Anjo de Combate: Retrato de uma Alma- Tradução do Nobel de 1938

Capitulo - 7

Aqueles oito anos, anteriores à Revolta dos Boxers, foram os anos mais perigosos na missão de Andrew. Então, nunca permanecendo nos mesmos lugares, sempre se dirigia para lugares novos e desconhecidos, muitas vezes esteve entre pessoas hostis. Os chineses sempre foram desconfiados com os estrangeiros, não apreciavam o povo de outros países, mas até mesmo com as pessoas de outras províncias ou regiões de sua própria nação. Isso talvez por que cada aldeia e cidade foram, por onze séculos, autônomas como localidades separadas. Não havendo governo de fora ou superior, era forte este sentimento de independência. Em alguns lugares, era então costume matar qualquer estranho que aparecia de forma injustificável. Os recém-chegados podiam ser atacados, como hoje podemos ser atacados por cães bravos ou meio selvagens. Para manter-se vivo em segurança, Andrew apenas agia como tendo uma vara forte para usar e repeli-los. Descobriu logo como não temer e desconfiar de seus truques, como cães em seus calcanhares. Aprendeu a ir sozinho conduzindo-se a lugares estranhos. Os inimigos eram como cães selvagens!

Ninguém nunca saberá exatamente todos os perigos que viveu, porque ele nunca falava sobre eles sem grande insistência. Então, simplificava-os em algumas frases, contava uma história que outro poderia levar um dia.

Certa vez, quando ele dormia na cama de alvenaria de uma pousada, acordou subitamente, vendo o estalajadeiro ao seu lado, com uma lamparina de óleo de feijão na mão esquerda e na direita girando a machadinha de carne da cozinha da pousada. Ele olhou fixamente para o rosto do homem e clamou, em voz alta a Deus:

– Livra-me, ó Senhor. – Ele falara em inglês e o homem ficou com medo.

– O que você esta dizendo? – Perguntou.

– Estou rogando ao meu Deus – Respondeu Andrew, mantendo sempre seus olhos azuis no rosto do homem. Aquele homem levantou o cutelo de carne e brandiu-o firmemente.

-- Você não tem medo? – gritou.

– Não! – Disse calmamente. – Por que eu deveria ter medo? Você não pode fazer mais do que matar o meu corpo, meu Deus lhe castigara.

– Como? – Perguntou o homem detendo-se novamente.

– Você vai viver em tormento. – Disse-lhe com tal serena confiança.

O homem, olhou-o por um tempo e resmungando foi embora finalmente.

– O que você fez, então? – Perguntamos com a respiração suspensa.

– Eu me virei e voltei a dormir. – Disse.

– Ele poderia ter voltado! – respiramos.

– Havia um guarda sobre mim. – Disse simplesmente.

Uma vez, ele foi empurrado de uma balsa lotada em um rio por um sujeito rude que o amaldiçoou e, vendo-o indiferente, novamente o empurrou, jogando-o no rio. Mas, Andrew saindo da agua barrenta se dependurou no junco.

A multidão olhou-o sem lhe oferecer uma mão. Mas ele não pediu qualquer ajuda. Ele agarrou-se até a margem do rio ficar sob seus pés e, em seguida, saiu todo molhado, mas imperturbável para procurar sua caixa que fora roubada na balsa. Os passageiros riam.

– Ela estava cheia de dólares de prata – gritaram.

– Todos os estrangeiros viajam com caixas de dólares de prata!

Andrew sorriu e continuou seu caminho reto. Seus poucos dólares de prata estavam a salvo em seu bolso e a caixa estava cheia de folhetos evangélicos e fichas da igreja. "Deus tem caminhos para os homens – pensou consigo". Estava convencido que a alma dos homens poderia ser salva.

Mais de uma vez ele foi agredido ao aparecer de repente em uma cidade estranha. Alguns o espancaram, aparentemente, sem nenhuma razão, exceto que nunca tinham visto ninguém como ele antes. Esses agiam como feras que vão visar um animal estranho que não conhecem.

