A Gravidez da Analista como Facilitadora da Transferencia

A Gravidez da Analista como facilitadora da Transferência

“The child is the first link in the transition from narcissistic self love to

an object love,and from the young´s woman´s narcissistic masculinity into feminity.”

Esta comunicação tem como objetivo apresentar o andamento da análise de uma paciente quando interferiu no setting um fator externo com o qual a analisanda se defrontou -a gravidez da analista.Penso que esta realidade tornou possível aprofundar o trabalho analítico por ter modificado seu curso no sentido de abrir uma área no inconsciente infantil, que aflorou pelo fator desencadeante da gravidez ,levando a uma facilitação do aparecimento de material bem como de trabalho analítico.As associações livres, os sonhos, as fantasias,a competição edípica ,os afetos em torno à mãe grávida,ao feto, ao coito dos pais,aos conflitos infantis enfim,foram mobilizados pela gravidez da analista que neste sentido creio que atuou como um imã para todo um material inconsciente que se encontrava reprimido.

É fato conhecido que a transferência materna ou paterna existem independente do sexo do analista.Entretanto se impõe,quando uma analista engravida,a anatomia e o fato de que homens e mulheres são diferentes biologicamente.Passa então a ocorrer uma distinção fundamental pois se introduz no setting agora realmente visível um útero grávido que cresce e aumenta dia a dia. Observei que quando esta realidade se insinua a transferência passa a ser , primordialmente, com a figura materna e há uma conseqüente mobilização de angústias infantis pois é o coito dos pais,representado pela gravidez, bem como o complexo de Édipo que dificilmente agora podem ser negados.

O setting analítico obedece a certos preceitos, certos parâmetros, embora com algumas variações individuais determinadas pelas próprias diferenças pessoais de cada analista, ele tem um contexto, uma unidade básica necessária para que uma análise vá à frente e, dentre estes, evitar a intromissão de detalhes da vida particular do analista é o que podemos colocar como número um; mas as analistas de sexo feminino não podem se furtar a esta modificação radical do setting que ocorre quando engravidam—a realidade se introduz pela intromissão de um fator da vida íntima e pessoal dela—real,presente e visível.

Devido especificamente a esta situação tive um paciente que interrompeu a análise.Era o filho mais velho de uma prole de seis irmãos e, em seu caso não foi somente a rivalidade com o pai ou o Conflito Edípico mas o ciúme com os irmãos e sua agressão deslocada para o feto pois ele pensava magicamente que sua hostilidade iria destruir meu ventre que continha:um futuro irmão,por esta razão ao entrar ou sair das sessões olhava para cima ou para os lados evitando de se confrontar com a minha gravidez.Embora eu tenha insistido em trabalhar nesta transferência hostil exaustivamente ,pois acreditava que se este paciente houvesse dado este passo comigo ele teria superado toda sua situação infantil, Cláudio não pode suporta re desistiu. Retornou , entretanto,imediatamente após saber que o bebê havia nascido.Disse me claramente que agora não teria mais que ver minha barriga,se sentia aliviado e com base nestas afirmações retomou sua análise.

Quero deixar claro que este paciente interrompeu sua análise justamente por sua problemática interna, enquanto outros seguiram comigo por este caminho e a análise de seus conflitos com minha gravidez—vivenciada como a mãe prenhe pelo pai—foi benéfica no sentido de se identificarem com o pai potente e a mãe criativa.

Outra situação comum é que os pacientes, pela ausência de informação,tendem a se sentir depreciados pela perda do controle que eles acreditavam ter sobre a analista e que,agora, a realidade nega cruamente.Vemos isto freqüentemente nas crianças pequenas e fica bem ilustrada com a pergunta que escutei de um menino a sua mãe,muito brabo:

-“Como tens filhos sem me pedir?”Então as fantasias narcisicas onipotentes da criança desabam sob o impacto da realidade e o mesmo ocorre com nossos clientes.

