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Meus sonetos costumam trasladar sentimentos em formas fantasiosas, de modo que somente eu mesmo saiba do que falam. Utilizando, metaforicamente, a imagem de uma amada impossível, canto o que vejo “morto”, em minha vida, podendo o ato necrofílico simbolizar um apego meio que desesperado por algo inexistente, como que num mero desvario, e a musa pode ser algo diferente em cada poema, assim como pode representar a mesma coisa em diferentes figuras.


 











 




 
Lírio Lutuoso

Essência das essências delicadas,
Meu perfumoso e tenebroso lírio,
Oh! dá-me a glória de celeste Empíreo
Da tu’alma nas sombras encantadas.

Subindo lento escadas por escadas,
Nas espirais nervosas do Martírio,
Das Ânsias, da Vertigem, do Delírio,
Vou em busca de mágicas estradas.

Acompanha-me sempre o teu perfume,
Lírio da Dor que o Mal e o Bem resume,
Estrela negra, tenebroso fruto.

Oh! dá-me a glória do teu ser nevoento
para que eu possa haurir o sentimento
Das lágrimas acerbas do teu luto!.

Cruz e Sousa







Hão de chorar por ela os cinamomos,
Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão — “Ai! nada somos,
Pois ela se morreu silente e fria…”
E pondo os olhos nela como pomos,
Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos…

E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: — “Por que não vieram juntos?”

Alphonsus de Guimaraens







Pálida, à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar! na escuma fria
Pela maré das águas embalada…
— Era um anjo entre nuvens de alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando…
Negros olhos as pálpebras abrindo…
Formas nuas no leito resvalando…

Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti — as noites eu velei chorando
Por ti — nos sonhos morrerei sorrindo!
 
Álvares de Azevedo




 

Pálida e Loira

Morreu. Deitada num caixão estreito,
pálida e loira, muito loira e fria,
o seu lábio tristíssimo sorria
como num sonho virginal desfeito.
 
Lírio que murcha ao despontar do dia,
foi descansar no derradeiro leito,
as mãos de neve erguidas, sobre o peito,
pálida e loira, muito loira e fria.
 
Tinha a cor da rainha das baladas
e das monjas antigas maceradas
no pequenino esquife em que dormia.
 
Levou-a a morte em sua garra adunca,
e eu nunca mais pude esquecê-la, nunca!
pálida e loira, muito loira e fria.

António Feijó






Através de Passado

O que é feito de vós, gentis morenas,
Que tanto idolatrei? Onde ocultais
As vossas frontes puras, divinais,
Ó minhas juritis, minhas falenas?

Maria, onde é que estás? Onde as serenas
Manhãs de Abril, manhãs orientais,
Em que nós dous, por entre os matagais,
Íamos, rindo, em busca de açucenas?

E tu Cordélia meiga, e tu Dolores,
E tu casta Eleonor?… sim, meus amores
Todos se foram pelos céus afora!

Mas ah! nos sonhos meus, em longo bando,
Destaco, vagarosas, caminhando,
Essas que foram minha vida outr’ora.

Hermeto Lima​





 
Dizeres Íntimos

É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar (com que ansiedade!…)
As minhas mãos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebês doentes
Que hão-de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e três anos… (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida!…”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”

Florbela Espanca






Psicologia de um Vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênese da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundissimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há-de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

Augusto dos Anjos