Mas não eram essas as coisas que o mais afligia. Era um santo resistente fisicamente, mas ele chegou em casa, muitas vezes bastante mal, com o mal que ele teve que suportar de sujeira. Uma vez ele estava verde com horror.

– O que é isso? – Carie angustiada.

– Eu comi uma serpente hoje. – Disse-nos com uma voz terrível. – Comi em uma pousada e não soube até ser tarde.

E pensando nisto ficou doente na hora.

Em Hawking, oque ele não conseguia suportar o costume de cuspir. Ele que era muitíssimo paciente com as almas dos homens, não tinha paciência com tudo oque era de seus corpos. Quando os trens começaram a circular, ele se alegrou com as tabuletas informando para não cuspirem fora das escarradeiras colocadas em vários lugares. Mas ninguém prestou atenção às mensagens. Os chineses estavam acostumados a cuspir onde desejassem. A maioria deles não sabia ler, e aqueles que podiam não prestaram atenção. A conveniência física era lei da vida na China. Andrew chegou em casa numa noite de verão com um olhar constrito.

– Houve um homem gordo no trem. –Disse de repente à mesa do jantar.

Nós todos olhamos para ele, – na expectativa.

– Aquele homem tirou sua camisa e sentou com a bagagem, parecia um sapo grande com sua barriga. – Com desgosto em seus olhos contava limpando a boca com cuidado. – Ele cuspiu em todos os lugares. – Exceto na escarradeira. Eu não pude suportar isso. –E apontou para a luxação.

– Espero que tenha feito algo correto. –Disse Carie cética.

– Isso não aconteceu e eu disse oque pensava dele.

– O que você disse a ele? – Perguntamos.

– Eu disse calmamente, que ele estava mais sujo como um animal. Oh, mas eu disse a ele gentil e simpático e, com igual voz suave me respondeu.

-- Pai! – Nós chorávamos de rir.

Andrew não conseguia compreender porque estamos rindo.

Naturalmente, teve inimigos. A maioria deles estava entre seus companheiros missionários, estes considerava seus esperados adversários. Classificava os missionários e as autoridades junto com os inimigos, isto é, pessoas escolhidas pelo diabo para frustrar a vontade de Deus, que era oque ele queria cumprir. Com os magistrados ele foi implacável, usando francamente todo tratado de lei, para forçá-los a autorizarem o aluguel de imóveis para capelas. Porque ele nunca abriu igrejas, sem que houvesse membros interessados. Mas, sempre havia grupos se opondo, não querendo a religião do estrangeiro em sua cidade. Estes, Andrew ignorava completamente. Se houvesse uma alma querendo ouvir de Deus, tinha o direito d e ouvir, mesmo que uma centena não queira ouvir. Então ele ia corajosamente aos Magistrados nos tribunais e apresentando-se de novo e de novo, para os seus caprichos e esperando horas. Às vezes os juízes não diziam que não queriam recebe-lo e com uma desculpa agendavam para outro dia após dia. Então, ele apresentava-se na aurora, para esperar até a noite, apenas para voltar de novo, até que todos ficassem cansados disto. Nunca ofereceu a menor moeda de prata para suborno. Muito bem sabia que aquele dinheiro, que não era seu, teria aberto as portas. Não usaria o dinheiro da igreja, que só considerava para a pregação do evangelho. Finalmente, se o juiz fosse mais obstinado, então, Andrew usava a força, isto é, a força dos tratados feitos após as Guerras do Ópio, pelo qual os cidadãos chineses viriam a ter o direito de serem cristãos se o desejassem, tendo os missionários o direito pregarem. Caso o juiz por sua coragem pessoal não se impressionas s e pelos tratados, não receando mesmo as ameaças das canhoneiras que garantiam o tratado. Andrew apelava para o Cônsul, que podiam até amaldiçoar os missionários e, muitos deles, amaldiçoavam os missionários esbravejando, achando que a vida seria mais fácil sem eles. Sempre faziam oque Andrew queria. Então eram obrigados a enviar uma carta oficial ao juiz, com papel e grande selo do desconhecido Estados Unidos. Faziam-no mais uma vez com claro desprezo. Mas ele não se importava com este desprezo do homem. Ele foi, sendo dos filhos teimosos de Deus, enviado para pregar com sucesso.

