A “LEI ÁUREA” REALMENTE TROUXE A ABOLIÇÃO?

Em 13 de maio de 1888 era assinada a lei que ficaria conhecida como Lei Áurea. Lei de ouro porque significava, em tese, a liberdade de milhares de brasileiros que viviam em regime de escravidão. Entretanto, o que ficava encoberto com a assinatura de tal lei é que ela, embora se tornasse uma referência de liberdade para o povo negro, serviria tão-somente para dar sustentação jurídica ao fim de um sistema econômico que, na prática, já não existia.

No momento em que essa lei fora colocada em vigor, menos de 5% da população negra era escrava. A escravidão já não existia. O que se vê, então, é uma jogada de marketing político, na qual sobressai a Princesa Izabel como uma governante humanista. A população branca brasileira, da época, há muito vivia cercada de temores de uma rebelião negra nos moldes do Hati – no final do século VIII e início do século XIX, influenciados pela Revolução Francesa, uma população de mais de meio milhão de negros haitianos se rebelou contra cerca de 30 mil brancos e os massacrou.

O temor dos brancos os levaria a algumas medidas que implicaria na redução da população de negros. Primeiro foi a Guerra do Paraguai (1864-1870), que funcionou como um excelente instrumento para aliviar a elite dominante da ameaça de o povo negro tomar o poder, pela força, em função da sua superioridade numérica que se acentuava em relação à população branca.

A promessa de liberdade para os negros escravos e de terras para os negros livres que lutassem na guerra foi uma armadilha para a dizimação de grande parte dos negros. Ademais, aos fazendeiros brancos havia o privilégio de enviar negros escravos para a guerra em seus lugares e nos lugares de seus filhos.

A Lei do Ventre Livre (1871), festejada como uma conquista, viria a ser um fator de desagregação da família negra e daria origem aos primeiros meninos de rua; ela, na prática, apenas desobrigava os fazendeiros de sustentar as crianças negras, improdutivas sob o ponto de vista econômico. A Lei do Sexagenário (1875) não seria diferente da primeira: sob o manto de um falso humanismo que premiava com a liberdade os escravos idosos e decrépitos, essa lei permitia aos fazendeiros se despojarem do ônus da manutenção de escravos improdutivos pela velhice e criaria uma multidão de mendigos negros que, de repente, se viram livres do trabalho escravo, mas sem qualquer meio de se sustentar.

Por ocasião da Abolição da Escravatura já havia o investimento na vinda de imigrantes europeus, que logo depois foi intensificado, para ocupar o lugar dos negros, porém, como mão-de-obra assalariada. Era a busca do embranquecimento da população brasileira. Uma grande massa de população negra vai se concentrar nos centros urbanos e o processo de industrialização emergente no país não os absorve enquanto classe trabalhadora. Cresce nas ruas o número de mendigos, alcoólatras e de pessoas que se vêem obrigadas a praticar pequenos delitos para sobreviverem; esse fenômeno alimenta o preconceito contra os negros que se mantém até os dias atuais.

O fim da escravidão no Brasil foi fruto de um processo que envolve a resistência de parte da população negra, a ação de abolicionistas e a exigência do próprio sistema capitalista que via nisto a ampliação de um mercado consumidor. A “Lei Áurea” é uma referência, mas não trouxe a abolição, como prega a ideologia da classe dominante, e os efeitos do período de escravidão ainda se fazem presentes. Apesar dos avanços sociais, econômicos e políticos que alcançamos, ainda há muitos afro-descendentes sem acesso ao trabalho, à educação, à saúde, a condições dignas de vida.