PATATIVA DO ASSARÉ

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O Camões do Nordeste

 

Você já ouviu falar de Antônio Gonçalves da Silva? É bem possível que não. Mas de Patativa do Assaré, é evidente que sim. Pois este era o pseudônimo de Antônio Gonçalves da Silva (1909 – 2002).

Esse genial poeta do sertão nordestino era filho de um casal de agricultores.  Perdeu a visão do olho direito aos quatro anos de idade:

Perdi meu ôio direito

Ficando mesmo imperfeito

Sem vê perto nem longe

Mas logo me conformei

Por saber que assim fiquei

Parecido com Camonje (= Camões).

Menino iletrado, mas assíduo ouvinte de leituras de cordéis, logo começa a versejar. Freqüenta uma escola apenas para aprender a leitura. Alfabetizado, vicia-se em leitura. Aos oito anos perde o pai e passa ajudar a mãe no trabalho agrícola que desde então passa a ser sua principal fonte de renda. Aos 16 anos, consegue convencer sua mãe a vender uma ovelha e com o dinheiro encomenda uma viola. Torna-se, então, violeiro e cantador e logo passa a atender convites para cantorias pelas redondezas. Contudo ele ainda era Antônio Gonçalves.

Por volta dos vinte anos, depois de uma peregrinação pela Amazônia, Antônio adota o pseudônimo de Patativa, a partir de um artigo de jornal em que um crítico comparava a sua poesia espontânea à pureza do canto da pequena ave do sertão. O codinome corre o nordeste e passa a ser adotado por outros versejadores. O poeta, então, acrescentou-lhe o nome de sua terra natal. Estava, assim, completo o nome que se tornou a grande expressão da poesia matuta nordestina: Patativa do Assaré.

As atuações de Patativa estavam centradas no desafio de viola, poesia oral que prevalecia diante do público, mas com uma peculiaridade. A certa altura, o desafio de viola era interrompido, e ele então se punha a recitar seus longos poemas que despertava no público grande entusiasmo, coroado de aplausos, muito mais que o próprio desafio. A estima demonstrada pelos poemas consolidou em Patativa o desejo de se afirmar mais como poeta do que como repentista.

Durante trinta e um anos, nosso poeta desenvolveu sua oralidade poética, isto é, a poesia recitada face a face, na mais completa ausência de escrita. Quando se deu o encontro de Patativa com a mídia radiofônica, ouviu a declamação do poeta, pela Rádio Araripe, o filólogo e ensaísta cratense José Arraes de Alencar, domiciliado no Rio e em férias no Cariri. Maravilhado, logo quis conhecer o poeta. No primeiro encontro ao pedir para Patativa cópias de outros poemas para conhecê-los melhor veio o espanto: nada existia fora de sua memória, respondeu-lhe o poeta. Boquiaberto, Alencar lhe adverte: “Se você morre agora, todo esse tesouro poético ficaria perdido para sempre”. E lhe propõe editar um livro com os custos bancados por ele. Nasce assim, Inspiração Nordestina, publicado em 1956. Patativa do Assaré tinha então 47 anos.

Neste mesmo ano, Patativa compôs a letra e música da toada Triste Partida, comovente saga de uma família de retirantes a caminho de São Paulo. A canção circulou pelas feiras do sertão na voz de muitos violeiros, até ser gravada em disco (1964), por Luís Gonzaga, obtendo verdadeiro êxito nacional:

Setembro passou, com oitubro e novembro

Já tamo em dezembro

Meu Deus, que é de nós?

Assim fala o pobre do seco Nordeste

Com medo da peste

Da fome feroz;

[...]

A partir de seu segundo livro Cante Lá Que Eu Canto Cá (1978) a obra de Patativa passa a interessar intelectuais e estudiosos da academia. A partir daí vieram: Espinho e Fulô (1988), Cordéis (1993), Aqui tem coisa (1994).

Por falar em intelectual, é interessante lembrar que Patativa do Assaré transitava com o maior desembaraço entre a língua matuta e a culta, conforme os objetivos que tinha em mente ou o público que desejava atingir. A leitura de Os Lusíadas, por exemplo, inspirou as belíssimas oitavas camonianas do poema O Inferno, O Purgatório e o Paraíso:

Com é triste viver sem possuir

Uma faixa de terra para morar

E um casebre, no qual possa dormir

E dizer satisfeito: “Este é o meu lar”.

Ninguém pode, por certo, resistir

Tal desgraça na vida sem chorar

Se é que existe inferno no outro mundo

Com certeza, o de lá é o segundo!

Através de sua poesia popular, clássica, social, satírica e performática, Patativa do Assaré deu para o humilde camponês, para o homem do sertão, para as súplicas de seu povo, uma voz.

"Eu sou de uma terra que o povo padece

Mas não esmorece e procura vencer.

Da terra querida, que a linda cabocla

De riso na boca zomba no sofrê

Não nego meu sangue, não nego meu nome.

Olho para a fome, pergunto: que há?

Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,

Sou cabra da Peste, sou do Ceará." ®Sérgio.

Leia Também (clique no link):

Paulo Eiró: Entre a Poesia e a Locura.

Augusto dos Anjos, O Poeta Brigão.

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Ajudou na elaboração deste texto: Calos Henrique Sales de Andrade, mestre e doutorando em Letras pela USP e professor universitário – Autor de Patativa do Assaré – As Razões da Emoção.

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