Nós, todos aqueles anos, que pouco o víamos em casa. Para seus filhos, ele era como estranho, chegando raramente em casa e quando o fazia não era como alguém que vinha para ficar, mas como alguém que veio para passar uma noite antes de ir novamente. Suas vidas foram construídas sem ele,

seus dias cheios de outras pessoas. Eles eram órfãos, porque sua vida foi dedicada aos outros, mas nem compreendiam o suficiente para sentir sua falta.

Ele, ás vezes sentiu isso vagamente, quando sua filha deixara de ser criança e um bebê que havia nascido na pousada, houve um que morreu quando tinha cinco anos, uma menina nascera. Às vezes ele tentava participar de suas vidas. Havia duas vezes no ano, que me lembro dele um pouco diferente, não o anjo errante que morava a noite naquela casa, mas como um homem que compartilhou as coisas que tinha que fazer. Destas duas vezes uma era o natal e a outra quando chegavam as caixas, encomendas por correspondência, da Montgomery Ward, sendo o natal, realmente, o menos emocionante.

Para o natal que Carie tanto fazia para as crianças, era para Andrew uma situação não muito clara. Na sua infância, em sua casa, não houvera celebrações de natal, exceto ir a igreja e ter um jantar. Não houvera presentes ou Papai Noel. Também lhe era estranha, então, a ideia de presentear. Não sabia oque dar de presente às crianças, exceto, aquelas que havia desejado quando menino, que eram coisas que seus filhos não queriam. Se ele não sabia escolher presentes para seus filhos sabia menos ainda escolher presentes para Carie. Mesmo as crianças sentiram a contrariedade de presentes inadequados para elas. Eles conheceram o bastante para sentirem uma dor em seu coração, na manha de natal. Lembro-me de Carie, abrindo um embrulho de papel pardo e colocá-lo de lado sem comentar.

Mas com seus olhos sombrios. Sabíamo-nos oque ele nunca soube. Conhecíamos oque ela gostava, oque ela usava ou de que ela precisava. Adorando-a apaixonadamente, seus filhos trabalhavam semanas antes do natal para fazer algo bonito para a mãe. Não ignorávamos o seu desejo secreto no coração por coisas bonitas. Mas era claro que Andrew, antes de tudo, não podia suportar o gasto de dinheiro, para outra coisa que não fosse oque escolhera como causa de sua vida. O dinheiro era para poder salvar almas, era para alugar capelas, para abrir escolas e para comprar bíblias. Nada queria para si. Assim havia sempre um pouco de dor sobre os natais.

– Ninguém sabe a data autêntica do nascimento de Cristo. Além disso, há evidencias de que a comemoração esta mistura da com tradições pagãs – murmurava. – Nós realmente não sabemos o que estamos celebrando, talvez até mesmo o aniversário de um antigo deus pagão.

– Que batucada, Andrew – Carie exclamava. – A razão é dar às crianças uma época Boa.

Mas, nunca houvera ninguém que dera uma boa época à criança Andrew. A verdade é que ele nunca ficava livre do peso de sua missão. Sua felicidade era medida por seu sucesso em, e somente isso, pertencer a Deus.

Mas, com as caixas da Montgomery Ward era outro assunto. Elas eram de necessidades, eram encomendadas e pagas meses antes e certamente chegavam.

As crianças esperavam pela semana, que de manha, quando Andrew olhando o papel que estava na mesa do café, diria solenemente:

– As caixas chegaram!