Observei que a gravidez da analista como mobilizadora de fantasias e angustias infantis de forma muito vívida é diferente daquela da paciente grávida pois tive a oportunidade de trabalhar com uma, em análise, e nela notei um retraimento, como que um certo isolamento.Ela se mostrava anteriormente uma pessoa bastante solta para associar livremente e, no entanto, se retraiu, se defendeu para proteger o feto dela e isto ela reconheceu e verbalizou sinceramente.Mesmo a análise sistemática desta situação transferencial cujo núcleo consistiu no temor de ser despojada de seu futuro bebê pela mãe a quem em suas fantasias castrou,ela não voltou a ser como era durante a análise a situação anterior,ela seguiu se controlando no período de gravidez, se protegendo.

Além da transferência temos que atentar ,também, para nossa contra-transferência nesta situação.Ouvi falar que se a analista não se encontra bem ou sofre de vômitos,náusea e angústia com sua gravidez, isto também pode interferir na análise.Os pacientes tem um “radar”,são como as crianças para a percepção destes aspectos e eles captam quando a analista está bem, serena e tranqüila com sua gestação como também captam o oposto.Neste caso eu pensaria como hipótese que ela vai se atrapalhar na análise das ansiedades dos pacientes com sua gravidez pois se encontra angustiada.

Devo acrescentar que embora sempre tenham sido motivo do meu interesse as investigações relativas à paternidade e feminilidade—e a gravidez é fenômeno biologicamente feminino mas que envolve ambos os sexos pois lembra que houve um coito ou seja um homem com seu esperma que fecunda e um óvulo pronto que espera—eu estive sempre atenta para que meus interesses médicos não interferissem no sentido de dirigir,através de minhas interpretações ou assinalamentos, as associações de meus pacientes para que seu material não proviesse da percepção do agrado que teria sua analista neste aspecto, como também atentei quando o material girava somente em torno de minha gravidez para ser usado como uma defesa ou “cortina de fumaça” a fim de evitar a análise ou servir como resistência.

É necessário ressaltar que contra-transferencialmente,ao trabalhar grávida eu me senti enriquecida para perceber os aspectos infantis dos pacientes e de nossas próprias angústias infantis pois, por natureza é conflituoso,mesmo doloroso, ´para todo ser humano a chegada de um novo irmãozinho.Chamou me a atenção que houve neste período uma maior abertura de meus clientes e desde já revelar que para todos eles esta situação se constituiu em um momento marcante.

Entretanto, vou me restringir a expor um caso porque foi, dentre eles,o mais florido e que, por assim dizer, reuniu aspectos presentes em praticamente todos os outros, revelando se também de forma nítida através dos sonhos.

Histórico

Grazia é uma moça de 18 anos, tipo mignon,de origem italiana e nascida em uma cidade do RS para onde os pais migraram..Descendente de uma família de intelectuais com gosto apurado pela literatura ,música e idiomas,cursava na época engenharia, mesma profissão dos pais que trabalhavam juntos,sendo profissionais de sucesso.Procurou análise por sentir dificuldades sérias com os homens como uma excessiva timidez que a levava a escolher sempre pessoas que a desvalorizavam e destratavam.Apresentava na época frigidez de tipo anestesia vaginal, temor ao coito e por ocasião das menstruações sofria de fortes dores e cólicas menstruais permanecendo acamada sob ação de fortes sedativos.Pouco conversava com os pais e irmã, e,embora se mostrassem abertos para com ela, se mantinha fria e à distância.

Quando me procurou sua aparência espantava em relação à família e o curso que fazia, pois se apresentava como uma pessoa extremamente pobre,vestindo “trapos”.Realmente se sentia e estava empobrecida esta mulher.Caracterológicamente falando apresentava traços fóbicos obssessivos, mas não se tratava de uma carapaça estabelecida já que suas defesas se encontravam móveis e não estabelecida, fixas pois logo cediam dando lugar à depressão e sentimentos de desvalorização que se traduziam por um choro sentido, mansinho, quieto,lembrava uma meninazinha só e com frio.A mãe era depreciada por ela como tímida e o pai, extremamente desvalorizado,chegava a ser considerado como um homem impotente.Em síntese, sua feminilidade se encontrava fendida e, embora potencialmente fosse uma pessoa rica e ainda com uma boa estrutura familiar interna,não podia fazer uso de suas capacidades pois se encontrava identificada,por culpa, com os pais atacados internamente.

