Nzinga Mbandi

Chego a ficar assustada com o tamanho de minha ignorância. Em um tempo onde tudo está ao alcance de todos supõe-se que podemos não conhecer tudo a fundo, mas que pelo menos ouvimos falar de tudo e sobre tudo. Mas volta e meia eu me surpreendo com algo que eu devia saber e não sei. Nunca ouvi falar. E o que me surpreende no momento é a existência de um personagem histórico que, uma professora de História como eu, devia ter conhecido há muito tempo. Principalmente por suas características: uma mulher, que nasceu no século XVI e morreu no século XVII aos oitenta anos e que certamente foi uma das precursoras do feminismo embora certamente nunca lhe tenha passado pela cabeça ser uma feminista.

Estou falando de Nzinga Mbandi, Rainha (Ngola) do Ndongo.O escritor Manuel Pedro Pacavira autor de um livro sobre ela, escreveu: “Não devia ser mulher para se dar lá a essas fitas de puxar a cara, amarrar a testa,alçar os peitos, por o rabo a pino e coisas outras dessas. Fatos há que nos levam a pensar que ela cresceu bela, carinha , alegre, simpática, sendo o seu defeito virar bicho-fera-ferida, caso que lhe violassem um direito”.

Estou tentando me desfazer de coisas acumuladas durante anos e que aparentemente não têm mais utilidade para mim, mesmo que essa utilidade seja meu próprio prazer. Estou me desfazendo de revistas, livros e outras coisas menos importantes. Mas quem disse que eu sou capaz de simplesmente pegar uma pilha de revistas e despachá-las? Eu preciso pelo menos dar uma olhada em cada uma e decidir para onde vou mandá-las. Estou agora com uma pilha da Superinteressante e foi folheando uma dessas revistas, do começo do século, que encontrei Nzinga Mbandi e me encantei. Li todo o artigo de Gilberto Stam e logo a seguir abri o Google para descobrir mais. Essa pequena biografia é fruto dessa pesquisa sumária.

Vejam os adjetivos com os quais ela é aquinhoada: Indomável, inteligente, altaneira, silenciosa, corajosa, arguta, astuta, destemida. Qual mulher dispensaria essas qualidades sem pensar muito? Só aquelas que têm apenas dois neurônios.

Africana de língua bantu, faz parte da história de Portugal e Angola e deveria ser mais conhecida também no Brasil. Contemporânea de Zumbi de Palmares, nosso grande herói negro, foi ela quem idealizou o modelo de resistência a colonização e  que tão bem conhecemos – os quilombos. Angola só foi dominada por Portugal depois de sua morte e acabou recebendo esse nome herdado do título com que ela era conhecida:Ngola.Depois de sua morte seus sete mil soldados foram aprisionados e trazidos para o Brasil como escravos. Não podemos esquecer que foram os africanos de língua bantu quem criaram o samba e a capoeira, elementos de grande importância na formação de nossa identidade como nação.

Foi grande a sua luta. Se ser mulher ainda não é fácil, imaginem naquela época. Além de tudo era filha de uma escrava de seu pai, que certamente amava muito a mãe. Ele  conhecia bem a filha que tinha e a criou para ser uma rainha guerreira, mas quando ele morreu quem acabou ocupando o trono foi seu meio irmão, que além de tudo mandou matar o único filho de Nzinga (Inziga). Nessa minha pesquisa algumas entradas que fiz responsabilizam-na pela morte do irmão tempos mais tarde. Mas aparentemente, apesar do irmão ter mandado matar o seu filho, os dois tinham um relacionamento razoável e o rei reconhecia a sua capacidade. Tanto é que foi ela quem ele escolheu para negociar com os portugueses. Ela chegou ao ponto de  converter-se ao cristianismo para conseguir isso e foi batizada como Ana de Souza. Quando os portugueses não mantiveram o acordo, ela renegou a religião que havia assumido.

Entre as passagens interessantes de sua vida, conta-se que quando partiu para Luanda para negociar um acordo de paz com os portugueses foi recebida com honras de Chefe  – salvas de canhão, tapetes em todo percurso e soldados perfilados. Mas ao chegar ao local da reunião encontrou o governador assentado na única cadeira do recinto – a ela coube almofadas colocadas no chão o que a colocava em nível inferior ao seu oponente. Ela não pestanejou: dirigiu um olhar para uma escrava que se colocou em posição para que a Rainha se assentasse sobre ela, no mesmo nível do Governador.

Bem, ela sabia fazer política, embora o seu fazer possa nos parecer tão detestável quando os fazeres de nossos atuais políticos. Tendo se aliado aos temíveis guerreiros jagas, para agradá-los aderiu ao canibalismo. Conta-se ainda que em certas cerimônias ritualísticas ela se vestia como homem e obrigava seus inúmeros amantes a se vestirem como mulheres.

Mulher e política, como toda mulher e todo político, era cheia de contradições, fazendo o que precisava ser feito mesmo que fosse contra seus próprios conceitos. O poder sempre foi inebriante, não importa o tempo em que foi exercido. Mas não se pode negar que, em uma sociedade machista como a que viveu, ela conseguiu pela inteligência e coragem, ser respeitada tanto dentro como fora de casa.

(da série Mulheres)