Se não estivesse em casa, mal podiam suportar, porque Carie não as abria até sua volta. Mas ele estava quase sempre lá no inicio do inverno. Havia uma regular e sempre emocionante rotina à ser seguida. Andrew deveria ir até a estação aduaneira no porto de Xangai, apresentar o recibo de embarque para retirar as caixas da alfandega. As crianças em casa esperavam, trepadas no alto do portão da missão, de modo, à poderem ver o primeiro vislumbre do pai, ao virar a esquina do antigo templo budista, lá no vale. Se estivesse chovendo, eles esperavam na porta da frente, com o nariz pressionado na janela de vidro transparente. Carie, então, estava preparando um lugar na sala na frente dos boxes. Não havia maior agitação que o momento em que Andrew aparecia de traz do templo, seguido por quatro ou cinco coolies com as caixas penduradas em cima das varas de transportes, dependuradas por cordas. Os coolies anunciavam a chegada, com sua musica rítmica,

– Hein-ho-ho-heign. – ressoando cada vez mais perto sobre a colina próxima.

Em breve as caixas seriam colocadas e abertas no salão, e os homens, naquela confusa e querida hora, discutindo o pagamento. Andrew estaria com os coolies que batendo nos peitos suados, protestavam lutando por seus interesses.

– Estas caixas desses estrangeiros estão cheias de chumbo! – Mostrando os vergões e laxações nos ombros. – Eles estão querendo nos matar, nos viemos até esta colina fazendo calos nas mãos! – jogando suas moedas para baixo e cuspiam sobre elas.

– Dê-lhes um pouco mais, só desta vez – implorava Carie.

Então Andrew, muito a contragosto, lhes dava maior pagamento. Eles se acalmavam sorrindo e iam embora. E havia as caixas.

Uma das crianças sempre com o martelo e o pé-de-cabra, que o pai tinha comprado para tais dias. Assistiam prendendo a respiração enquanto os fortes dentes de ferro afundavam na madeira, o som relutante quando Andrew retirava prego a prego pela cabeça.

Sendo cada tabua daquele bom pinho americano, salva neste despregar. Aquela madeira seca como nenhuma outra madeira na china tinha sido. Todas as nossas estantes, escrivaninhas e baús no sótão foram feitas de caixas da Montgomery Ward. Carie retirava o grosso papel pardo sob a tampa, e lá estavam as coisas da América! Era o nosso contato mais real, mais palpável com o nosso próprio país.

Agora, olhando para trás, essas coisas parecem simples, são coisas que os americanos compram todos os dias em suas mercearias, nada especial – só utilidades. Mas para nós aquilo era o mais desejado luxo, coisas que não tínhamos ao nosso redor e podiam ser compradas: alimentos para serem degustadas e saboreadas, coisas apreciadas como importantes e complexos instrumentos que pareciam mágicos, roupas feitas prontas para vestir, maravilhas da moda. Era quando, realmente chegavam latas de café e sacos de açúcar, bolos de levedura e sabão, um barril redondo de melaço de maple para Carie, os famosos gingerbreads (pães de gengibre), especiarias e coisas, talvez, que pudesse ser usadas ou vestidas no oriente. Havia agulhas, alfinetes, grampos de cabelo e linhas. Todas as pequenas coisas que não eram encontradas nas lojas chinesas. Algumas fitas em cores alegres, para amarrar os cabelos das meninas aos domingos (fitas tingidas para outros dias). Havia o chá-preto que Andrew adorava, após o jantar nas frias noites de inverno, alguns quilos de doces de hortelã, alguns pacotes de gelatina, vidro s para as geleias de fruta as que Carie preparava para o inverno da China. Necessárias roupas para o inverno úmido, como meias suéteres e golas. Por ultimo, havia sempre umas coisinhas especiais que as crianças tinham escolhido fora da lista naquele fabuloso catalogo. Oh, àquelas horas encantadoras q ue todos nós passávamos debruçados sobre o catálogo, em busca de algo, que não custasse mais que o dólar permitido. Se era melhor escolher várias pequenas coisas que custassem menos ou algo desejado que custasse m ais que um dólar e a agonia quando oque se desejava custava um dólar e 19 centavos! Eram decisões que queimavam o coração! Não ser algo desnecessário. Ao enviarmos a lista, para Andrew nenhuma criança estaria pensando assim, Mas Carie, sempre muito compassiva, podíamos persuadir e, quando, o projeto de compras era apresentado aos seus olhos severos, Carie era confiável para falar e dizer:

– Andrew, eu disse a ela que poderia. Vou refazê-la tirando alguma outra coisa ou reorganizar algo!