Evolução da Análise

Durante o primeiro ano de análise de Grazia foram analisados seus desejos orais através da transferência: eu, a analista, existia em função dela, bebe ,e era sentida não como uma pessoa mas como um seio inesgotável ou uma empregada a seu dispor e sob seu controle.Eu era um objeto magicamente controlável e paralisada como fazia com a mãe internalizada: sem prazer na relação, sem homem, sem filhos.Aos poucos a relação externa com os pais melhorou e sua agressão, como era de esperar concentra se toda na situação analítica.

Interessante foi a sua percepção de minha gravidez que me pareceu surgir pelos seguintes indícios:

1-Um súbito interesse por mulheres grávidas.

2-Aproximação com crianças—passou a se interessar tanto pelas crianças da família como quando ia aos parques (ela brincava e gostava)-na análise era ela a minha criança de quem eu gostava e gostava de mim ,o que traduzia uma aproximação mais afetiva ao invés da usual ,fria e distante.

3- Três semanas antes do reconhecimento de minha gravidez (não era visíve por esta época, teve uma atuação de tipo histriônico mantendo relações sem uso de anticoncepcional, porém em períodos em que sabia não ser fértil.

Podemos dizer que a captação inconsciente de minha gravidez se traduzia por estes sinais quando ela ainda negava para evitar de sentir, pois meu estado já se tinha tornado visível e outros pacientes haviam reconhecido. Na sessão que antecede sua aceitação clara de minha gravidez ela informa que havia começado a tricotar casaquinhos de lã para bebês e eu lhe perguntei suavemente: -“ E para quem tricotas estes casaquinhos?” Ela responde com um sonho da noite anterior, um sonho em que havia sido exilada de seu lar para outro país. Eu não fiz a ela uma intervenção porque eu estava querendo que o material e seus afetos aflorassem aos poucos e estava muito cuidadosa com esta moça.Resolvi então esperar pelas próximas sessões as quais eu vou relatar em seguida.

Depois retornaremos a este ponto que no presente eu acentuei somente para mostrar como, devagarinho, ela foi se aproximando e chegando para o que, inconscientemente já percebera(minha gravidez).

Sessão 1

-Quero te fazer uma pergunta,quero saber se estás grávida porque tens vindo ultimamente de bata.Acho que não estás, podes ter engordado,mas tem alguma coisa dentro de mim me dizendo que estás.Anda uma mania de gravidez!A Maria,uma colega ,ficou grávida e uma prima minha também.Quero saber se realmente estás ou não.Fico agoniada de estar fantasiando que estás grávida e se depois não é... engraçado fica como imaginar que estás grávida e só percebo com tua gravidez adiantada.Vou me sentir tão mal de não perceber as coisas!....silencio....é que não te olho bem,não consigo te olhar...

-Porque temes reconhecer e identificar teus sentimentos para comigo.

-Isto é verdade ,mas tenho medo que estejas gorda e eu pensando que é gravidez.Tu aumentaste de volume, sem dúvida, e fico braba de não saber o que é.Parece que tudo está tão diferente,estou estranhando de poder estar só,sem namorado, e me dando melhor com as pessoas.Até com a Mariana,colega de serviço,de quem eu tinha ciúmes com o Paulo(ex- namorado) estou bem.Penso que o Paulo me comparava tanto com ela para me meter ciúmes,para eu me sentir inferior a ela,para brigar com ela...

-E agora que estás te sentindo melhor comigo, Mariana,mas vem a gravidez,ficas enciumada e te sentes inferior.

