08/12/2005
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