Então, Andrew deixava passar. Para lhe fazer justiça: às vezes ele aprovava de qualquer maneira, se o trabalho estava indo bem, estando de bom humor.

Cada criança, então, ganharia seu pequeno e precioso pacote para desembrulhar e olhar, acariciar e brincar e o colocaria sob o travesseiro à noite. No entanto, aquele catálogo foi um livro que queimava o coração, havia tantas coisas que custavam mais que um dólar! Foi, por exemplo, uma das meninas de Andrew que ansiava profundamente, ao longo dos anos comprar certa boneca grande. Digo tão grande como bebê de verdade. Ela até esse dia não se esqueceu da legenda escrita abaixo do catalogo - "Tamanho Natural". Ela lembra-se de sua face redonda e rosada, seu gorro, seu vestido e casaco de malha pequena. Mas custava três dólares e 98 centavos e, era certamente, sem qualquer possibilidade. Ela comprou uma ou duas bonecas, mas, nunca foi a mesma coisa. Ela orou resolutamente por anos para ganhá-la em um natal, mas nunca houve tal natal. Ela tinha poucas e baratas bonecas, que pelas mãos de Carie eram elegantemente vestidas. Mas elas não eram do tamanho real. Toda véspera de Natal quando criança tendo rezado centenas de orações, fui para a cama com o coração batendo com esperança. Mas ao primeiro olhar para a meia e o pequeno monte de pacotes empurrava a esperança por mais um ano. Se Carie tivesse percebido, ela teria encontrado uma forma, com grande sacrifício e novo corte, para que o pequeno coração tivesse seu desejo. Mas ela nunca soube, a criança nunca falou, não sonhava que a soma fabulosa seria possível para seus pais lhe dar. Papai Noel ou Deus poderia lhe dar, mas não Andrew que precisava de todo o dinheiro. E Carie não tinha dinheiro próprio. Assim a boneca permaneceu nas páginas do catalogo para se sonhar e finalmente a renunciar, exceto para os dia s de hoje, que a criança, há muito cresceu, aquele assunto não pode ser resolvido. Não passa de uma boneca no balcão de uma loja de brinquedos para bebes de verdade.

Mas havia muitas criancinhas brancas que viviam no coração da China, para quem a Montgomery Ward estava com Papai Noel e com Deus. Uma criança chegou em casa um dia para dizer Lemny, sua sua mãe,

– Tenho certeza que a Senhorita Nan e o Senhor Rob vão se casar?

– Como você sabe? – Perguntou a mãe.

– Porque os vi olhando para um catálogo da Montgomery Ward juntos. – Astutamente respondeu a criança.

***

Todo esse tempo, uma tempestade foi lentamente saindo das profundezas da China. Nenhum de nós percebeu, certamente, não eu, como uma criança que vivia na pequena casa de Andrew. No entanto, eu me lembro de ter medo à noite por causa de coisas que ouvia da conversa de Andrew e Carie. As pessoas, ao que parecia, não estavam tão dispostas a ouvirem Andrew pregar. Ele chegava em casa com maior frequência que costumava vir, muitas vezes, deprimido e abatido. Carie, de alguma forma, antes dele chegar, nos persuadia a sermos melhores e especialmente afetivos. Eu me lembro de como estava cansado.

– Vocês crianças, estando em segurança aqui, não podem compreender todas as coisas duras que ele tem que suportar – ela fez uma pausa como que se ouvindo, talvez pensando, como as crianças estariam salvas?