-Porque tu engravidastes?Tens que ter um motivo,tu não és que nem uma amiga minha que engravidou só para casar e, de que te adianta?Tu trabalhas tanto que nem vais ter tempo para cuidar do teu filho.Parece que agora tu vais estar bem na tua casa e eu vou ficar de lado...eu sou tão desconfiada!Hoje um colega meu se aproximou para conversar comigo e eu já fiquei na defesa perguntando o que ele queria,achando que não podia querer conversar comigo,gostar de mim...

-Assim como comigo pois estás temerosa que te abandone tendo um filho ou que vá gostar só dele e te deixar de lado.

-Eu tenho medo de engravidar até depois de casar ,tenho medo da compressão que o bebê faz, de ter falta de ar, de inchar as pernas e de ficar nove meses esperando para tirar aquele peso.Ficar toda inchada,como deve ser desagradável!

-O que temes ser desagradável são teus sentimentos para comigo grávida durante este tempo.

-Acho que vou ter uma raiva desta criança!Vou ter vontade de lhe dar uns puxões de cabelo!Como é que uma pessoa casa e tem paciência de ter filhos?Acho que nunca vou fazer isto! Parece que nunca vou poder gostar de uma pessoa como tu gostas!Parece que minhas relações com as pessoas vão ser curtas ,não vou demorar muito.

-Estás com dificuldades em conviver comigo grávida porque temes que teu ciúme possa destruir a mim como ao bebê ,então vais te afastar de mim para me proteger.

-Eu morro de inveja de quem engravida e casa feliz como tu ,na minha casa é diferente,quando minha prima engravidou minha mãe se sentiu triste pois se sentiu velha,quando eu tinha três anos,nunca esqueço, estávamos na praia e parou uma senhora com uma criança num carrinho que eu nem conhecia e eu arranhei o bebê de ciúmes, eu era capaz de matar...todas as pessoas ali se impressionaram, embora entendessem o meu ciúmes...(choro)...eu me senti pequena e já tão ruim.

-Entretanto aqui és tu que temes como temeste à senhora que eu pense que és má ,porque temes que vá te deixar de lado,que eu fique,como tu ficas, muito impressionada com o teu ciúme e não possa entender que te sentes muito pequena e necessitada de mim.

-Eu me sinto tão atrasada em relação aos outros!Todo mundo casa e tem filhos e eu sou diferente ,é como se eu fosse feita só para assistir os outros viverem.Tenho a impressão que vou levar dez anos para aprender a viver,isto tudo.Como com os meus livros, sempre parece que não os vou encontrar, tem que ter alguém que procure,me mostre.

-Queres que eu te ajude e queres ser como eu que casa, tem filhos e encontra os seu próprios livros.

-Estou tensa agora aqui como estava no bar com meu instrutor de Cálculo. Fiquei mais tensa quando notei que ele me apreciava, aí me defendi , fiquei séria e passei a sentir medo de falar,de cometer erros e de perder o afeto dele por mim.

SESSÃO 2

-Estou com cólicas ,tomei um anador porque menstruei ontem e estou me sentindo tão fraca,uma sensação de estar perdendo tudo,de perder as forças,perder ferro e ficar com anemia.Antes,quando eu não me analisava,tinha de tomar dois comprimidos,agora chega um só.É tão ruim!Não vejo sentido na menstruação!O que todo mundo fala é que se deveria ficar feliz porque significa que sou fértil,que posso ter filhos mas,para mim,é o oposto.

-Te sentes perdendo para mim por não estares grávida,o que tua menstruação confirma,mas te sentes assim esvaziada por teu desejo de me esvaziar,tirar o bebê.

--Estamos as duas infelizes hoje,eu e a Mariana.Ela porque seu ginecologista mandou fazer repouso por perigo de aborto e eu porque estou menstruada.

-Competes comigo, me esvazias da minha gravidez e te punes te sentindo fraca ,infeliz,porque realmente acreditas que eu,como a Maria,corro o risco de abortar ficando contigo.

