O PÚBLICO E O ARTISTA

É qualquer coisa de mágico essa relação. O que faz um pessoa sair de sua casa, pegar uma condução, pagar a entrada, sentar-se em algum lugar numerado, que o seu dinheiro deu para comprar, aguardar os sinais, no caso do teatro, ficar ali por horas, rindo, chorando, se arrepiando, sentindo medo, raiva, amor... ao final aplaude ou não, levanta-se e vai embora, na maioria das vezes, PENSANDO. É isso as pessoas precisam pensar e repensar, só assim conseguem reavaliar seu ponto de vista com ralação a vida, esse é o segredo dos espetáculos.

Na peça Todo mundo nu, as pessoas iam para ver corpos nus, muita sacanagem, então nós tínhamos tetros lotados em qualquer lugar que a peça se apresentava, teve uma vez, que um homem, gritava da platéia, TESÃO!!!!!!!!!!, TODO O RESTO DO PÚBLICO FAZIA SINAL PARA ELE PARAR, ELE GRITOU UMAS TRÊS OU QUATRO VEZES, no início, mas a peça é tão envolvente, que ele foi se aquetando e passou a reagir como os demais, que ria nas horas certas e pensava nas outras em que ele se achou dentro dos questionamentos inteligentes criados por Ricardo Bandeira, só quem viu essa peça sabe da profundidade do quê estou falando, ao final do espetáculo, as pessoas esqueciam a nudez dos atores, a falta de cenário, e aplaudiam feliz por ter estado dividindo aquele momento. É muita ousadia de um autor fazer um espetáculo assim sem nada, LITERALMENTE, NADA, a matéria prima era a PALAVRA, e ela apenas ela, tinha o poder de transformar um grupo de pessoas nuas em elementos da natureza, fantasmas, reacionários e ativista políticos, prisioneiros, crianças, mães parindo sem ter um local apropriado, pai sem trabalho tendo que se virar para sustentar os seus, e as pessoas viam a sua insignificância diante da vida, se identificavam e riam de si mesmas, ao lembrar que seu corpo era um templo seu e não da igreja, que as regras que nos foram impostas durante toda uma história deveriam ser repensadas, que sua sexualidade não era da conta de ninguém, que somos um país que idolatra o americanismo, que eles fazem o quê querem por aqui, a maioria nem percebe.

O PÚBLICO É O NOSSO BEM MAIOR, se somos professore, e temos uma clientela difícil, então quando atuamos nas reuniões, temos a oportunidade de nos fazermos entender, de divulgarmos o nosso trabalho, então vemos aquelas pessoas que olhava para o professor como um ser que veio para ficar com o seu bem maior, muitas vezes mais horas que ele próprio, ele deixa de sentir desconfiança do seu trabalho e passa a te pedir uma ajuda nesse ou naquele comportamento do seu filho, porque ele vê que com você, o seu filho se comporta melhor, aprende coisas boas, quando um professor ganha seu público no decorrer do ano, então seu trabalho fica muito mais fácil.

Na música não é diferente, um músico estudo muitas horas para ficar pronto para uma apresentação, e quando isso ocorre, a platéia em silêncio total troca a energia da admiração e ao final aplaude de pé e grita BRAVO!!! Numa ópera então nem se fala, já me vi mais de três horas sentada numa cadeira de teatro e ao final ainda queria mais, isso é conquistar o público com técnica e talento.

No teatro perdi a conta dos muitos espetáculos que assisti como público, me emocionei as lágrimas, ri de racha, fiquei encantada com tanta beleza, vou arriscar lembrar de alguns, Piaf, O Falcão-Peregrino, Bemvindo Serqueira, Ai Vem o Dilúvio, Ópera do Malandro, O Grande Circo Místico, Os Saltimbancos e por aí vai... Na Ópera do Malando, a cena que não me sai da memória é a que o Máx na cadeia asiste o duelo entre a esposa, Marieta e a amante, Elba, cantando O meu Amor, que cena linda! Sensual, perfeita interação entre os atores e o público. Ai Vem O Dilúvio, aqui no Rio, porque vi também em S.P e lá não tinha raio laser, foi a cena final em que a arca era montada no palco e vinha uma inundação de luz e tínhamos a impressão que realmente havia um dilúvio, isso me fez voltar pra casa MARAVILHADA!!! Como podem fazer aquilo!?! Mas O Grande Circo Mistico, esse foi encantador também, ver os bailarinos do Guaíra vivendo cada personagem das músicas e apenas com o corpo, passando a emoção da mensagem que Chico e Edu fizeram tão simples e verdadeira, nunca mais esqueci o trapézio, as bailarinas, Beatriz, há Beatriz, " e se ela chora num quarto de hotel, e se eu pudesse entrar na sua vida..." Só quem é ator, que vive na estrada por meses, é que sabe a verdade dessa música, Na carreira, " rezar, cuspir... partir pé anti pé antes do povo despertar..." Não tenho palavras para dizer o quanto foi encantador assistir esses espetáculos! Alguns mais de uma vez.

Como atriz que viveu nos palcos da vida por anos a fio, de norte a sul do país, sim porque só assim se ganha algum dinheiro, só posso dizer que o público sempre me foi muito simpático, acolhedor, sempre se emocionou, com meus personagens, só posso agradecer, até a velha surda da última cadeira lá do Teatro Arcádia, ela nunca reclamou.

como espectadora eu só tenho a agradecer cada momento mágico a vida me permitiu dividir com os artistas maravilhosos que cruzaram meu caminho!!!