Então elas eram simpáticas e faziam pequenos favores para Andrew: colhiam-lhe flores que ele não observava, colocavam seus velhos chinelos de couro na porta para ele calçar quando viesse. Oque desfrutava e pedia. Havia naqueles grandes e gastos chinelos angulosos, conforme os pés de Andrew, uma espécie de simbolismo para uma criança pequena. Carregando-os uma em cada mão, pareciam tão enormes como os sapatos de um gigante e, também, tinham uma espécie de mágica, quando ele os colocava, surgia em seu rosto um olhar diferente. Era um olhar claramente do coração, de carência naquele corpo desesperadamente cansado. Mas tinha prazer de espairecer em sua própria casa. Algo que não era capaz de colocar em palavras.

***

Então, corriam aqueles anos, que possibilitaram a Rebelião dos Boxers. Quando chegava, estava cada vez mais desanimado, passava horas em seu escritório, aparentemente, não fazendo nada. Nós começamos a vê-lo sentado em sua velha poltrona de imitação de couro, que ele tinha comprado, numa loja de segunda mão, em Xangai. Desde que me lembro, tinha parte do estofamento saindo e marcas dos contornos de seu corpo, principalmente dos cotovelos onde os apoiava para orar.

Também, outras vezes conversaram. Andrew e Carie nunca escondeu de seus filhos a realidade de suas vidas.

– Eu tive que fechar mais três igrejas neste mês, – Andrew disse de repente na mesa – os senhorios não me deixaram ficar com elas. Eu não posso encontrar outro lugar, agora, ninguém vai me alugar um local para pregar. Algo esta errado. – Disse com simplicidade – Nós estamos tendo reuniões em diferentes casas dos membros, secretamente no meio da noite, como faziam os cristãos antigamente.

Muitas e muitas noites, um dos filhos acordava com o barulho da porta fechando e vendo a luz da velha lamparina de querosene que Andrew levava, do tipo que usávamos para ter a casa em ordem e clareada. Naqueles dias usávamos lâmpadas de óleo ou querosene com petróleo americano, quando na parede branca, víamos o reflexo da chama, sabíamos que era Andrew, chegando em casa, de uma das secretas reuniões dos cristãos. De alguma forma, nossa casa foi preenchida não de medo, mas com uma espécie de expectativa solene. Um por um, os empregados com qualquer ou nenhum pretexto, se foram, ficando só uma enfermeira com seu filho. E Andrew, cada vez mais, ficava em casa, cada dia seu rosto mais sombrio. Varias vezes foi ver o Cônsul Americano. Uma vez voltou e disse a Carie.

– Ele não pode fazer nada, todos estão aguardando.

Por uma noite inteira ele não voltou para casa. Era quase meio dia do dia seguinte, vimos antes dele entrar, os pulsos estavam sangrando onde fora preso por correias. Quando Carie, gritou com ansiedade frenética.

– Sou feliz por estar vivo. – Respondeu sobriamente – Eu estava reunido na administração com Lin Meng e sua velha mãe, quando soldados entraram e levaram Lin para longe, ele foi torturado até morrer. Mas permaneceu fiel. Levaram seu filho de 10 anos de idade, depois o libertaram, voltou e me soltou. Fiquei amarrado a um poste, a mulher morreu enquanto eu estava ali. – Seu rosto transformou-se, Andrew sentou e gemeu, olhou-nos estranhamente, seus olhos da cor do gelo brilhando – Lin Meng entrou na presença do senhor – com a voz solene e triunfante – um mártir e foi hospedado com os glorificados!

Levantou-se rapidamente e foi para seu escritório, para ficar só por um tempo.