-E a primeira coisa que penso quando estou menstruada é não sair de casa , não fazer nada.Parece que eu não vou agüentar e,antes de vir para cá

eu não saía mesmo,mas agora não entrego mais as fichas...fiquei feliz,estou pensando agora em terminar meu namoro com o Paulo,não sinto mais nada por ele,me sinto mais segura.Era por companhia,para não estar só que eu ficava com ele já que não era uma pessoa agradável.Ora,não era ele que eu queria,era de uma amiga que eu precisava.

-E a amiga sou eu.

-É, tenho vontade de ter um homem mais maduro,mais atraente como o dentista que estava presente em um jantar que fui.Ele olhava para mim e conversávamos muito naturalmente,no mesmo nível, embora eu seja muitos anos mais moça que ele.Entretanto quando percebi que estávamos no mesmo nível e conversávamos animadamente levei um susto comigo e imediatamente fiquei envergonhada e fui regredindo e fui me sentindo por dentro uma criancinha e senti raiva dele como se quisesse ter logo um relacionamento mais íntimo comigo,mas eu é quem estava querendo.Quando penso que é assim,que eu também quero,fico com medo de perder o controle,ficar gostando muito e me assusta ver a mim podendo acompanhar perfeitamente um homem tão maduro e vivido.

-Te assustas porque para ti isto significa ganhar de mim,competir comigo, mulher adulta e vivida,por isto regrides.

-Ontem a propósito do que me dissestes eu pude fazer uma coisa que nunca tinha feito ,lembrei agora.Fui providenciar para a prefeitura de minha cidade Natal um projeto de edifícios que me haviam solicitado e que eu havia deixado parado.Foi também a primeira vez em que entrei lá orgulhosa de ser filha de meu pai,eu que me envergonhava dele.Depois, nas aulas de Cálculo o professor começou a me delegar funções e a confiar em mim.Parece que estou conseguindo mudar no sentido de não me portar de forma tão infantil.Foi ao contrário de minha aula no Científico quando o professor só de olhar minhas roupas disse que ali não era Jardim de Infância.

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COMENTÁRIOS

É de relevância comentar que esta análise , antes de minha gravidez corria de uma forma morosa,lenta, devido às defesas da paciente que se assentavam sobre um caráter de organização fóbica obsessiva ,quando evitava uma aproximação afetiva usando as técnicas obsessivas com as quais me controlava e me mantinha à distância,omitindo material e resistindo, sobretudo, à análise de impressões e sentimentos a meu respeito.

Eu vinha trabalhando neste caminho ou seja ,análise das defesas para abrir uma brecha de acesso aos afetos e à transferência quando engravidei.Penso que este trabalho anterior lhe possibilitou se sentir mais segura comigo mas, sem dúvida, foi marcante a coincidência de minha gravidez com a mudança do ritmo nas sessões—especialmente no que tange à verbalização de seus sentimentos—ela começou a se mostrar de uma forma solta, afetiva e corajosa.Podemos pensar que minha gravidez se constituiu numa espécie de estopim para que surgisse o bom vínculo materno o que possibilitou o fortalecimento da Aliança Terapêutica de forma que ,juntas,podemos trabalhar ativamente em sua análise.

Acredito que nas duas sessões descritas anteriormente ficam bem ilustrados seus ciúmes infantis, a depressão pela perda de controle,a regressão infantil como defesa para não competir,a mobilidade da transferência nas duas sessões,materna,passando para paterna , bem como o conflito competitivo com a mãe quando ataca “esvaziando! E teme ,como castigo,não ter filhos.

Foi muito importante a vivência de que ela não havia me destruído magicamente pois comigo grávida, veio abaixo a crença em seus poderios onipotentes e infantis ou seja, que sua agressão real e efetivamente podia me destruir como me esvaziar de meu bebê.Somo a isto que a paciente é filha caçula e fantasiava que era a responsável por a mãe não ter mais filhos, que a teria castrado em sua criatividade e por isto, para espiar a culpa, ela se encontrava paralisada como mulher para se relacionar e vincular com homens

adequados , ter prazer nas relações genitais ou,simplesmente,poder desejar ter filhos..