Isto ocorria em todos os lugares. Logo começaram a chegar os rumores de mortes. Em uma pequena comunidade missionária, na cidade Shantung, todos estavam mortos. Incluindo as crianças. Algo que nunca se tinha visto, por um acordo secreto entre Carie e os Chineses, eram-nos trazidos vários missionários. Estavam maltrapilhos, famintos e doentes. Foram cuidados e enviados, em segurança, para Xangai. Havia poucas crianças de oito ou dez anos com eles, mas nenhum bebê. Estes morriam de disenteria, de febre, de dificuldades terríveis demais para serem contadas. Os filhos de Carie nunca ouviam esses rumores, mas viram Carie soluçar em choro angustia e medo por ela própria.

Então aquela tempestade aumentou e trovejou até o dia que a bandeira americana foi hasteada, em um ponto combinado, nos alertando para deixar o local imediatamente. Eu fui com Carie que levou as crianças. Mas, Andrew ficou sozinho. Não podíamos saber oque pensava Andrew, quando solitário retornou calmamente para seu posto. Nunca, nem depois ou no futuro, deixou seu posto quando chegava o perigo. No caminho, ele foi agredido várias vezes, maldições lhe gritaram, mas não lhes deu atenções. Ele entrou na casa vazia, tomou banho, mudou de roupa e sentou-se para jantar. Um rapaz, filho de uma enfermeira dos fieis, permaneceu para servi-lo.

A história da Revolta dos Boxers foi contada muitas vezes não há necessidade de relatá-la de novo. Permanece, como a história da "Noite do Buraco Negro de Calcutá", um dos acontecimentos sujos da história. Se o numero de pessoas que, de fato foram mortas, é pequeno, quando comparados com esta guerra e os acidentes de hoje. Oque faz o coração estremecer e lamentar, foi à forma das mortes de crianças inocentes e bebês. Até mesmo nestes tempos que vivemos isto é criminoso. Mentalmente pode-se reconhecer o direito da China em recusar estrangeiros em seu território, julgarem como imperialistas as pessoas como Andrew, embora entendível; mentalmente sabemos, que as pessoas têm o direito de recusar o imperialismo. Mas o coração tem pavor, por todos aqueles que eram bons e inocentes e foram martirizados. Também, aqueles menos bons e inocentes, porque eram cegos. Para a maior glória de Deus ficaram cegos, estavam embriagados com o amor a Deus, de modo que eles não viram nada, por essa glória, só enxergavam que todos os outros, deveriam se tornar como eles. E, assim deixaram tudo, foram sem ver o perigo, ou se vendo, não acreditando.

A mente e o coração, entre esses dois não há conciliação, A mente, com a razão, pode dizer mil vezes:

– Eles não tinham de estar lá. Eles provocaram oque receberam.

Mas o coração diz:

– Eles eram inocentes! –Pois, acreditavam que o faziam para Deus.

Então, não há respostas e não pode haver decisão justa. Andrew, certamente, pertencia aos que não viam. Crer tão profundamente em sua alma era sua força, de seu nascimento até sua morte, seus olhos naturais nunca estiveram abertos. Ele nunca viu os homens, exceto como "Arvores que Andam".

Ele teria ficado surpreso, se alguém lhe falasse que os chineses tinham o direito de protestar contra a presença de missionários estrangeiros em seu solo. Seria como se protestassem contra a existência do próprio Deus. Nenhum homem tem direito contra Deus. Ele permaneceu, teimosamente, na casa da missão, com o rapaz chinês, todo aquele verão quente e ensolarado. Aquele rapaz, à noite andava pelas ruas e a cada dia levava as noticias de novos massacres de pessoas brancas, em todos os lugares. Andrew era o único homem branco naquela região. Ele ia e saia em silencio. Pregava abertamente nas ruas, até que a fúria e gritos dos transeuntes, para ele fosse ouvido ou serem muito ameaçadores. Então, com sua grande teimosia e serenidade, distribuía seus panfletos, vendo-os serem jogados ou rasgados. Dirigia-se para tentar outra rua. Sua extrema dignidade e tranquilidade, seu aspecto alto e sua falta de medo, parecem que lhe serviu de apresentação. Eu fiquei sabendo, pelo cristão Ma, que então o acompanhava. Uma vez ele contou de Andrew:

– Eu Pensei muitas vezes que ele seria morto. Muitas vezes eu estava próximo e pensava que seria testemunha da morte de um mártir como Estevão. Uma vez o atingiram com pedras que cortou seu rosto, mas nem sequer levantou a mão para limpar o sangue. Ele parecia não sentir isso.