Há um aspecto importante conseqüente de seu conflito edípico que se refere ao homem valorizado que “em certa época não pudera ter” e com quem na fantasia, passa a viver e ter filhos.Tratava se para ela de um homem incestuoso-pai-com quem triunfaria onipotentemente(tirando o pai da mãe).

Devido a esta fantasia e para proteger a mãe, a moça abre mão do rapaz valorizado ( que para ela inconscientemente era o pai).Da mesma forma na transferência eu era a mãe grávida do pai ou o dentista-pai—que não a ia querer e de quem desejava ganhar um bebê..Entretanto como, na fantasia, atacava a mim,mãe,como a mim ,pai,como castigo só poderia “assistir a outros vivendo a vida”(captar os pais vivendo,fazendo filhos e se relacionando genitalmente).

Nas seções a analista era a representante da mãe grávida, tolerante a toda a sua agressão e como não havia me castrado o que se constitui como diz a Sra. Klein(1974)” na maior angústia da menina é a retaliação e danificação de seus genitais pela mãe castradora e a quem desejou castrar”.A realidade externa da analista grávida,íntegra,atuou então como corretora das fantasias inconscientes e podemos pensar que tenha resolvido melhor sua angústia de castração internamente podendo se sentir menos perseguida na análise ,bem como atenuando sua ansiedade persecutória

A gravidez como realidade externa corretora de uma realidade interna determinada pela angústia persecutória, fica bem ilustrada com uma verbalização da paciente ao entrar na sessão quando passou a me olhar habitualmente:- Cada dia eu te ataco, mas tua barriga segue crescendo.

Compreendo agora o episódio dos casaquinhos de lã (ela os tricotava quando eu estava com dois meses de gravidez e não era visível ainda) como uma identificação comigo -mãe- e especialmente, o desejo de me agradar para negar o ciúme infantil pois temia ser “exilada da casa ou rejeitada” caso verbalizasse suas emoções para com o bebê as quais denominava de sentimentos maus,feios e ruins.

Grazia apresentava toda a sua feminilidade comprometida, mas pelo material que emergiu e pela análise de sua ambivalência comigo ,tornou possível um reconciliação interna com a figura materna e portanto com seus aspectos femininos como diz Balle(1978) “de fato a resolução dos sentimentos ambivalentes para com a mãe é o maior ganho em termos de relação de objetos durante a gravidez” e “nos casos de reconciliação com sucesso durante a gravidez a mulher está apta não somente para aceitar e satisfazer sua dependência afetiva mas também para ter uma identidade adulta”.Só que, neste caso, a gravidez foi da analista mas ela lhe propiciou a oportunidade de analisar “in vivo” sua ambivalência para com a mãe-reproduzida na relação comigo- e que surge claramente nos dois sonhos a seguir:

“-Sonhei que ao entrar em casa me abriu a porta uma moça muito bonita e de quem eu gostava mas ao passar para o quarto a moça bonita tinha sumido e eu encontrava uma amiga minha que está grávida, morta”

Nos dois episódios os sentimentos”bonitos” representados pela analista bonita ou a moça bonita do sonho são suas emoções afetivas,amorosas,para comigo -sua admiração – e abruptamente a agressão aparece límpida e clara quando em lugar da moça bonita aparece a mulher grávida morta. Esta moça bonita também é ela gostando de mim até quando o ciúmes interrompe e eu surjo morta.

Ocorria com a paciente uma competição edípica comigo (mãe ou pai fossem eu) como com o bebê,por regressão ´pré genital.A análise reiterada destes conflitos a levou a melhoras internas no sentido de uma revalorização dos pais e uma identificação com seus aspectos criativos o que se tornou realidade em sua vida real.Assim,pode casar com um homem valorizado assumindo com prazer sua feminilidade,melhorando no trabalho e passando a fazer uso de todas as suas capacidades que até então se encontravam paralisadas.A relação transferencial caracterizou se por uma diminuição da ansiedade persecutória,a livre associação passou a fluir e o trabalho analítico se tornou criativo.

Julgo de interesse descrever sua evolução posterior:

Dois anos após o episódio que relatei ela teve alta—por esta ocasião ela me disse comovida que se me encontrasse na rua após sua alta me acenaria de longe e diria para dentro de si “muito obrigado”.Isto me fez pensar que avisava que ainda mantinha um aspecto fóbico obssessivo com o qual se manteria longe de mim acenando à distância.Entretanto me encontrou 4 anos após e,satisfeita,se aproximou de maneira bastante afetuosa dizendo que estava bem,me abraçando e comunicando que esperava seu primeiro filho.Soube que está bem casada e também é profissional de sucesso .

Podemos questionar se esta análise não caminharia de igual maneira,tão rapidamente, se a analista não estivesse grávida.Eu tenho como hipótese que,provavelmente, as emoções da ´paciente, suas associações livres não seriam tão claras e exuberantes,passíveis de serem vividas intensamente na transferência como foram nesta situação.

Não tenho como objetivo discutir sua cura pois não é propósito desta comunicação mas sim, focalizar como a gravidez facilitou a transferência e portanto ,o trabalho analítico pois, todo o material reprimido aflorou imediatamente, bem como esta situação influenciou toda a análise mobilizando angústias primitivas de nível pré genital ligadas com a figura materna e paterna, aos pais em coito,permitindo a introdução na análise do pai potente que fecunda e a mãe criativa—o professor, o homem valorizado—e formando o triângulo edípico.Penso que a gravidez foi uma facilitadora da transferência porque ela mobilizou o bom vínculo interno que Grazia tinha internamente ,mas ao qual anteriormente não tinha acesso—com a mãe criativa que não havia sido destruída por seus ciúmes e inveja.Ela colocou na analista este vínculo interno bom com os pais e a partir daí pode trabalhar bem e intensamente em sua análise—isto acredito que tenha sido mobilizado pela realidade externa seja a gravidez da analista.

A gravidez da analista funcionou como uma “lente de aumento” ou um fator externo desencadeante para seus conflitos infantis , levou a uma facilitação da transferência, ela não se constituiu num transtorno para a análise mas intensificou o trabalho analítico com Grazia.

Quero deixar claro que me refiro aqui tão somente a esta paciente, isto é, não estou generalizando.

Penso que neste contexto é de fundamental importância que a analista esteja bem contra- transferencialmente com sua gravidez para tolerar o montante de agressão,fantasias e ciúmes infantis que isto desperta nos pacientes, pois poder analisar neles estas emoções significa também poder lidarmos bem com elas internamente já que todos levam uma criança com todos estes sentimentos em torno à mãe grávida dentro de si.O que importa é poder e ter coragem para mergulhar com os pacientes nestas situações e emergir com sua interpretação,pois então ela só vai se constituir num fator positivo e enriquecedor para a análise desde que também nosso paciente possa nos acompanhar.

SINOPSE

A autora, através da apresentação de um caso clínico pretende mostrar como uma alteração no setting analítico, ou seja, a intromissão da realidade externa feita pela gravidez da analista funcionou na análise como fator externo desencadeante que catalisou os conflitos infantis,possibilitou a abertura de uma área inconsciente reprimida na paciente e levou a uma facilitação da transferência,não se constituindo em transtorno para a análise mas,ao contrário, reforçando a Aliança Terapêutica no sentido de dar um trabalho analítico mais enriquecedor e criativo para a paciente.

A autora acredita que nesta paciente a gravidez foi uma facilitadora da transferência porque possibilitou que ela depositasse na analista grávida o bom vínculo interno que mantinha com a mãe criativa e não atacada por ela. Através das sessões e associações da paciente são também mostradas como a gravidez da analista mobilizou o ciúme infantil, a competição edípica com a mãe e a competição por regressão pré genital com o bebê.

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1-Bellau, Judith (1978)-The significance off the Reconcialite Themes in the Psychology of Pregnancy.In: Bulletin off the Menninger Clinic.42,p.389-399,Michigan.

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Suzana Heemann

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 08/05/2008
Reeditado em 05/06/2008
Código do texto: T980146
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