– Você não teve medo – perguntamos a Andrew quando já era velho.

– Houve momentos em minha vida que eu tive medo. – Lembrando considerava – Mas, sempre foram as coisas pequenas.

Ele quis dizer: ladrões, barulho durante a noite, os movimentos na escuridão. Os medos que passou na infância, que tão ocultas nele que não as reconhecia.

– Eu nunca tive medo quando estava nos negócios de Deus, no entanto alguns foram mortos. – disse – Isso não é um medo da morte.

Foi uma de suas simplicidades para as quais não havia resposta.

Mas ele manteve-se em todos seus dias, então depois, lembrava-se com clareza, não dos perigos ou medos, não estórias de doença e morte, mas de uma espécie de êxtase que ele viveu ao que parecia fora de si mesmo.

"Eu parecia – escreveu ele – estar sem o corpo. Pois, estava consciente da presença de Deus comigo, como uma forte luz brilhando dia e noite. Todos os seres humanos estavam longe de mim. Eu tinha quase nenhuma relação humana, exceto com Ma, uma vez fora mulçumano, mas convertido cristão. Ma permaneceu fiel. E cada dia eu lhe ensinava exegese das escrituras e, juntos, planejávamos a divulgação m ais eficaz o Evangelho, quando a tempestade acalmou"

Mas, Andrew nunca duvidou que aquela tempestade fosse passar, o mal tem que ser vencido e triunfar o bem.

– Mantenha-nos fiéis, até o dia que todo mal tiver desaparecido do mundo e Deus vitorioso. – dizia em cada oração em vós alta.

Na certeza deste dia! Com tal fiança, ele construiu sua vida, que foi, sem mudança ou sombra de dúvida em qualquer situação. O que, de fato, alguém mais precisa que a garantia do desejo em seu coração? Passou meses.

***

O verão acabou e terminou a Rebelião dos Boxers. Como todos sabem, por uma expedição punitiva, que vieram das poderosas nações daqueles missionários sacrificados. Os exércitos estrangeiros marcharam em Pequim, a Imperatriz fugiu com sua corte; houve desculpas, indenizações, novas concessões conforme o usual. Mas o povo permaneceu sombrio. Andrew ficou impaciente, eles mantinham uma ameaçadora recusa em ouvir sobre o Deus estrangeiro. O Clima frio veio, o tipo de clima que ele deveria estar no interior do país, pregando nas praça e mercados, parando em aldeias, se reunindo nas eiras e conversando com os camponeses. Mas eles não queriam ouvi-lo. Eles o ameaçaram, atiçaram seus cães ferozes sobre ele, recusaram espaços para alugar ou espaço até mesmo para ele ficar. Duas capelas foram incendiadas.

"Ainda não houve o tempo de Deus trabalhar" – escreveu Andrew a Carie"

Ocorreu, tinha passado nove anos, desde que tinha visto seu próprio país, que uma licença lhe era devida. Carie também vivia em pensões perto de Xangai, estava pronta para uma mudança. Bom, então, ele iria dar à Deus um pouco mais de tempo. Um ano de licença, depois ele iria voltar e, com o cristão Ma, começaria novamente a campanha. Fecharam a casa da missão e foram à Xangai.

Seus filhos quase conseguiram se achegar à ele. Em cada noite que oraram:

– Deus, por favor, proteja nosso pai dos Boxers.

Mas lhes parecia mais alto e magro que nunca e seus olhos naquele rosto vermelho e bronzeado.

Ele era tímido não sabendo como falar com eles.

***

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Kleber Rossi Waleriano
Enviado por Kleber Rossi Waleriano em 22/09/2017
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